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Muito além do espaço: entenda a vida e a 'morte' dos satélites artificiais

Satélite artificial com o planeta Terra ao fundo - Getty Images
Satélite artificial com o planeta Terra ao fundo Imagem: Getty Images

Simone Machado

Colaboração para Tilt, em São José do Rio Preto (SP)

07/03/2022 04h00Atualizada em 07/03/2022 21h54

Você já teve dúvidas sobre como o sinal de internet e da TV chegam até a nossa casa? Ou o que é preciso para que o celular funcione em praticamente todos os cantos do país? A realidade é que tudo isso, e muito mais, só é possível graças a uma grande ajuda vinda dos céus, ou melhor, do espaço: os satélites artificiais. A tecnologia tem esse nome, pois é produzida por humanos (um exemplo de satélite natural é a Lua).

Os equipamentos vivem na órbita terrestre para garantir que diversos serviços funcionem, como os de comunicação, meteorológicos, de sensoriamento remoto e astronômicos —como os telescópios Hubble e James Webb)—, explica Roberto Dias da Costa, professor do departamento de astronomia da USP (Universidade de São Paulo.

"[Existem ainda] satélites específicos para monitoramento dos oceanos e queimadas, de posicionamento [como os da rede GPS] e para aplicações militares, os chamados 'espiões', que fazem imagens de países diferentes procurando instalações militares ou estratégicas", completa. Um exemplo do último caso são os satélites privados usados para registrar o avanço das tropas russas na Ucrânia.

Todo satélite lançado tem um número de identificação internacional. Desde o lançamento do primeiro satélite, em 1957, já são 12.166 satélites úteis lançados, dos quais 8.358 ainda estão em órbita. Desses, 5.319 ainda em atividade operacional.

Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC), lançado pela Telebras em 2017 - Reprodução/Thales Alenia Space - Reprodução/Thales Alenia Space
Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC), lançado pela Telebras em 2017
Imagem: Reprodução/Thales Alenia Space

A complexidade de um satélite

O processo de desenvolvimento, construção e lançamento de um satélite artificial até a sua morte é bem complexo, pois envolve o trabalho minucioso de dezenas de pessoas.

O "nascimento" de um satélite artificial acontece em solo terrestre e os cálculos para enviá-lo para fora da Terra e mantê-lo em funcionamento precisam ser precisos. Afinal, esses equipamentos de toneladas passarão a maior parte de sua vida útil a distâncias entre 180 km do solo e 36 mil km, o equivalente a quase 10% do caminho da Terra à Lua.

Por isso especialistas em física, matemática, engenharia e computação são apenas algumas das áreas envolvidas. E vários desses instrumentos podem ocupar a mesma área no espaço — chamada colocalização compartilhada.

E do que é feito um satélite?

O tempo de montagem e os equipamentos que o compõem variam conforme a sua função. Mas todos eles são equipados com painéis solares, responsáveis pela geração de energia. Os satélites também possuem baterias recarregáveis que armazenam a energia solar, explicam os entrevistados consultados por Tilt.

"Os materiais mais presentes no corpo do satélite são alumínio, fibra de carbono, grafite e titânio", afirma a astrônoma Erika Rossetto, mestre em astronomia pelo Observatório do Valongo, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

A especialista, líder do time de dinâmica orbital da Embratel, acrescenta que um satélite é basicamente dividido em:

  • um corpo principal, feito usualmente de fibra de carbono;
  • antenas para comunicação;
  • jatos propulsores, que serão utilizados para certas manobras;
  • células solares que captam energia do Sol;
  • tanques de combustível que podem ser químicos, como a hidrazina, ou iônico como o gás xenônio.

"Dependendo do tipo do satélite, há diversos equipamentos embarcados, que compõem seus sistemas. Por exemplo, há equipamentos para transmissão e decodificação de sinal, computador de bordo, giroscópios, sensores para orientação espacial", completa a astrônoma.

Ilustração de 2019 mostra satélite brasileiro Cbers, construído para monitoramento de desmatamento, na órbita da Terra - Divulgação/Inpe - Divulgação/Inpe
Ilustração de 2019 mostra satélite brasileiro Cbers, construído para monitoramento de desmatamento, na órbita da Terra
Imagem: Divulgação/Inpe

Tipos de satélites

Os satélites são divididos em três categorias: os geoestacionários (GEO), os de baixa órbita (LEO) e de média órbita (MEO). Quanto mais alto está o satélite, maior sua cobertura terrestre.

O primeiro envolve tecnologias que ficam "paradas" acompanhando apenas o movimento de rotação da Terra. Eles ficam a 36.000 de altitude (os mais distantes da Terra).

Os satélites LEO ficam localizados a cerca de 2.000 km de altitude e são necessários ao menos 40 deles para que haja uma cobertura global suficiente. Eles são muito usados em serviços de internet de banda larga, que exigem uma taxa de resposta imediata.

Já no caso dos satélites MEO (entre 5.000 e 20.000 km de altitude) são necessários oito deles para cobrir o globo terrestre. Eles são os que levam os serviços de telefonia móvel a áreas remotas, como ilhas, navios de cruzeiros e aviões.

Se por um lado, uma maior altitude garante uma cobertura mais ampla, essa distância faz com que o tempo em que as informações demorem para chegar até o destino seja mais alto.

É por isso que muitas vezes nos deparamos com aquele "delay" durante a transmissão de programas ao vivo na televisão. Isso ocorre porque o sinal da televisão é enviado por um satélite geoestacionário — mais distante.

Por outro lado, os satélites de baixa órbita (LEO) são mais rápidos na resposta, por isso são os mais usados em serviços de internet de banda larga, que exigem uma taxa de resposta imediata.

"Até pouco tempo, a órbita mais baixa era quase totalmente utilizada para fins científicos, militares e para geoposicionamento. Por exemplo, há nessa região os satélites brasileiros que fazem monitoramento de desmatamento, previsões climáticas e outros. Recentemente, houve um aumento considerável de utilização desse regime orbital para serviços de conectividade com o advento de grandes constelações [como as da Starlink, de Elon Musk]", explica Rossetto.

Imagens de satélite mostram avanço da Rússia contra Ucrânia

Como um satélite é enviado?

Há diversas bases de lançamento de satélites artificiais espalhadas pelo mundo. Elas ficam em locais estratégicos como Cabo Canaveral (Estados Unidos), Kourou (Guiana Francesa), e Baikonur (Cazaquistão).

Para a decolagem do satélite, os motores do foguete onde eles são acoplados geram mais de 1,2 mil toneladas de propulsão e, conforme ele vai subindo, algumas partes vão se desprendendo, até que o satélite é liberado por completo quando chega ao espaço.

Satélite militar é lançado no Irã em 2020 - Reuters - Reuters
Satélite militar é lançado no Irã em 2020
Imagem: Reuters

Quando o equipamento chega em sua posição orbital desejada e planejada, os Centros de Controle de Satélites (SOC, na sigla em inglês) responsáveis pelos comandos e monitoramentos dos equipamentos passam a enviar sinais para que os painéis solares do satélite se abram. São eles que vão gerar energia e permitir que os equipamentos funcionem corretamente.

Para que não haja problemas no fornecimento dos sinais, caso um satélite pare de funcionar, por exemplo, vários equipamentos se posicionam juntos em uma mesma área, chamada Posição Orbital. Dessa maneira, se um deles apresentar um problema, outro é colocado no lugar.

Manter satélites alinhados em relação à rotação da Terra é muito importante também para não prejudicar o funcionamento dos sinais emitidos para cá. Para se ter uma ideia, cada 0,1 grau de erro significa 70 quilômetros de movimento com relação à Terra.

Quanto custa?

O custo de um equipamento pode chegar a bilhões de dólares e varia conforme o seu tamanho e tecnologias.

Para se ter uma ideia de custos de envio ao espaço e construção, o telescópio James Webb, lançado no último dia 25 de dezembro, chegou a cerca de 10 bilhões de dólares.

"Por outro lado, os microsatélites, que são menores que uma caixa de sapato, têm custo muito baixo, da ordem das centenas de milhares de dólares", explica Costa.

Quanto tempo eles vivem?

Normalmente, um satélite artificial tem vida útil de 15 a 20 anos, após esse período ele se torna ultrapassado e seu uso é dispensado. Porém, esse equipamento não pode ficar em órbita, já que assim estaria ocupando o espaço de um novo satélite ou até mesmo colidir com outros equipamentos.

É nesse momento que entra um novo trabalho: o de levar esse satélite "morto" até uma órbita mais alta, onde fica o "cemitério de satélites" — criado em 2002 pela União Internacional de Telecomunicações.

Segundo um estudo divulgado pela ESA (Agência Espacial Europeia), há 750 mil partículas de lixo espacial em órbita —de objetos de 1 cm a satélites inteiros.

"O tempo que um satélite fica em órbita depois do final de sua vida útil varia muito. Alguns caem em poucos anos, outros, os de órbita mais alta, levam muitas décadas para cair. Tem pedaços de satélites e de foguetes lançados nos anos 70 que continuam em órbita", afirma o professor da USP.

Os satélites das órbitas LEO e MEO não são direcionados para o "cemitério de satélites". Esses, quando não estiverem mais funcionando, são programados para retornarem à atmosfera terrestre. O plano é que, ao mergulharem em nossa atmosfera, eles sejam incinerados devido ao atrito com a atmosfera, completa Erika Rossetto.

*Com informações de matéria de André Carvalho, publicada em 3 de outubro de 2017.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Imagem de abertura era de um módulo de carga Soyuz, e não de um satélite artificial. A foto inicial foi alterada.