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Polícia de Israel teria usado Pegasus para espionar líderes de protestos

Prédio que abriga o grupo israelense NSO, dono do sistema Pegasus, em Herzliya, perto de Tel Aviv - Jack Guez/AFP
Prédio que abriga o grupo israelense NSO, dono do sistema Pegasus, em Herzliya, perto de Tel Aviv Imagem: Jack Guez/AFP

De Tilt, em São Paulo

19/01/2022 12h59Atualizada em 27/01/2022 09h52

A polícia de Israel possui o software de espionagem Pegasus, feito pelo grupo israelense NSO, e usa para hackear cidadãos do país, especialmente líderes de protestos contrários ao governo, às vezes sem os mandados judiciais exigidos. A denúncia foi feita pelo jornal financeiro Calcalist nesta terça-feira (18), que publicou uma série de reportagens sobre a atuação das autoridades policiais do país.

Ao responder à reportagem, a polícia de Israel não confirmou ou negou o uso do Pegasus, mas disse em nota que "todas as atividades nesse reino acontecem de acordo com a lei, com base em mandados judiciais e protocolos rígidos de trabalho".

O ministro de Segurança Interna Omer Barlev repetiu a declaração. "Com isso dito", acrescentou pelo Twitter. "Tenho a intenção de garantir que nenhum atalho será tomado em respeito ao NSO e que todos sejam examinados e explicitamente aprovados por um juiz."

O Pegasus permite rastrear em segredo as atividades da pessoa que teve o aparelho infectado, como ler mensagens, ver fotos, saber a localização e ter informações de acesso a contas bancárias, redes sociais e email. E ainda ativar remotamente o microfone do celular espionado para ouvir ligações e tirar fotos com a câmera, sem que a pessoa saiba.

Originalmente, a NSO diz ter criado a tecnologia para combater o terrorismo e outros delitos. Em tese, somente governos poderiam adquirir o programa. Mas o que se tem visto até aqui é que ele tem sido usado há alguns anos para o monitoramento de inimigos políticos, como ativistas dos direitos humanos, jornalistas e advogados.

O agravante é que o Pegasus faz tudo isso sem a necessidade de que o dono do aparelho execute alguma ação ou acesse determinado link malicioso, numa estratégia conhecida como "zero clique".

A reportagem do jornal israelense acrescentou um novo recorte doméstico à pressão global sobre Israel, após alegações de que o Pegasus foi utilizado por clientes de governos estrangeiros para espionar ao menos 180 jornalistas, 600 políticos, 85 ativistas dos direitos humanos e 65 empresários, segundo levantamento da Anistia Internacional.

O Pegasus também foi utilizado para atingir pelo menos nove funcionários do Departamento de Estado dos EUA. Os Estados Unidos já colocaram a NSO em sua "lista vermelha", o que inclui proibir negociações comerciais com companhias norte-americanas.

No Brasil, o app foi usado recentemente contra o fundador e presidente da Safernet Brasil, Thiago Tavares, que depois de descobrir que seu computador havia sido infectado com o software, e em meio a ameaças sofridas, decidiu exilar-se voluntariamente na Alemanha.

Segundo Marina Meira, coordenadora geral de projetos da Associação Data Privacy Brasil, que atua na proteção dos direitos humanos na rede, ações de diferentes países mostram que o cerco ao programa tem crescido, o que é importante para contê-lo.

"Podemos dizer que o Pegasus é uma arma informática que deve ser banida pelo direito internacional", afirmou ela a Tilt. "A partir do momento que se torna uma ferramenta de potencial vigilância, tendo como principais alvos jornalistas, ativistas, defensores dos direitos humanos e opositores de regimes, o Pegasus pode ser um grande repressor da liberdade de expressão, de imprensa, de associação e reunião."

A fim de conter as invasões, um consórcio internacional de 17 veículos de comunicação foi criado para divulgar a lista dos alvos de espionagem obtida pela ONG de mídia Forbidden Stories e pela Anistia Internacional. Mais de 50 mil números de telefone em mais de 45 países estavam na lista, mas não é possível saber quantos foram invadidos.

Na lista de possíveis alvos estão: o presidente Emmanuel Macron, o primeiro-ministro, Édouard Philippe e outros membros do governo francês; Rahul Gandhi, o principal adversário político do primeiro-ministro indiano Narendra Modi, além dos ativistas Fatima Movlamli, do Azerbaijão, Loujain al-Hathloul, dos Emirados Árabes, Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Cecilio Pineda Birto e Alejandro Solalinde, do México.

Recentemente foi descoberto ainda que Hatice Cengiz, noiva do jornalista saudita assassinado por um esquadrão saudita em 2018 Jamal Khashoggi, foi espionada com a ferramenta.

Entre os 180 nomes de jornalistas, aparecem profissionais do Financial Times, Washington Post, CNN, New York Times, El País, Bloomberg, Le Monde, France Press, Associated Press e Reuters.

Muitos países também têm se juntado em torno de um tratado internacional de banimento do software. Estados Unidos e União Europeia já manifestaram posicionamentos favoráveis à proibição ou, no mínimo, recomendam uma regulamentação.

O Brasil, pelo menos oficialmente, não possui contratos com a fabricante do sistema, mas o UOL revelou que o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, participou de negociações com a NSO Group para compra do sistema pelo governo brasileiro.

Nesta semana, o UOL também reportou que o chamado "gabinete do ódio" (grupo de assessores com foco nas redes sociais e em ataques a adversários políticos do presidente Bolsonaro) negociou um programa espião muito parecido com o Pegasus, o DarkMatter, na feira de tecnologia Dubai Air Show, que aconteceu em novembro.

A tecnologia de espionagem foi desenvolvida por ex-agentes da CIA (agência central de inteligência dos EUA) e militares de inteligência, além de ex-programadores da Unidade 8200, força de hackers de elite vinculada ao exército de Israel, e agentes especializados em estudar falhas de dia zero, como são chamados os bugs inéditos que ainda não possuem correção.

Procurados pelo UOL, Carlos Bolsonaro, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República) e o Palácio do Planalto não responderam aos questionamentos da reportagem nem explicaram os motivos da negociação. Não se sabe se a negociação era para aquisição do software ou outro serviços da empresa, por exemplo.

A aquisição de programas como estes levanta preocupações sobre possíveis usos de apps espiões em campanhas eleitorais ou contra opositores do governo, embora a maioria dos países que adquire softwares como esse alega que usa a tecnologia para facilitar a busca e prisão de criminosos. (Com agências internacionais)