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Cientistas simulam 'paladar' de bactérias para detectar água contaminada

Universidade de Northwestern cria dispositivo rápido e barato para detectar água contaminada - Engin Akyurt/Unsplash
Universidade de Northwestern cria dispositivo rápido e barato para detectar água contaminada Imagem: Engin Akyurt/Unsplash

Camila Mazzotto

Colaboração para Tilt

02/04/2022 04h00

Nem sempre é possível perceber, só com a visão ou o paladar, se a água que bebemos está contaminada. Mas um novo aparelho desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos, promete revelar em menos de cinco minutos se uma amostra é segura para beber.

O dispositivo, portátil e de baixo custo, é considerado um "computador genético" porque utiliza circuitos biológicos em vez de circuitos eletrônicos. Essas "redes genéticas" são compostas por proteínas que reagem à presença de certos produtos químicos, produzindo moléculas fluorescentes quando uma amostra do líquido está poluída.

A inspiração veio de um dos grupos de seres vivos mais primitivos: as bactérias. Os pesquisadores até tentaram criar uma alternativa usando as próprias bactérias, mas havia muita dificuldade em mantê-las vivas. A solução foi reproduzir suas habilidades sinteticamente.

Dispositivo mostra que água está poluída à medida que mais tubos se acendem  - Julius Lucks/ Universidade de Northwestern - Julius Lucks/ Universidade de Northwestern
Dispositivo mostra que água está poluída à medida que mais tubos se acendem
Imagem: Julius Lucks/ Universidade de Northwestern

Como funciona?

O dispositivo possui oito pequenos tubos de ensaio, cada um contendo um biossensor com sensibilidade a diferentes contaminantes, como metais pesados, antibióticos e fragrâncias utilizadas pela indústria.

Se apenas um tubo brilhar ao receber água, isso significa que a amostra apresenta apenas alguns vestígios de contaminação. À medida que mais tubos se acenderem, o alerta é claro: o líquido está muito sujo.

"Programamos cada tubo para ter um limite diferente para contaminações", diz Julius B. Lucks, professor associado de engenharia química e biológica e líder da pesquisa.

"O tubo com limite mais baixo acenderá o tempo todo. Se todos os tubos acenderem, é sinal de que há um grande problema", acrescenta.

Bactéria sintética

O plano original de usar bactérias para detectar contaminantes foi descartado porque era muito difícil mantê-las vivas sem que se espalhassem no meio aquoso. O jeito foi inventar uma "versão biológica sintética sem células".

"O que fizemos foi descobrir como elas naturalmente 'saboreiam' as coisas na água. Elas fazem isso com pequenas 'papilas gustativas' de nível molecular", explica Lucks. "A biologia sintética sem células nos permite retirar essas papilas gustativas moleculares e colocá-las em um tubo de ensaio. Podemos então 'religá-las' para produzir um sinal visual", diz Lucks.

Na prática, o grupo "reprogramou" o material genético das bactérias e as proteínas de suas células para desempenhar funções lógicas. O sistema foi batizado de ROSALIND, em homenagem à química britânica Rosalind Franklin, que fez descobertas importantes sobre o DNA e o RNA no século 20.

Por que é importante?

No dispositivo mais recente, o ROSALIND 2.0, os pesquisadores também criaram uma versão mais avançada do sistema que consegue informar a quantidade exata de moléculas do contaminante na amostra.

Mostrar o nível de contaminação, ao invés de um simples resultado positivo ou negativo, ajuda a decidir qual é a melhor solução a ser adotado em cada cenário.

Se a amostra de um abastecimento de água potável tiver pequenas quantidades de chumbo, por exemplo, talvez seja necessário lavar os canos. Mas, se tiver níveis altos, é preciso parar de beber a água imediatamente e substituir toda a linha de abastecimento.

Isso pode ser decisivo para pessoas que vivem em locais com pouco acesso a água potável ou para grupos nômades que desejam testar a segurança das fontes em uma trilha, por exemplo.

Rosalind - Julius Lucks/ Universidade de Northwestern - Julius Lucks/ Universidade de Northwestern
Neste caso, todos os tubos estão brilhando depois que o dispositivo detectou altos níveis de contaminantes
Imagem: Julius Lucks/ Universidade de Northwestern

Segundo os pesquisadores, o baixo custo do aparelho é uma vantagem em relação às tecnologias disponíveis atualmente. Eles têm a esperança de que o dispositivo possa, um dia, permitir que todos monitorem sua própria água potável em casa.

"Estamos vendo com os testes caseiros para a covid-19 que as pessoas precisam de testes em casa, porque é importante ter essas informações com rapidez e regularidade", compara Lucks. "Há muitos casos em que a qualidade da água precisa ser medida rotineiramente. Os níveis de contaminação podem mudar ao longo do tempo".

Não é a primeira vez que um equipamento surge a partir de tecnologias de biossensor sem células por computação de DNA. Porém, o estudo, publicado na revista científica Nature Chemical Biology, afirma que nenhum outro sistema desse tipo havia ido "além da simples detecção de contaminantes".

Para os pesquisadores, construir circuitos e computação de DNA programável, como o que foi feito com ROSALIND 2.0, "abre muitas possibilidades para outros tipos de diagnósticos inteligentes".