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Prestou atenção na aula? Nova tecnologia consegue detectar e gera polêmica

Câmera do computador pode ser usada para detectar se estudante está confuso ou distraído - Getty Images
Câmera do computador pode ser usada para detectar se estudante está confuso ou distraído Imagem: Getty Images

Aurélio Araújo

Colaboração para Tilt, em São Paulo

20/04/2022 10h14

Uma inteligência artificial desenvolvida pela Intel é capaz de monitorar as expressões faciais dos alunos e identificar quem está distraído ou em dúvida durante aulas à distância. A nova tecnologia, em parceria com a Classroom Technologies, tem causado debate sobre invasão de privacidade e os limites da supervisão eletrônica.

A Classroom é responsável pelo software de EAD (educação a distância) Class, que adapta videochamadas do Zoom para torná-las ambientes virtuais voltados ao ensino e aprendizagem. O Class se tornou popular durante a pandemia de covid-19, quando as escolas estavam fechadas, estimulando a empresa a buscar outras novidades para um mercado em expansão. Uma delas é essa IA da Intel.

Como funciona

De acordo com um comunicado divulgado pela Classroom Technologies, a ideia é "melhorar a compreensão do engajamento" nas salas de aula virtuais. Segundo o site Protocol, o sistema da Intel é capaz de detectar, pela expressão facial, quais estudantes estão distraídos, confusos ou entediados no momento da explicação do professor.

Para isso, o rosto é capturado pela câmera do computador que ele usa para acessar a aula, e as imagens são processadas por um sistema de visão computacional, que identifica e cataloga suas expressões faciais.

As informações são então cruzadas com dados sobre o que o aluno está estudando naquele momento, gerando assim uma avaliação da sua compreensão do conteúdo.

Para o presidente executivo da Classroom, Michael Chasen, essa é uma maneira de dar aos professores "insights adicionais", que podem ajudá-los a se comunicar de forma melhor com os alunos. Em entrevista ao Protocol, ele afirmou que a falta de engajamento dos estudantes em aulas de EAD foi um problema ao longo da pandemia.

Qual é a polêmica?

Especialistas em educação nos EUA levantaram vários questionamentos a respeito da inovação. É correto supervisionar os alunos dessa maneira? Um computador tem direito de "dedurar" uma sentimento que a própria pessoa não quis revelar (como confusão ou incompreensão do conteúdo)? Quais os limites do que é aceitável em nome da produtividade?

Em entrevista a Tilt, o professor Marcus Vinicius Maltempi, vice-coordenador executivo do Instituto de Educação e Pesquisa em Práticas Pedagógicas da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo), diz que o desenvolvimento desse tipo de tecnologia precisa incluir educadores.

"Isso é bastante comum na área de computação. O pessoal da computação não tem experiência com educação, então vê a tecnologia muito mais como fim do que como meio. Aí se mete a desenvolver coisas para a educação sem passar pelo crivo de professores, educadores, especialistas e assim por diante", afirma Maltempi.

Ele diz ainda que, de forma geral, inovações tecnológicas não são criadas especificamente para ambientes educativos, sendo posteriormente adaptadas para isso, o que pode gerar problemas.

No caso específico do sistema desenvolvido pela Intel, o professor explica que, pelo fato de a câmera não fazer a leitura da linguagem corporal completa do aluno, se resumindo apenas à expressão facial, seu resultado pode estar "sujeito a muitas falhas". Mas o uso de IA na sala de aula não é antiético, segundo ele: a "ubiquidade das redes sociais" alterou o que se considera como invasivo.

"Depende muito de como isso [a inteligência artificial] é apresentado para os alunos, como é combinado o seu uso", afirma. "Hoje em dia, a gente vê que as gerações mais novas lidam com a questão da invasão de privacidade de maneira muito diferente das gerações anteriores, que não vivenciaram esse mundo de redes sociais tão intenso."

Mais eficiência? Depende

Ainda assim, Maltempi diz que a nova tecnologia não parece estar ligada a uma ideia de tornar a aprendizagem mais eficiente, mas sim à prática do ensino. São conceitos diferentes: o ensino está ligado ao professor e à sua explicação, enquanto o aprendizado diz respeito à compreensão do aluno sobre o tema.

"Eles estão mais preocupados com garantir que os alunos que estão participando ali estejam atentos à fala do professor, ou demonstrem estar atentos, do que com que garantir que os alunos estejam realmente aprendendo. O gesto não mostra o que se passa na cabeça do aluno naquele momento."