Musk diz não querer 'ganhar dinheiro' com Twitter; especialistas desconfiam
Comprar o Twitter "não é uma forma de ganhar dinheiro", afirmou Elon Musk, na conferência TED 2022, em Vancouver, Canadá. Foi a primeira vez que o magnata se pronunciou após fazer uma oferta para comprar o todo o Twitter, por US$ 43 bilhões (cerca de R$ 200 bilhões).
Musk, presidente-executivo da Tesla (empresa de carros elétricos) e da SpaceX (de exploração espacial) insiste que sua proposta é motivada pelo interesse público e pela liberdade de expressão, "um imperativo social para uma democracia em funcionamento", e não por lucros.
Atualmente, Musk é a pessoa mais rica do mundo, com uma fortuna avaliada em US$ 259 bilhões (R$ 1,2 trilhão) este ano, desbancando o fundador da Amazon, Jeff Bezos, que desde 2018 ocupava o posto nas listas da Bloomberg e da Forbes.
Se ele conseguir adquirir 100% das ações da rede social, fechará o capital da empresa, que deixaria de ter acionistas e um conselho diretivo.
"Meu forte senso intuitivo diz que ter uma plataforma pública, que seja totalmente confiável e amplamente inclusiva, é extremamente importante", disse o bilionário ainda durante o Ted. "É o futuro da civilização, então você não se importa nem um pouco com a economia."
Em uma carta ao presidente da empresa, Bret Taylor, reforçou: "Twitter tem um potencial extraordinário. E eu vou desbloqueá-lo." Especialistas, porém, veem o movimento com desconfiança.
Transparência e moderação de conteúdo
"Acredito que isso levaria a uma menor transparência", diz Nicolo Zingales, professor de Direito e Regulação da Informação, e coordenador do Núcleo de e-Commerce da FGV Direito Rio.
"Com capital aberto, a empresa tem de fazer relatórios para investidores, que são públicos, e eles também têm o direito de solicitar informações e documentos. Uma empresa fechada não permite esta pressão para maior fiscalização das regras e procedimentos internos", explica.
Musk também disse no evento que o Twitter deveria "abrir o código do algoritmo", para construir confiança e garantir disponibilidade. "O código deveria estar no Github, para que as pessoas possam vê-lo."
Outra intenção que ele está deixando clara é de descentralizar a moderação de conteúdo na plataforma, permitindo que os próprios usuários criem pequenas redes e decidam as normas.
"Ele quer algo equivalente ao que acontece no Mastodon, outra rede social de código aberto e descentralizada, que surgiu como uma alternativa mais amigável ao Twitter, mas que passou a enfrentar questões preocupantes, inclusive a distribuição de pornografia infantil e de discursos neonazistas", lembra Zingales.
"Então essa liberdade de expressão pode causar o efeito reverso, gerando fontes de preocupação para a sociedade, causando mais polarização na rede."
Durante a conferência, Musk aproveitou para alfinetar Mark Zuckerberg, CEO da Meta, quando perguntado sobre plataformas como o Twitter serem controladas por um único indivíduo. "Você tem Zuckerberg, dono do Facebook, Instagram e WhatsApp, mesmo com uma estrutura de propriedade de ações", ironizou. "Tipo, literalmente."
O que deve acontecer?
Não há indícios de que o conselho do Twitter aprovará a oferta não solicitada de Musk; eles têm dez dias para se manifestar. Da maneira que foi feita (sem qualquer negociação e alinhamento de objetivos), é muito provável que seja recusada.
"Musk foi convidado a entrar no 'board' mas não quis; ele quer ser o dono, não quer compartilhar", lembra Zingales. "Em uma negativa, o que ele pode fazer é um chamado 'takeover hostil', indo diretamente para os acionistas e pedindo que aceitem a proposta, passando por cima da decisão do conselho".
Mas uma ação deste tipo só é bem-vista no mercado no caso de empresas que estão indo mal, e precisam passar por uma revolução. Neste exemplo, tratando-se de uma rede social consolidada, poderia trazer prejuízos, como a reprovação da opinião pública, escrutínio da imprensa e até queda no valor da companhia.
"Não é que, com dinheiro, pode tudo. Tem a sociedade civil que, de alguma, forma pode ser influente", acredita o professor. "Mais que financeiro, é um jogo de poder, e vai ser interessante ver como a opinião pública vai ser determinante nas ações dele."
Nada vai continuar igual
"O caminho normal para uma empresa como esta é buscar outros potenciais compradores. Seja para fazer uma proposta concorrente à de Musk, alguém que pague mais ou que traga objetivos melhores para o futuro da empresa; seja para ter um plano B, caso ele desista ou legalmente não possa fechar a operação", diz José Augusto Albino, sócio-fundador da gestora de investimentos Catarina Capital.
Mesmo se for recusada, a proposta de Musk deve impactar os rumos da empresa. O montante oferecido, US$ 43 bilhões (US$ 54,20 por ação), é cerca de 20% superior ao atual valor de mercado do Twitter (aproximadamente US$ 37 bilhões, ou R$ 174 bilhões).
"Então, a partir de agora, não tem como ficar como está", acredita Albino. "Ou a empresa se vende para Musk ou um terceiro, ou então vai precisar fazer uma série de reestruturações e apresentar para os acionistas um plano arrojado, diferente do que está fazendo, para alcançar um ganho maior que os US$ 54 por ação no longo prazo."
O Twitter já havia anunciado que deseja dobrar os lucros até o final de 2023, aumentando a base de usuários e criando recursos de monetização, como conteúdos pagos exclusivos.
"Se for esse o principal objetivo para o futuro, talvez alguém como Musk seja apto para fazer esta revolucão, focada no aumento de lucros", pondera Zingales.
"Agora, se a ideia é que precisamos de uma plataforma importante para achar conteúdos verdadeiros, onde há discussões razoáveis sem gerar conflitos o tempo todo, aí talvez não seja o caminho", finaliza.
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