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Quanto dá para aprender ao assistir a vídeo acelerado? Estudo botou à prova

Assistir ao vídeo da aula online em velocidade maior é uma tática usada por muitos estudantes - Julia M Cameron/ Pexels
Assistir ao vídeo da aula online em velocidade maior é uma tática usada por muitos estudantes Imagem: Julia M Cameron/ Pexels

Pedro Santos

Colaboração para Tilt

08/02/2022 04h00

Em um mundo no qual até áudios curtos de WhatsApp são acelerados e ouvidos na metade do tempo, não há conteúdo digital isento de ser devorado na velocidade 1.5x ou 2x.

Para além do consumo rápido de vídeos também no YouTube e outras plataformas, a tática se tornou rotina de alguns estudantes. Mas ela pode afetar a compreensão da disciplina e prejudicar o aprendizado?

Um estudo da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos, ofereceu respostas para essa dúvida. Contrariando a crença de que a pressa é inimiga da perfeição, a pesquisa concluiu que: o consumo rápido de informação não é prejudicial ao entendimento. Porém, com algumas ressalvas.

"Assistir a videoaulas em até duas vezes a velocidade original não prejudicou significativamente a compreensão imediata ou posterior", diz o autor do estudo, o pesquisador Dillon Murphy, em entrevista ao Tilt.

A conta é simples: a reprodução 2x mais rápida do que a cena original leva metade do tempo para ser consumida. E, segundo os cientistas, os minutos economizados devem ser usados em outras tarefas úteis ao estudo.

"Nós advertimos para o uso desta estratégia somente para ganhar tempo. Estudantes podem potencializar o aprendizado se usarem esse tempo em atividades adicionais, como revisão da matéria ou simulados", diz Murphy.

A estratégia de estudo é colocada à prova há tempos por Luca Locatelli, de 28 anos. Economista, ele começou a aplicar a técnica quando decidiu fazer uma nova faculdade. Na época, viu a necessidade de rever conteúdos para o vestibular.

"Assisti à grande maioria [das videoaulas] em velocidade acelerada, é tranquilo de entender. E usei o tempo economizado para poder ver mais coisas [ligadas aos estudos]", afirma.

Como foi a pesquisa científica

Os pesquisadores dividiram 231 alunos da UCLA em quatro grupos e os colocaram para assistir a duas videoaulas, com até 15 minutos, exibidas em diferentes velocidades para cada turma.

A pesquisa foi conduzida com estudantes universitários de 18 anos ou mais. Ela também destaca fatores, como ritmo da fala, complexidade do assunto e artifícios audiovisuais, que podem influenciar no processo.

  • Grupo 1: Velocidade 1x
  • Grupo 2: Velocidade 1.5x
  • Grupo 3: Velocidade 2x
  • Grupo 4: Velocidade 2.5x

Em seguida, foram aplicados testes de compreensão com 20 perguntas para cada material.

Com os resultados, concluiu-se que: quem viu as aulas na velocidade dobrada ganhou tempo e, ainda assim, teve desempenho praticamente igual ao daqueles que assistiram na velocidade normal.

Em média, o grupo 1 acertou 26 de 40 respostas, enquanto os grupos 2 e 3 chegaram a 25.

A tarefa foi mais difícil para o grupo 4, que recebeu conteúdo 2,5 vezes mais rápido e alcançou 22 acertos.

"Houve diferença significativa na compreensão entre os grupos da velocidade 1x e 2.5x, indicando que o aprendizado pode ser prejudicado se excedida a velocidade 2x", afirma o autor do estudo.

Uma semana depois, os pesquisadores apresentaram novos testes para avaliar o impacto na retenção de informações. Em média, o grupo 1 teve 24 acertos, enquanto os grupos 2 e 3 marcaram 21. O grupo 4 acertou 20.

Dica para otimizar os estudos

De acordo com os cientistas, outros cenários foram testados. Assim, eles concluíram que uma tática eficiente para absorver conteúdos é usar a duração da aula para assisti-la duas vezes, com velocidade dobrada — claro, para quem se sente confortável em acompanhar materiais acelerados.

Para isso, dois grupos viram as mesmas videoaulas. Um deles, porém, assistiu na aceleração 2x. Uma semana depois, este segundo grupo reviu o conteúdo, no mesmo ritmo, e ambas as turmas responderam a um questionário.

Os mais velozes se saíram melhor, alcançando 24 de 40 respostas certas, em média, duas a mais que o grupo dos não apressados.

O destaque é que o tempo gasto pelos grupos foi exatamente o mesmo, mas um deles conseguiu melhores resultados ao assistir o vídeo de novo.

"Fiquei surpreso com a eficiência para aprender na velocidade 2x e até na 2.5x. Nossos resultados demonstraram que estudantes conseguem lembrar informações até em circunstâncias vistas popularmente como ruins ao aprendizado", diz Murphy.

Para Adriano Aparecido, professor de química do ensino médio, a prática de rever materiais faz parte do processo do ensino à distância, o que corrobora os resultados obtidos na pesquisa da universidade norte-americana.

"Acho difícil que um aluno acelere e consiga capturar todos os objetivos pensados para a aula assistindo uma vez só", ressalta Aparecido.

Muita aula, pouco tempo

Murilo Oliveira, de 17 anos, é estudante de sistemas da informação e adepto de consumir as aulas online no dobro da velocidade. "Já tentei (assistir) em 2.5x mas não me adaptei. Me perdia algumas vezes por ser muito rápido", diz.

O hábito começou durante o ensino médio. Ele afirma ter o costume de ver vídeos acelerados e que transferiu a técnica para o ambiente escolar.

"Eu economizava cerca de duas horas por dia, e isso me ajudava a distribuir o tempo entre outras tarefas", diz o universitário.

O uso do método serve para qualquer um, segundo a pesquisa. Mas a pessoa precisa avaliar o que faz sentido para ela.

"Se alguém tem pouco tempo antes de uma prova, assistir na velocidade 2x pode ser um atalho eficiente", afirma Murphy.

Assim como Oliveira, Locatelli também acelera a reprodução de materiais didáticos quando a lista de conteúdos é extensa. "A maioria dos vídeos dá para entender na velocidade 2x", diz.

Por outro lado, o professor Aparecido, que costuma gravar materiais audiovisuais para suas classes, ressalta que em alguns casos os alunos poderão perder alguma parte do conteúdo ao assisti-los de modo acelerado.

"O tempo de aula tem viés pedagógico, e o mesmo serve para a videoaula. Talvez, ao acelerá-la, o aluno tenha algumas perdas por não ser provocado e não ter um espaço de reflexão", explica.

"[Contudo] Na prática, muitos alunos nem assistem [às aulas]. Então, que eles assistam em velocidade acelerada é um lucro", completa o professor.

Excesso de carga horária

Para o neurocientista espanhol Francisco Mora, referência na área educacional, a discussão sobre a eficácia da estratégia de estudo deve ir além e levar em conta o tempo padrão usado nas aulas tradicionais — sejam presenciais ou por vídeo.

Para ele, a redução do tempo é a fórmula para os estudantes absorverem 100% do que é passado pelo professor.

"A atenção não pode ser mantida durante 50 minutos, por isso é preciso romper o formato atual das aulas. Mais vale assistir 50 aulas de 10 minutos do que 10 aulas de 50 minutos", disse Mora, em 2017, ao jornal espanhol El País.

Acelerar vídeos não é para todos

Embora a aceleração faça com que videoaulas às vezes pareçam uma corrida sem respiros, a ciência aponta que, dentro de alguns parâmetros, essa ajuda tecnológica pode, sim, trazer ganhos.

Contudo, a estratégia depende muito do perfil dos estudantes. Quem já tentou consumir materiais rápidos e não achou confortável, não precisa se sentir na obrigação de estudar com videoaulas aceleradas.

A percepção de "ganhar tempo" também deve ser levada em consideração com cautela até por quem já se acostumou com a técnica. Isso porque, segundo psicólogos, um uso inadequado do formato de estudo pode impactar a saúde física e mental.

Em entrevista dada recentemente ao VivaBem, editoria de saúde do UOL, Michelle Prazeres, idealizadora do Desacelera SP, destacou que recursos tecnológicos para esse propósito são sintomas de uma sociedade cada vez mais acelerada e marcada pela cultura da velocidade.

O psicólogo Kleber Marinho destacou que esse estilo de vida acelerado resulta em um estado de hipervigilância das pessoas. Isso pode potencializar quadros ansiosos e desenvolvimento de outros transtornos, como o TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), fobias e burnout (síndrome do esgotamento profissional).

"Tudo que é vivido em exagero, em ritmo frequente e cadência incessante promove desequilíbrio e causa adoecimento", afirmou.

*Com matéria de Isabella Abreu, colaboração para o VivaBem.