Como a tecnologia permitiu encontrar barco naufragado há 107 anos
Após décadas de buscas e mistério, o lendário barco Endurance, do explorador anglo-irlandês Ernest Shackleton, foi encontrado no Mar de Weddell, na Antártica. A missão envolveu muitos desafios e tecnologias de ponta, em uma das áreas mais extremas do planeta.
A descoberta foi anunciada nesta semana, 107 anos depois de um dos naufrágios mais famosos da história. Imagens impressionantes mostram o barco de madeira surpreendentemente preservado, mesmo submerso por mais de um século.
Veja o primeiro vídeo:
Peças como o timão e as inscrições de popa, com o nome do navio e sua emblemática estrela de cinco pontas (o nome anterior do barco era Polaris), permanecem intactas. Os danos mais visíveis estão no convés e na lateral estibordo.
Também é possível ver os novos tripulantes do barco: curiosas criaturas das profundezas dos mares, como anêmonas, ascídias, estrelas e lírios do mar, que se apoiaram na estrutura para desenvolver suas colônias.
A chave para a preservação está nas condições do local: nas águas mais geladas da Terra, não há proliferação de organismos capazes de decompor a madeira. Além disso, é um ponto muito profundo e protegido contra correntes marítimas, que poderiam despedaçar a estrutura.
Mas o grande trunfo para encontrá-lo foi a tecnologia. A expedição Endurance22 foi a primeira a utilizar drones submarinos SAAB Sabertooth no local. Eles combinam características de um ROV (veículo remotamente operado), que é sempre conectado à superfície, e de um AUV (veículo submarino autônomo), que consegue operar sem a conexão, com baterias.
Outro desafio era a profundidade: o barco foi encontrado 3.008 metros abaixo da superfície, cerca de 4 milhas náuticas (7,5km) ao sul da localização reportada no diário do capitão. Apenas os pequenos submarinos não-tripulados conseguiram chegar perto o suficiente dele, por baixo do gelo.
Os Sabertooths eram lançados pelo navio quebra-gelo SA Agulhas II, e conseguiam percorrer até 100 milhas (185km), retornando com fotos, vídeos e dados de pesquisa. Ou seja, mesmo com condições difíceis no mar, com muitos icebergs, era possível realizar as buscas.
E foi rápido: organizada pela Falklands Maritime Heritage Trust, a missão de busca partiu da África do Sul há pouco mais de um mês, no dia 5 de fevereiro.
Como o navio afundou?
O Endurance era uma escuna de madeira de 44 metros de comprimento, com três mastros, construída na Noruega em 1912, para a Expedição Transantártica Imperial (1914 - 1917). O objetivo de Shackleton era ambicioso: ser o primeiro a atravessar a Antártica de ponta a ponta e estabelecer uma base na costa do Mar de Wedell. Um percurso de 2900km. Mas seu avanço foi impedido pelo gelo.
Em 18 de janeiro de 1915, o Endurance encalhou, foi esmagado por blocos de gelo e afundou muito lentamente, durante sua primeira viagem ao polo sul do planeta. Toda a tripulação sobreviveu. E o capitão Frank Worsley anotou em seu diário todos os detalhes da localização, que mediu usando um sextante. Assim, foi possível concentrar os esforços de busca nos arredores do naufrágio.
Ele partiu da Geórgia do Sul em 5 de dezembro de 1914, com 27 homens (mais um clandestino), 69 cachorros (para puxar trenós) e um gato, chamado Mrs Chippy. Dos animais, apenas quatro cães sobreviveram ao que se sucedeu.
A tripulação passou mais de um ano em um lugar inóspito, acampando e se alimentando de peixes, focas e pinguins. Em abril de 1916, se juntaram em três precários botes e se lançaram ao mar, chegando na também extrema Ilha Elefante. De lá, Shackleton e mais cinco homens foram até a Geórgia do Sul, onde finalmente encontraram ajuda para o resgate.
Em 30 de agosto de 1916, a saga chegou ao fim. Mas deixou um legado de resiliência e heroísmo, que serviu de inspiração para diversos exploradores da vida real e da ficção.
Poucos anos depois, em 1921, Ernest Shackleton teve uma morte precoce, de infarto, aos 47 anos. A descoberta do Endurance foi como um presente no centenário de seu funeral. Não há planos para retirar os destroços - um verdadeiro monumento histórico - do mar.
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