Ciência explica por que gostamos menos do sabor de certos alimentos
A saliva humana não serve apenas para iniciar o processo de digestão de alimentos. Ela é composta por diversas proteínas que, ao entrar em contato com um alimento, disparam um ciclo conhecido neurologicamente como "resposta e recompensa". É esse ciclo de estímulos que ajuda a definir com quais sabores você sente prazer - e portanto, vai querer mais.
E é aí que vem a surpresa: essas proteínas variam de pessoa para pessoa. São essas diferenças que explicam porque você adora chocolate amargo e seu amigo não vê tanta graça, por exemplo.
Essa foi a conclusão a que chegou um grupo de pesquisadores norte-americanos, em um estudo de 2018 da American Chemical Society, em Boston, nos Estados Unidos.
"O nosso grande objetivo é, algum dia, tentar mudar a saliva das pessoas de forma a ajudá-las a ter dietas mais saudáveis", disse a Tilt a química Cordelia A. Running, especialista em alimentos, pesquisadora da Universidade de Purdue e principal autora da pesquisa.
De acordo com a pesquisa de Running, algumas das proteínas na saliva são capazes de se ligar a compostos de sabor em alimentos e também a células receptoras de gosto na boca. E isso daria sensações diferentes.
Mas, como nossa saliva pode ter diferentes composições protéicas, algumas pessoas podem sentir maior adstringência quando consomem vinho tinto, chocolates e outros alimentos.
"Se um dia pudermos mudar a expressão dessas proteínas, talvez consigamos atenuar sabores considerados 'ruins'", afirma a química.
"Por outro lado, a dieta de uma pessoa pode alterar a composição de sua saliva e, consequentemente, alterar a percepção do sabor dos alimentos", afirma Running. "Isso explica por que as pessoas 'adquirem gostos' ao longo da vida para sabores específicos".
Ou seja, com o devido cuidado, mudar a alimentação pode ser estimulado por um ciclo virtuoso: o contato frequente com novas comidas pode reconfigurar sua saliva para você passar a ter mais prazer com elas.
A dieta do ratinho
Em um estudo anterior da mesma equipe, a pesquisadora Ann-Marie Torregrossa, da Universidade de Buffalo, conduziu um experimento que mostrou que uma dieta amarga poderia alterar a expressão das proteínas na saliva dos ratos. Essa mudança acabava alterando o comportamento alimentar dos roedores.
Em seguida, os cientistas decidiram suprimir os alimentos amargos. Aos poucos, os ratos voltaram à normalidade de seu cardápio.
Running conta que se inspirou nesse trabalho para fazer algo semelhante, mas desta vez em cobaias humanas. Sua pesquisa consistiu em avaliações sensoriais nas quais os participantes tomaram leite de amêndoa com chocolate três vezes por dia durante uma semana. A cada vez, precisavam classificar tanto a amargura quanto a adstringência.
Ao fim do processo, a saliva dos participantes foi analisada - e ela havia mudado. Foi observado o aumento de várias proteínas ricas em prolina, ligadas aos compostos amargos e adstringentes.
Essa transformação foi correlata às análises sensoriais. À medida que tais proteínas aumentavam, as avaliações do teor de amargura e adstringência nos alimentos diminuíam.
Isto explica muito do que vemos no dia-a-dia. É comum que alguém não esteja habituado a ingerir pimenta, por exemplo. Começa com pouquinho, apenas para provar, vai colocando mais e chega a um ponto que tem muito mais tolerância mesmo àquelas mais fortes.
Situações semelhantes são comuns a quem começa um hábito como tomar café, vinho ou mesmo saborear um bom chocolate amargo.
"Ao que parece, o corpo se adapta para reduzir a sensação negativa dos compostos amargos", avalia Running. De acordo com a pesquisadora, a principal conclusão, portanto, é que "a saliva modifica o sabor que, por sua vez, modifica as escolhas alimentares".
*Com texto de Edison Veiga
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