Estudo simula impacto de asteroide para investigar origem da vida na Terra
Estudos de astrobiologia desenvolvidos com o intuito de buscar a origem da vida na Terra já mostraram que corpos celestes, como cometas, asteroides e meteoroides, podem conter um componente essencial para a formação de proteínas em organismos vivos, o aminoácido glicina.
Isso indica a possibilidade de esses corpos terem sido os responsáveis por trazer para a terra primitiva energia e moléculas fundamentais para a formação das reações químicas que deram início à vida no planeta.
Para simular o impacto de um meteorito no planeta Terra, suas consequências na estrutura química da glicina e se haveria ou não geração de proteínas, pesquisadores da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (FCA-Unicamp) idealizaram um experimento em pequena escala em parceria com colegas da Kyushu University (Japão).
Os professores Augusto Luchessi, coordenador do Laboratório de Biotecnologia, e Ricardo Floriano, do Laboratório de Materiais, submeteram uma pequena quantidade do aminoácido a um método de altíssima pressão e torção (HPT, do inglês, High-Pressure Torsion), técnica inovadora que ainda não havia sido utilizada nas simulações de impacto.
Toda a infraestrutura do laboratório e a glicina utilizada contaram com financiamento da FAPESP. Os resultados do trabalho foram publicados na revista Scientific Reports.
Douglas Galante, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e colaborador da pesquisa, explica que estudos anteriores utilizavam pressão estática em equilíbrio, com apenas compressão, dissociada de rotação. Segundo Galante, o experimento realizado na FCA-Unicamp inaugura uma forma mais eficiente e realista de conduzir as simulações de impacto de corpos celestes em planetas: "Com esse método, estamos abrindo uma área de experimentos sobre efeitos de impactos de meteoros e cometas", diz.
Luchessi e Floriano observaram um resultado singular: a glicina não gerou uma proteína sob as condições testadas, mas explodiu com tal força que chegou a danificar parte do equipamento utilizado na simulação, sendo parcialmente decomposta em etanol e outros subprodutos ainda não identificados.
O etanol já foi encontrado em cometas. O que não se sabia era que ele pode ter origem na decomposição de glicina, como demonstrado no experimento. "O resultado foi uma novidade, porque normalmente estamos preocupados com a reação inversa, de formação de glicina, não com sua degradação e geração de subprodutos. Os dados podem explicar a presença de etanol em alguns ambientes no meio astrofísico", afirma Galante.
Os pesquisadores da FCA-Unicamp pretendem ampliar as investigações, testando outras condições, por exemplo, misturando metais ou minerais ao aminoácido para simular composições semelhantes à dos meteoritos que colidiram com a Terra e, com isso, gerar moléculas orgânicas e até proteínas.
"A amostra de glicina que usamos era um tipo de pó compacto em formato de botão, semelhante ao sal de cozinha. Depois da explosão, ela virou um material muito duro", conta Floriano. "Nunca tinha visto isso com metais ou cerâmicos, materiais muito duros quando comparados aos orgânicos. A massa utilizada para a amostra de glicina era muito pequena para liberar energia a ponto de explodir e danificar as matrizes da máquina de HPT", complementa.
Segundo Luchessi, é possível que os subprodutos gerados pela explosão da glicina sejam moléculas altamente reativas contendo nitrogênio, componente fundamental de todos os aminoácidos presentes na natureza e dos diferentes nucleotídeos que compõem as moléculas de DNA e RNA.
"Muitas perguntas podem ser feitas agora, a partir deste experimento - são novas fronteiras de estudo. Estamos lidando com astrobiologia e as explicações para a origem da vida na Terra, do ponto de vista científico e acadêmico, ainda estão em aberto. Considero que contribuímos com duas peças do quebra-cabeça", diz o pesquisador.
O artigo Glycine amino acid transformation under impacts by small solar system bodies, simulated via high-pressure torsion method pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-022-09735-3.
* Com informações do Jornal da Unicamp.
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