Por que satélites do tamanho de caixas de sapato atraem startups
Não era nada simples — tampouco barato — construir um satélite no século 20. Mas os professores Jordi Puig-Suari e Bob Twiggs, da Universidade Politécnica Estadual da Califórnia e da Universidade de Stanford, nos EUA, deram um jeito: criaram, em 1999, uma pequena peça para que seus alunos pudessem ter algum contato com a tecnologia. Mal imaginavam que a ideia estaria, algumas décadas depois, espalhada pela órbita da Terra.
Com construção prática e lançamento mais econômicos do que os satélites convencionais, as miniaturas conhecidas como CubeSats agora têm aplicações que vão muito além das universidades — de monitoramento geológico até "publicidade orbital". Eles fazem parte da categoria dos nanossatélites, com massa de 1 kg a 10 kg.
De acordo com a Nanosats Database, maior banco de dados desse tipo de equipamento, nada menos do que 1.802 nanossatélites foram lançados até janeiro de 2022 — oito do Brasil —, dos quais 1.663 mil eram CubeSats.
Por que startups estão de olho
Um CubeSat — abreviação das palavras em inglês "cube" (cubo) e "sat" (satélite) —, como o nome diz, é um satélite de pequeno porte, com aspecto de caixa. Seus diferenciais são a estrutura simplificada e custo reduzido: enquanto para o lançamento de um satélite convencional são gastos dezenas de milhões de dólares, estima-se que o lançamento da tecnologia em cubo seja em torno de US$ 50 mil (R$ 255 mil).
Embora os CubeSats não forneçam imagens com a qualidade sofisticada de um grande satélite, eles oferecem uma cobertura muito maior, tirando mais fotos de mais lugares dentro de um determinado período de tempo. Por isso, podem ser úteis para monitorar transformações do planeta, quase em tempo real.
Por conta dessas características, a tecnologia rapidamente atraiu setores para além de agências espaciais. É o caso da Planet Labs, fundada em estilo startup no Vale do Silício, em 2010.
Considerada uma das principais líderes comerciais no mundo dos CubeSats, a empresa tem uma constelação de mais de 140 deles, que monitoram a Terra diariamente.
Em novembro de 2021, por exemplo, dados fornecidos pelos CubeSats da empresa e de outras fontes ajudaram a agência digital para o meio ambiente Earthrise Media a descobrir mais de 30 campos de "reeducação" de muçulmanos na província chinesa de Xinjiang.
Os pequenos cubos foram cruciais para desmascarar centros de detenção que perpetuavam violações aos direitos humanos há anos na região.
Não só: os nanossatélites também podem ajudar ONGs (Organizações Não Governamentais) a rastrear crises humanitárias ou auxiliar cientistas no monitoramento dos efeitos das mudanças climáticas.
Empresas de commodities podem ainda inferir informações sobre rendimentos agrícolas e produtividade de usinas de energia — antecipando relatórios de departamentos de agricultura.
Conter o desmatamento
O governo da Noruega firmou uma parceria com a Planet, para combater o desmatamento com ajuda de dados de rastreamento do corte de árvores em florestas de 64 países tropicais. A Noruega, então, pode decidir pelo envio ou não de fundo para essas nações.
Há ainda outras empresas por trás destes cubos vigilantes: de acordo com a Nanosats Database, eram 517 companhias focadas em nanossatélites até 2021, com um boom de lançamentos entre 2016 e 2018 (162 delas, ou 31%, foram fundadas nesse período).
Os CubeSats também podem levar publicidade, literalmente, para o céu. Na Rússia, a StartRocket deve lançar um aglomerado deles para atuar como um "outdoor orbital", projetando enormes anúncios no céu noturno. Poderá ser uma revolução no mercado das comunicações, segundo os entusiastas.
O no Brasil?
Os Estados Unidos são, de longe, o principal líder no setor de CubeSats: até maio de 2018, o país foi responsável por aproximadamente 80% dos artefatos lançados na órbita da Terra, segundo o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
O Brasil lançou seu primeiro ClubeSat apenas em 2013. Chamado de NanosatC-Br1, ele ainda está em operação e tem entre seus objetivos monitorar a magnetosfera (região formada pelas interações entre o campo magnético terrestre e os ventos solares) sobre o país, a fim de estudar fenômenos como a Anomalia Magnética do Atlântico Sul.
O lançamento fez parte do Programa NanosatC-BR - Desenvolvimento de ClubeSats, executado no âmbito do Convênio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), por meio de sua subunidade Centro Regional Sul de Pesquisas Espaciais (CRS) com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Outros cubos já foram lançados pelo programa. Mas o país ainda engatinha no mercado empresarial dessa tecnologia. Segundo relatório da CGEE, "os investidores ainda não despertaram para o grande potencial pertinente ao uso de satélites de pequeno porte, seja relacionado ao desenvolvimento de hardware, seja à utilização das aplicações proporcionadas por esses artefatos".
E qual é o limite de dados do espaço?
O uso de tecnologia espacial pode trazer uma série de melhorias. Contudo, existem discussões sobre os limites e poder de empresas privadas sobre os dados gerados por esses equipamentos no espaço — uma zona pública e global. Ainda não há uma resposta tão concreta por parte dos órgãos que balizam a exploração espacial.
A Planet, por exemplo, diz ter seu próprio processo interno de revisão sobre com quais clientes trabalha e o tipo de imagem que será fornecida — algumas informações estão fora dos limites de venda, por exemplo, imagens de uma base militar dos EUA, que poderiam ser usadas por inimigos.
Em outros casos, mesmo dentro do escopo, existe o risco de vazamento de dados e até mesmo a venda para investidores.
Nos EUA, o Departamento de Comércio é responsável por supervisionar as atividades espaciais privadas com CubeSats. A expectativa é que, à medida que o uso desses dispositivos cresça mundo afora, mais legislações em torno de seu uso sejam elaboradas.
*Com agências internacionais
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