Uber viraliza com cartaz explicando síndrome: 'viagens ficaram tranquilas'
"Aquelas pessoas deixam a doença vencer e eu não vou fazer isso", afirma Brad Cohen, o personagem principal de "O primeiro da Classe". O filme, baseado em fatos reais, conta a história de um jovem diagnosticado com síndrome de Tourette, transtorno neuropsiquiátrico caracterizado por tiques involuntários súbitos e repetitivos, que tem que enfrentar o desconhecimento das pessoas, a ignorância e o preconceito em meio ao sonho de se tornar professor.
É o filme que Antonio Luiz Gomes da Silva, 44, que trabalha como motorista da Uber há quase três anos, recomenda para quem deseja conhecer mais sobre a síndrome em um aviso que pendurou atrás do banco da frente para que os seus passageiros saibam o motivo pelo qual ele pode apresentar tiques ao longo das viagens.
No cartaz de seu carro, ele se apresenta: é casado, pai de um garoto, trabalha desde os 13 anos e começou a dirigir em 1997, tendo experiência com caminhões, carros de passeio e motocicletas. Além disso, diz que faz todos os exames de renovação da carteira de habilitação.
Em uma de suas viagens, entrou o designer de embalagens Carlos Oliveira, que viu o cartaz e, em conversa com o motorista, pediu para tirar uma foto. Após postá-la no Linkedin, a cena viralizou, recebeu mais 65 mil curtidas, mais de 1.500 compartilhamentos e se espalhou por outras redes.
"Não pensei que ia dar essa repercussão. Era mais por informação mesmo, mas eu fico feliz porque a gente está trazendo informação sobre uma síndrome que é não muito conhecida aqui", afirma a Tilt.
A decisão de Antonio de colocar o aviso sobre a síndrome que possui, há cerca de 3 meses, aconteceu logo após um bloqueio temporário do seu perfil pela Uber por 15 dias, sem explicação, conta —de acordo com a empresa, informações sobre esse tipo de paralisação são sigilosas.
Como é bem avaliado e não teve acesso ao motivo, o motorista pensou que poderia ser alguma denúncia relacionada à Tourette, síndrome que tem desde os 7 ou 8 anos de idade, segundo ele. Foi então que o motorista resolveu colocar em prática a ideia que tinha em mente já há algum tempo, mas sempre a adiava.
Ele conta que alguns passageiros se assustavam, perguntavam se ele estava bem e ficavam preocupados com os tiques, que se acentuaram nos últimos meses em razão de toda a pressão e ansiedade gerada ao longo da pandemia, relata. Antes, os mais comuns eram balançar a cabeça, piscar excessivamente os olhos, abrir a boca e ficar colocando a língua para fora. Na pandemia, começou a mexer os ombros e também todo o corpo.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a Síndrome de Tourette é rara e afeta 1% da população mundial. Entre os tiques, há os motores, como os apresentados por Antonio; e também os vocais, como tossir, fungar, limpar a garganta e a emissão de palavras e ruídos constantemente
Casos mais raros ainda, mas que chamam atenção, são de pessoas que usam palavras (coprolalia) e gestos (copropraxia) obscenos.
Viagens mais tranquilas
A reação dos passageiros após o aviso o agradou. Antonio conta ainda que o cartaz tem sido um divisor de águas e criou um espaço de comunicação com eles. "As viagens ficaram bem mais tranquilas depois que eu coloquei o aviso. A gente vai conversando e as pessoas vão me contando as histórias delas, umas que têm a síndrome, outras que conhecem quem tem."
As trocas, segundo ele, vão além da Tourette. Os passageiros compartilham as suas experiências com outras condições, como a do espectro autista. "Virou uma via de mão dupla", diz.
Durante a entrevista a Tilt, o uso da palavra "tranquila" para descrever as viagens foi recorrente. Situações que geram estresse e nervosismo funcionam como gatilhos para pessoas com a síndrome, intensificando os tiques. E o acolhimento que ele recebeu tem funcionado no caminho inverso, como um mecanismo para amenizá-los, destaca o motorista.
Conscientizar é seu objetivo
A expectativa de Antonio é que a síndrome seja cada vez mais divulgada, para que a sociedade compreenda do que se trata e que as pessoas respeitem quem tem a condição.
Esse desejo expressa também uma preocupação paterna: o seu filho de 9 anos já apresenta traços da Tourette, e está em acompanhamento.
"Espero que ele encontre um mundo com mais conhecimento sobre a síndrome, que mais pessoas ouçam sobre ela e que possam respeitar quem a tem", diz.
Faltam, no entanto, políticas públicas que deem visibilidade à síndrome e às pessoas que sofrem com os seus efeitos. No Brasil, somente agora, em janeiro de 2022, uma proposta que visa incluir as pessoas com Síndrome de Touretteno Estatuto da Pessoa com Deficiência foi aprovada na comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados —desde que atendam os critérios estabelecidos Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
O texto tramita em caráter conclusivo, quando não precisa ser votado em plenário, mas ainda requer análise das comissões de Seguridade Social e Família, Constituição e Justiça e de Cidadania.
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