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Obra de arte NFT: por que algo que não é físico pode custar tão caro?

Getty Images/iStock
Imagem: Getty Images/iStock

Aurélio Araújo

Colaboração para Tilt, de São Paulo

13/02/2022 04h00Atualizada em 21/02/2022 08h26

Em essência, o NFT é um produto exclusivamente digital que possui registro de autenticidade. Discussões sobre a tecnologia que permite sua existência se tornaram bem populares, mas nos últimos meses o tema cresceu também no setor artístico e financeiro.

Até um museu dedicado ao tema foi inaugurado nos EUA. Mas ainda há muita desconfiança com relação a eles. Afinal, por que alguém pagaria por algo que não é físico e que pode ser usado por outras pessoas? Por que tem gente pagando milhões por obras de artes em NFT?

Bom, antes de mais nada é importante deixar claro o que é exatamente o NFT. A sigla refere-se a "token não fungível" (na tradução para o português). Simplificando, é uma espécie de "escritura" que atesta que um ativo digital pertence a pessoa que pagou por ele. Pode ser, por exemplo, um meme, um GIF, um vídeo, uma obra de arte. Até documentos científicos entraram na onda.

Milhões em arte: utilidade e valor subjetivo

Além do aspecto de ar de novidade, os NFTs têm chamado a atenção também pela quantidade de celebridades que passaram a investir neles com cifras significativas. Justin Bieber e Neymar, por exemplo, são alguns dos famosos que adquiriram NFTs de uma coleção de imagens artísticas de macacos pagando, respectivamente, cerca de R$ 7 milhões e R$ 6 milhões.

Aqui, cabe um parêntese: esses valores aproximados são conversões, não do dólar, mas do ether, uma das grandes criptomoedas do mundo, ao lado do bitcoin. As transações envolvendo NFTs são feitas usando moedas digitais porque são registradas no blockchain, sistema digital que funciona como um livro de registros contábil e virtual com criptografia integrada.

Para a avaliadora e consultora de mercado de arte Tamara Perlman, o interesse em comprar obras artísticas digitais funciona parecido com a de obras físicas. "O espanto [com alguém comprar uma obra de arte] é causado porque a maioria das pessoas não tem interesse em investir nisso. Mas não é diferente em outros segmentos da economia."

Fernanda Guardian, analista de criptomoedas da Levante Ideias de Investimentos, concorda: "a gente entra em uma questão até um pouco filosófica, porque o valor das coisas é subjetivo. Essa é a beleza do livre mercado, a gente pode pagar o valor que acredita ser válido."

Direito de ter exclusividade

A exclusividade da posse de um NFT atiça o interesse de quem pode pagar por isso, segundo Raquel Vieira, especialista em criptomoedas da Top Gain, startup de análises e educação financeira. "Quando a gente fala de NFTs, estamos falando de tokens que são únicos no mundo. Isso traz um viés de raridade. Por isso que eles se tornam mais caros", afirma.

Além disso, os preços podem sofrer influência de tendências de mercado, assim como funciona no mundo da arte. De acordo com Perlman, podemos tomar como exemplo o "Salvator Mundi", obra mais cara já arrematada em leilão na história da arte, por valor próximo a R$ 2,3 bilhões.

A pintura retrata Jesus segurando um orbe de cristal numa mão e fazendo o sinal da cruz com outra. Especula-se que seja um trabalho de Leonardo Da Vinci, mas não há confirmação disso.

"Por que uma obra que nem sabemos se é de Da Vinci vale tanto? Porque traz um simbolismo tão fundante da nossa cultura, que tem algumas pessoas com muito dinheiro querendo, e aí o preço sobe. Isso serve para qualquer segmento econômico", diz Perlman.

É exclusivo, mas outros podem replicar?

Apesar dos valores milionários fazerem barulho, existem NFTs mais baratos e acessíveis, cujo valor, se convertido, estaria na casa das centenas de reais. É preciso pesquisar — e garantir a compra em plataformas seguras para não cair em golpes.

Contudo, seja barato ou caro, ainda existe a questão de que certos arquivos digitais em NFT podem simplesmente serem replicados com o compartilhamento de prints de tela, por exemplo, como um meme.

Sobre isso, Guardian afirma que isso pode não ter impacto negativo sobre as pessoas que compraram o determinado ativo digital e se sentem legítimas proprietárias. O fato de esse arquivo ter uma autenticidade faz com que as pessoas coloquem valor subjetivo naquilo, muito mais do que se alguém mandasse um print daquele arquivo.

Novamente, cabe a comparação com o mercado de arte. Todos nós conhecemos "La Gioconda", ou a "Mona Lisa", o famoso quadro de Da Vinci que está exposto no Museu do Louvre em Paris. "Você nem precisa ter ido lá, dá para comprar um pôster com a imagem. Mas de quem é essa obra? Pertence ao governo francês", explica Perlman. Ou seja, não é o fato de uma obra ser reproduzível que impede que ela tenha um proprietário.

NFT também pode ser experiência

Obras de arte em NFT podem não envolver exclusivamente algo digital. As imagens de macacos adquiridas por Bieber e Neymar, por exemplo, pertencem a uma coleção chamada "Bored Ape Yacht Club" (em tradução livre, "clube de iate do macaco entediado"), cujos donos têm acesso a um clube exclusivo, com encontros em camarotes esportivos e festas em iates. Está atrelado ao preço, portanto, o valor dessas experiências.

NFT como investimento

Além das celebridades, há pessoas que investem nos tokens pensando em revendê-los mais à frente, com o otimismo de que o estranhamento desse mercado novo passe no futuro. Em geral, são investidores que podem assumir um risco considerável.

"A gente acredita no futuro [desse mercado], mas tudo que é novo", afirma Vieira.

"Eu não recomendo para um investidor que tenha um perfil mais conservador e moderado, é algo que não tem a prova do tempo, como até o bitcoin já tem", completa Guardian.

Arte consagradas em NFTs

Na onda dos NFTs, obras de artes consagradas já estão no radar de empresas. Em 2021, a Hurst Capital, uma plataforma de investimentos em ativos alternativos, adquiriu obras de Di Cavalcanti, grande pintor modernista brasileiro, e criou NFTs desse acervo para vender a múltiplos investidores. Assim, com um investimento de R$ 10 mil, uma pessoa poderia ser coproprietária de obras que valeriam milhões de reais na versão física.

Como NFTs, elas não estariam penduradas em sua sala — mas será que, só por estarem lá, elas valeriam mais? Se a intenção for apenas usá-las como decoração, pode-se comprar uma réplica. Mas, talvez, para algumas pessoas, ser dono de uma réplica não tem a mesma graça de ser dono da obra verdadeira, explica Augusto Cezar Salgado, chefe de investimentos em arte da empresa.

Ele diz ainda que os investidores que adquirem esses NFTs passam a ter acesso a eventos como exposições e conversas com artistas e curadores, o que também pode animar amantes de arte a colocar seu dinheiro no negócio.

Impacto ambiental

Mas nem todo mundo pensa no mercado de NFTs por uma perspectiva positiva. O grande consumo de energia elétrica que é demandado pelas transações na criptomoeda ethereum faz com que esse mercado tenha um impacto ruim no meio ambiente.

O holandês Alex de Vries, fundador do Digiconomist, site voltado à economia digital, explica que essa criptomoeda, assim como o bitcoin, trabalha com a tecnologia de mineração digital conhecida como "proof of work" (em português, "prova de trabalho"), por vezes reconhecida pela sigla PoW.

O processo exige que muita energia elétrica seja gasta, porque as máquinas envolvidas precisam estar trabalhando a todo o momento para conseguir fazer novos registros no blockchain. Nas estimativas de De Vries, a rede de ethereum consome energia elétrica equivalente a todo o consumo da Holanda, com uma pegada de carbono comparável a de um país como Cingapura.

Uma única transação em ethereum (na compra de um NFT, por exemplo), consumiria assim 265,36 kWh, o equivalente ao consumo médio de eletricidade de toda uma casa nos Estados Unidos, ao longo de quase nove dias.

"Não é só o NFT, é tudo que é feito nessa plataforma. Mas, no caso do NFT, estamos falando de algo que é menos que uma imagem digital. Não é nem a imagem o que está posto no blockchain, é apenas uma referência a essa imagem", diz De Vries, indicando que não compensa comprometer o meio ambiente a esse ponto apenas para ter um arquivo digital.

É possível evitar o impacto na natureza?

Segundo o especialista, sim, já que existem "alternativas verdes" ao ethereum que utilizam a tecnologia "proof of stake" (PoS), que não exige que as máquinas trabalhem constantemente para adicionar novos registros ao blockchain.

"Uma base PoS exige cerca de 10 mil vezes menos energia elétrica do que uma base PoW. Essas bases já existem, e se você quer criar NFTs, você pode escolher levá-los a uma alternativa mais verde. É um problema facilmente resolvido [mas precisa de pessoas interessadas em fazê-la].