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Como cartel mexicano usava Facebook para recrutar assassinos de aluguel

Cartel mexicano CJNG (Cartel Jalisco Nueva Generación) - Reprodução
Cartel mexicano CJNG (Cartel Jalisco Nueva Generación) Imagem: Reprodução

Guilherme Tagiaroli

De Tilt, em São Paulo

17/02/2022 04h00Atualizada em 17/02/2022 14h25

"Não tem emprego? Não precisa ter experiência. Nós oferecemos treinamento e você começa a ganhar amanhã". Apesar da pinta de anúncio do LinkedIn, a frase é uma das postagens de emprego compartilhadas no Facebook pelo CJNG, Cartel de Jalisco Nova Geração, uma das maiores organizações criminosas do México.

A rede social era uma das ferramentas usadas pelo grupo para recrutar assassinos e vendedores de drogas no México, segundo observou uma equipe de segurança do Facebook, que tentava descobrir como organizações criminosas atuavam por meio de suas plataformas — além da rede social, o Messenger e o WhatsApp.

Os detalhes da investigação estão nos Facebook Papers, conjunto de documentos sobre a rede social, vazados pela ex-funcionária da empresa Frances Haugen, os quais Tilt teve acesso.

"Indivíduos pertencentes a esta rede [de criminosos] estavam abertamente recrutando pessoas, incluindo menores e mulheres, para serem sicários [assassinos de aluguel] para o cartel", informa o documento.

Como resultado dessa investigação de grupos criminosos, diz o relatório, o Facebook derrubou 427 'ativos' relacionados ao cartel no segundo semestre de 2020.

À Tilt, a Meta (grupo dono do Facebook) afirmou que "não permite a presença de organizações criminosas" e remove "elogios e demonstrações de apoio" a esses grupos, quando toma conhecimento da existência deles.

Em reportagem de setembro de 2021, o The Wall Street Journal mostrou, no entanto, que apesar da equipe de segurança do Facebook ter achado a rede, as páginas não foram removidas imediatamente e ainda havia páginas ativamente promovendo o cartel mesmo após a descoberta.

Ainda a Tilt, a gigante das redes sociais afirmou que não comenta todas as ações que toma contra grupos criminosos e que trabalha com "especialistas globais" na investigação dessas organizações. Como resultado desse trabalho, passou a designar os cartéis mexicanos como organizações criminosas, removendo perfis, páginas, grupos e contas do Instagram vinculados a eles.

Modus operandi

O CJNG é considerado um dos cartéis mais violentos do México, cujas operações se concentram em sequestros, assassinatos de inimigos e agentes públicos e o tráfico de drogas para os Estados Unidos.

Apesar da forte atuação na América do Norte, a Polícia Federal do Brasil já detectou a presença de membros da organização em território nacional em 2020.

No relatório interno, a equipe de segurança do Facebook informa que "os recrutadores criavam grupos em nome do CJNG com o único propósito de achar potenciais candidatos".

De modo geral, os alvos dos criminosos eram:

  • homens e mulheres com idade entre 14 e 20 anos;
  • pessoas com baixas condições econômicas e sociais;
  • pessoas que seguiam páginas e grupos que idolatram o estilo de vida dos narcotraficantes.

O sistema para atrair pessoas era tão complexo que o documento descreve a existência de um esquema paralelo de recrutamento.

Algumas pessoas se candidatavam para auxiliar na busca de potenciais "funcionários" — praticamente, um head hunter, pessoa responsável por indicar pessoas "mais apropriadas" para as posições.

Uma vez que os interessados respondiam às postagens, os recrutadores faziam contato direto via Facebook Messenger ou WhatsApp.

Nessa interação, havia a coordenação do recrutamento. Muitas vezes, eram marcados encontros em lugares públicos e passagens eram enviadas para quem fosse direcionado para centros de treinamento.

Chegando no local, alguns candidatos eram forçados pelo cartel a trabalharem sem pagamento sob ameaça de assassinar a família deles, diz o relatório, citando relatos jornalísticos feitos pela mídia mexicana. Quem arriscasse deixar o centro de treinamento poderia ser espancado ou morto pela organização criminosa.

Apesar das descobertas, a equipe de segurança do Facebook relata "desafios" para investigações. O principal deles tem relação com criptografia.

Além de citar o uso do WhatsApp para os "arranjos finais" do recrutamento, o relatório diz que a disponibilidade de criptografia de ponta a ponta no Messenger e mesmo em mensagens no Instagram "podem afetar nossa visibilidade nos estágios de coordenação e exploração".

Vale lembrar que quando há criptografia de ponta a ponta, não é possível interceptar uma conversa, pois o conteúdo só é "decodificado" em uma das pontas da conversa.

Para combater criminosos que abusam da plataforma, a Meta diz investir em inteligência artificial. Além disso, quando há risco iminente de perigo, a companhia diz que compartilha informações com as autoridades do país.

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As informações foram tiradas de documentos revelados à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês) e fornecidas ao Congresso dos Estados Unidos de forma editada pela assessoria legal de Frances Haugen. Desde então, um consórcio de veículos de notícias analisa o material. No Brasil, o Núcleo Jornalismo teve acesso aos documentos e fez uma parceria com Tilt para que as informações fossem compartilhadas.