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ANÁLISE

Qual o segredo da Shein? Testei o app e terminei com um 'rombo' na conta

Embalagem usada pela Shein para enviar os produtos comprados no site - Reprodução
Embalagem usada pela Shein para enviar os produtos comprados no site Imagem: Reprodução

Letícia Naísa

De Tilt, em São Paulo

04/02/2022 04h00

Propagandas online da Shein bombardeiam minhas redes sociais há algum tempo —se isso não aconteceu com você, talvez ocorra em breve. A loja de roupas da China tem um acervo imenso de peças e os anúncios parecem um editorial de moda, com modelos bem vestidas e bem maquiadas. Além de roupas e acessórios, o site também vende itens de cama, mesa e banho, que são mostrados em cenários de casas dos sonhos. Tudo com aquela estética instagramável.

Pode ser muito difícil resistir a uma oferta da rede chinesa se você for antenado em moda e beleza. Além do algoritmo incansável, não faltam blogueiras e influenciadoras no Instagram, no YouTube e no TikTok fazendo resenhas de peças conseguidas na Shein e dando dicas de como comprar sem ter os produtos barrados na alfândega, já que tudo vem da China.

No Instagram, a #shein tem mais de 4,7 milhões de postagens — #sheinbrasil ultrapassa 55 mil. As redes sociais da marca somam mais de 250 milhões de seguidores. É online que ela faz sucesso. É na própria rede que ela se inspira e é apenas na internet que ela existe.

Uma busca rápida pelo Facebook encontrei dezenas de grupos dedicados à troca de links de cupons, ofertas e dicas de looks combinando itens da marca. Também chovem grupos de desapegos. Já que é difícil mandar de volta para a China quando uma peça não serve ou não fica bonita, fica mais fácil trocar com quem mora no Brasil mesmo. Memes também não faltam com a famosa "expectativa x realidade" dos produtos adquiridos.

E qual é a receita de sucesso?

A receita do sucesso é saber minerar os dados a seu favor.

Fundada em 2008 por um especialista em SEO, mecanismos de busca e marketing digital, o que a marca faz é uma varredura pela internet para descobrir o que faz sucesso.

Por dia, são lançadas mais de 150 novidades no site, são mais de 1.000 peças por semana. Entre especialistas, o modelo de negócio tem sido classificado como ultra-fast-fashion.

Ao contrário de outras varejistas, não existe um endereço físico, uma loja da Shein no mundo real, onde você possa tocar e experimentar as peças.

Mesmo assim, ela bomba, principalmente entre a geração Z, aquela que cresceu sendo vestida por roupas de redes de fast-fashion, como Zara, Forever 21, C&A ou Renner.

Ao contrário das concorrentes, no entanto, a Shein não precisa estar presente em um espaço físico para ganhar relevância entre um público que está começando a ter poder aquisitivo. Como seu público-alvo, ela é uma nativa digital. É graças à viralização de vídeos com gente usando peças da Shein que ela faz sucesso.

Pelo Google Trends, dá para ver que as buscas pelo nome da marca dispararam em meados de 2020, quando a pandemia estava no auge e todo o mundo passou a fazer compras online. Em junho, o aplicativo da Shein para iOS e para Android ultrapassou o da Amazon em número de downloads, tornando-se líder por lá e em mais 50 países — ela está presente em mais de 200.

No mesmo ano, o faturamento da marca bateu US$ 10 bilhões.

Minha experiência na plataforma Shein

O período de isolamento me transformou em uma grande consumista de compras online. Lotei minha casa de coisas. Sem dó, comprei uma air fryer e um aspirador robô, e repaginei o meu guarda-roupa, mesmo sem poder sair para desfilar.

Colaborei, mesmo que de forma modesta, para o faturamento bilionário da rede chinesa.

Passar horas no site olhando roupas, acessórios e itens de casa se tornou quase um hobby durante o meu tempo livre. Por isso, ler os comentários sobre as peças antes de decidir comprar virou mais uma forma de entretenimento enquanto o caos reinava do lado de fora.

No site da Shein, é possível ver fotos, vídeos e opiniões de quem comprou. A caixa de comentários de cada peça bomba porque o site segue uma lógica de gamificação: quanto mais uma cliente comenta e opina, mais moedas virtuais da loja ela pode ganhar, e se o comentário tiver muitas curtidas, o saldo aumenta.

As moedas viram desconto no final da compra, e pode ser combinado com outros cupons. O desconto chega a ser insano, tem quem consiga comprar calças por menos de R$ 10 — e com frete grátis.

Por isso, a seção de comentários é um show à parte, funciona quase como uma rede social paralela.

Roupas não são meu ponto fraco na hora de passar o cartão, mas, na Shein, me vi confirmando uma compra — parcelada — de 9 peças por R$ 150, sem pagar frete.

Poucos meses depois, fui mais ousada: R$ 440 estavam no meu carrinho. Dessa vez, escolhi itens um pouco mais caros, como um macacão jeans e um vestido (de imitação) de cetim. Não resisti quando um cupom de R$ 60 (e frete grátis) pulou na minha tela. Fechei negócio.

Apesar de ter lido sobre a possibilidade de uma compra da Shein poder ser parada na alfândega e sofrer taxas, preferi acreditar que não aconteceria comigo, mas aconteceu. A realidade bateu à porta. Ou melhor, caiu no meu email na forma de um boleto de R$ 136. Para liberar a compra, precisava pagar.

Pela minha experiência, vi que tinha um jeito de reaver pelo menos uma parte da grana das taxas da alfândega. No site, a empresa se compromete a reembolsar as clientes. Mas, depois da experiência, demorei muito para fazer uma nova compra — impulsiva — na Shein.

Apesar dos preços acessíveis (graças à procedência duvidosa e à uberização do trabalho de fabricação), percebi que, mais uma vez, estava caindo na cilada das redes sociais e deixando um algoritmo decidir também o que eu vou vestir.

A passividade na tomada de decisão, na verdade, é a grande sacada da rede chinesa.

A cada compra, percebi o quanto me deixei influenciar pelo feed e como cedi facilmente meus dados, mais uma vez, para uma grande empresa. O barato, como diz o ditado, às vezes sai mesmo caro — e nesse caso, não só para o bolso.