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Por que não será tão simples derrubar o Telegram, mesmo com ordem do STF

Derrubada do Telegram de maneira impensada pode afetar internet no Brasil - Dado Ruvic/Reuters
Derrubada do Telegram de maneira impensada pode afetar internet no Brasil Imagem: Dado Ruvic/Reuters

Gabriel Daros

De Tilt, São Paulo

19/03/2022 11h57

O serviço de mensagens Telegram está com os minutos contados. O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, emitiu uma ordem a provedores de internet e plataformas digitais que bloqueiem o download e o funcionamento do aplicativo.

A decisão vai ao encontro do pedido da Polícia Federal, que pediu a derrubada do aplicativo após seu fundador, Pavel Durov, não colaborar com as investigações contra o blogueiro Allan dos Santos, do canal Terça-Feira Livre — que desobedeceu restrições judiciais do uso da plataforma. Segundo o ministro, a decisão representa "total desprezo à Justiça brasileira".

Mas, apesar da determinação do judiciário — e das justificativas do fundador do app, que pediu tempo para reavaliar a posição —, deve demorar para que o Telegram saia do ar.

Por que ainda não caiu?

Após os descumprimentos aos termos, a ordem da Justiça exige que Apple e Google insiram bloqueios tecnológicos em seus sistemas operacionais (iOS e Android, respectivamente) para que o mensageiro não funcione.

A restrição também é aplicável para operadoras telefônicas, provedores de internet e servidores no Brasil.

Se tocada adiante, a derrubada não ocorrerá de imediato, porque depende do tempo para colocar estas restrições em prática —as conexões realizadas pelo aplicativo não são iguais as de um site.

"A plataforma do Telegram não tem um endereço de IP apenas, que a operadora vai lá e bloqueia, como geralmente ocorre no bloqueios a sites", explica Hiago Kin, presidente da Associação Brasileira de Segurança Cibernética (Abraseci).

Em entrevista à Tilt, o especialista afirma que o conjunto de redes de IPs e serviços estritamente utilizados na plataforma podem ser mudados a todo momento — fator que, inclusive, dificultou o bloqueio total do mensageiro em casos similares, como na Rússia, em 2018.

No entanto, a decisão não é tão simples como virar uma chave. A derrubada de todos os IPs também pode representar, em efeito imediato, uma própria instabilidade em toda a internet no território nacional.

"A depender da velocidade de troca e reutilização de IPs dinâmicos pelo Telegram, isso pode ser catastrófico. Imagine que toda vez que você reinicia seu modem, sua operadora te fornece um endereço de IP novo. Agora, se este endereço de IP estiver bloqueado, você fica sem internet," explica Kin.

Para que isso aconteça, basta que o Telegram se proponha a inundar a internet com várias trocas de endereços de IP para seus serviços, em estratégia de defesa. Como resultado, diversas pessoas e serviços que nada tem a ver com o assunto poderiam ser bloqueados no lugar, uma vez que estes IPs mudam regularmente.

Caminho é o mesmo para operadoras

O mesmo procedimento de bloqueios de IPs deve ocorrer por parte das operadoras. Após contato de Tilt, a Conexis Brasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel, Celular e Pessoal), declarou que "as empresas de telecomunicações associadas à Conexis Brasil Digital cumprem as decisões judiciais."

Eduardo Neger, presidente da Abranet (Associação Brasileira de Internet), explicou o método de bloqueio para rede móvel é muito similar ao da rede fixa. "Falando apenas do ponto de vista técnico, esse bloqueio é basicamente o bloqueio do bloco dos endereços IP utilizados pela aplicação."

Entretanto, até a decisão ser repassada para as operadoras, não é possível determinar com certeza como as operadoras realizarão isso:

"Podem existir outros fatores. É preciso analisar tecnicamente como a aplicação funciona", pontua. "A aplicação poderia variar seus endereços IP ou o usuário poderia usar uma VPN. Por isso requer uma análise mais técnica."

"Existem várias formas de se bloquear, mas todas desembocam no bloqueio dos IPs, que são os identificadores finais dos ativos. Todas as alternativas são intermediárias, ou seja: agrupam IPs, agrupam fornecedores de IP, e agrupam fornecedores de servidores de DNS", completa Kin.

Google e Apple podem barrar o app?

A Google Play Store, do Android, e a App Store, dos iPhones, foram obrigadas pela Justiça a banir o Telegram das lojas de app, de modo que ninguém mais conseguiria baixá-lo por essas vias.

Foi o que aconteceu no Brasil em 2014, quando o polêmico app Secret foi banido da App Store e do Google Play em meio a denúncias de que estava sendo usado para ciberbullying. A empresa não tinha representação no Brasil.

"A inclusão das lojas na dinâmica do bloqueio também é complicada, não apenas por trazer para a discussão outras empresas, como também por não impedir que as pessoas que já baixaram o app continuem a usar", diz Souza.

Uma vez baixado no seu celular, o Telegram não vai ser apagado —o código-fonte está ali. O que pode acontecer é que novas atualizações impeçam ele de funcionar.