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De biopesticida a creme facial: como a nanopartícula revoluciona o mercado

Cientistas brasileiros usam nanotecnologia para desenvolver pesticida natural  - Divulgação/Cortesia
Cientistas brasileiros usam nanotecnologia para desenvolver pesticida natural Imagem: Divulgação/Cortesia

Rosália Vasconcelos

Colaboração para Tilt, do Recife

31/03/2022 04h00

A nanotecnologia, que envolve estudos com partículas de um milionésimo de milímetro, tem uma vasta gama de aplicações práticas. Ela é capaz de alterar a estrutura de materiais, potencializar os efeitos das substâncias e aumentar a qualidade dos produtos. E, há pelo menos duas décadas, o mercado e a pesquisa acadêmica vem explorando essas novas possibilidades.

"Existem diferentes formas de utilizar a nanotecnologia na lavoura", exemplifica o professor de química Leonardo Fraceto, que lidera uma pesquisa nesse segmento há 15 anos na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

"Ela pode atuar no controle de pragas, no monitoramento das condições do campo, na fabricação de fertilizantes absorvidos pelas plantas de maneira mais eficiente ou no desenvolvimento de sensores para detectar uma plantação com infestação", afirma.

Uma de suas pesquisas mais promissoras, e que em breve pode ser comercializada, é um pesticida natural que não agride o meio ambiente.

Fraceto e sua equipe identificaram compostos da natureza capazes de atuar como pesticidas e encapsularam essas moléculas em uma nanopartícula. Assim, é possível ter maior controle sobre a liberação do produto no meio ambiente.

"Para evitar a infestação de praga numa plantação de tomate, por exemplo, o pesticida precisa ser passado dia sim, dia não. Com o nanobiopesticida que desenvolvemos, a pulverização será feita em intervalos mais longos, dependendo das condições de campo", afirma.

Segundo o pesquisador, é difícil definir um período de tempo exato para sua aplicação, porque depende de vários fatores. Por exemplo: em dias mais quentes, a taxa de liberação é mais rápida. "Mas o produto consegue ser eficiente por muitos dias, então não precisa de aplicação a cada 48 horas, que é o usual", afirma.

Além de gerar economia, a duração ampliada também reduz a exposição do trabalhador à substância e diminui os resíduos dessas moléculas nos alimentos.

Potencializando produtos antioxidantes

Pesquisador Adley Lima desenvolve antioxidante com ácido ferúlico - Cícero da AGIR UFRN/Cortesia - Cícero da AGIR UFRN/Cortesia
Imagem: Cícero da AGIR UFRN/Cortesia

A nanotecnologia também tem sido explorada na área cosmética. Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o pesquisador Adley Lima microencapsulou ácido ferúlico, que, associado à vitamina C, melhora a função oxidante desse composto.

"Apesar desse ácido ter uma atividade antioxidante boa, há muitas limitações que acabam influenciando na resposta do produto. Com a nanotecnologia, conseguimos melhorar a solubilidade e a estabilidade, para assim potencializar a sua principal função", explica o cientista.

Uma das maiores inovações em sua pesquisa é uma técnica de extração do ácido ferúlico natural a partir do caju, que é bastante cultivado no Rio Grande do Norte.

"Essa extração está sendo feita através de química verde [com processos mais sustentáveis a longo prazo]. Então teremos um ácido ferúlico natural para colocar no mercado", ressalta Adley.

Os resultados in vitro mostraram um incremento de 50% na atividade antioxidante do ácido ferúlico sintético. Na substância natural, a taxa chegou a 90%.

"Foi uma excelente resposta. Com isso, transformamos as nanopartículas em um outro produto, que é um pó. Já registramos a marca com o nome de Cicloferulic, que pode ser incorporado a uma formulação cosmética, assim como ser incorporado a um nutracêutico [segmento de produtos alimentícios com benefícios de saúde potencializados]", afirma o pesquisador.

Atualmente, a equipe busca recursos para a realização dos ensaios em formulações e, em seguida, na pele.

Da universidade para o mercado

Leonardo Fraceto e Adley Lima trabalham em seus projetos desde 2014 e 2016, respectivamente. Mas durante esse tempo eles têm esbarrado nas dificuldades de encontrar recursos financeiros para agilizar as pesquisas e, especialmente, encontrar o meio adequado de transferir suas tecnologias para o mercado.

A solução veio em 2019, quando participaram do programa SBQ Acelera. O evento é promovido pela Wylinka, uma instituição sem fins lucrativos que capacita cientistas e conecta as produções acadêmicas com o mercado.

Segundo a especialista em inovação da Wylinka, Maristela Meireles, existe uma lacuna de apoio em algumas etapas da jornada de soluções desse tipo, como o corte de verba. Outros fatores são a falta de formação empreendedora e a falta de acesso dos investidores ao que está sendo produzido nas universidades e centros de pesquisa.

"No Brasil, a infraestrutura laboratorial para desenvolvimento de pesquisas ainda é muito pública, das universidades. Então, o quanto antes o pesquisador estiver conversando com o mercado, mais rápido ele vai conseguir avançar com a pesquisa no caminho para aplicabilidade no mercado", explica.

Dentre os 10 projetos selecionados para o SBQ Acelera, o nanobiopesticida ficou em segundo lugar e o Cicloferulic em quarto. Ambos foram considerados as melhores pesquisas para a indústria química naquele ano. Atualmente, aguardam a publicação da carta patente.

"Estamos conversando com o mercado na intenção de transferir tecnologia ou licenciar a patente. Em paralelo, caminhamos na direção de abrir uma startup para o investimento em produção e comercialização dos produtos", comemora Adley Lima.

Já Fraceto tem buscado parcerias para que o nanobiopesticida possa ser produzido em larga escala. "Temos avaliado a possibilidade de montar uma startup e buscar investidores", afirma.