Pode um tardígrado virar um emaranhado quântico? Cientistas desconfiam
Um tardígrado congelado se tornou o primeiro animal "quanticamente emaranhado" da história. Pelo menos é o que afirma um novo estudo, ainda não aprovado pela comunidade científica. De acordo com os autores, a criaturinha passou por um processo de entrelaçamento com qubits de um supercondutor — e sobreviveu para contar história.
De fato, o tardígrado é a criatura mais resistente do mundo e, por isso, é tema de tanta curiosidade (e experimentos). Conhecidos também como ursos d'água ou leitões musgo, têm oito patas e cerca de 0,5 milímetro de comprimento, e é capaz de sobreviver a quase tudo, como calor, pressão, salinidade, toxicidade, congelamento, desidratação, radiação e até o vácuo do espaço.
O bichinho invertebrado microscópico consegue viver em temperaturas entre -270°C e 150°C e ficar até 30 anos sem água e sem comida, entrando em sua forma de criptobiose (como um período de latência e altíssima resistência), chamada "tonel". Provavelmente, a única catástrofe que exterminaria completamente os tardígrados seria a morte do Sol.
A nova pesquisa relata ter usado um tardígrado da espécie Ramazzottius varieornatus. Ele foi resfriado para perto do zero absoluto e colocado sob pressão extremamente baixa, de 0,000006 milibares, para entrar em sua forma indestrutível. Foi então inserido no circuito de computador quântico, onde teria sido temporariamente emaranhado com dois qubits (bits quânticos) de supercondutores.
Primeiro, ele foi colocado sobre um dos qubits, que então foi entrelaçado a um segundo, em um sistema quântico, a baixíssimas temperaturas. Após cerca de 420 horas de experimentos, o bicho foi aquecido e teria voltado à forma normal, "ressuscitando" como se nada tivesse ocorrido.
Emaranhamento
Emaranhamento (ou entrelaçamento) quântico é um processo já conhecido, que vem sendo utilizado para revolucionar a computação, ao usar propriedades da física quântica para fazer cálculos super-rápidos, superando em muito a capacidade dos processadores convencionais, que usam linguagem binária.
Neste processo, uma ou mais partículas são conectadas tão profundamente que compartilham características fundamentais, mesmo que separadas por grandes distâncias. O que acontece com uma é instantaneamente refletido na outra, de forma invertida, como um espelho. Uma não pode ser descrita sem a outra. Cientistas já sabem como fazer isso — apenas com partículas, jamais com seres vivos e suas moléculas.
Por isso, o novo estudo é tão polêmico. Vale ressaltar que o artigo, publicado no periódico arXiv, está na fase de "pré-impressão", ou seja, ainda não foi revisado pelos pares (outros especialistas da área que validam as informações e experimentos).
Caso confirmado, a temperatura do tardígrado em questão será a menor a qual já vimos ele sobreviver: 10 mK (0,01°C acima do zero absoluto).
Cientistas discordam
A comunidade científica está cética em relação ao anúncio. Alguns especialistas chegam a refutar que um entrelaçamento quântico tenha de fato ocorrido neste experimento.
"Os autores não emaranharam um tardígrado com um qubit em nenhum sentido significativo. Isto não é 'biologia quântica'", disse Douglas Natelson, professor de física da Rice University, em seu blog. "O que eles fizeram foi colocar um tardígrado em cima das partes capacitivas de um dos qubits transmons de um par. O tardígrado é principalmente água (congelada), e aqui funciona como um dielétrico, mudando a frequência de ressonância do qubit em que estava."
De acordo com a pesquisa, foram medidas mudanças de frequência nos qubits com a inserção do animal. Mas, apesar de o tardígrado alterar as condições do qubit, e vice-versa, isso não necessariamente significa um entrelaçamento quântico. Para afirmar isso, seriam necessárias medições mais específicas, que não foram realizadas durante os experimentos.
"Um qubit é um circuito elétrico, e colocar um tardígrado nele o afeta por meio das leis do eletromagnetismo que conhecemos há mais de 150 anos. Colocar um grão de poeira próximo ao qubit teria um efeito semelhante", disse o físico Ben Brubaker.
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