A ascensão e queda do Second Life: o metaverso vai repetir os mesmos erros?
Um ambiente virtual 3D, completamente imersivo, onde pessoas de diferentes partes do mundo poderiam se conhecer e interagir - seja a trabalho, negócios ou por pura diversão. Hoje, essa descrição parece remeter ao metaverso, mas quase 20 anos atrás, era de outro fenômeno digital: o Second Life.
O jogo, criado em 2003 pela empresa norte-americana Linden Lab, chegou a bater 1 milhão de visitas por mês - numa época em que os computadores eram bem menos potentes, a internet era menos difundida e tinha menos velocidade.
O Second Life continua ativo até hoje, mas quase ninguém sabe: sua popularidade caiu drasticamente poucos anos após o lançamento. "Há tempos ninguém mais fala sobre ele", diz Marcelo Pedrozo, 35 anos, diretor-executivo da agência Maré Núcleo Criativo.
Por que essa plataforma tão promissora, definida na época como uma "revolução online", praticamente sumiu? O metaverso está condenado a repetir esse fracasso - ou pode aprender com seus erros?
O que era o Second Life
No Brasil, o pico de interesse foi em 2006, após uma parceira da Linden Lab com a Kaizen Games e o portal iG. No mesmo ano, a avatar Anshe Chung foi parar na capa da Business Week: sua "dona", Ailin Graef, foi a primeira jogadora a lucrar US$ 1 milhão vendendo terrenos virtuais. Todo mundo queria participar dessa nova "corrida do ouro".
A monetização foi a grande diferença do Second Life para outros jogos similares na época. Mas também foi seu calcanhar de Aquiles.
"Parei de jogar alguns meses depois justamente porque a evolução e criação de cenários era praticamente impossível sem colocar dinheiro do bolso. Isso me desestimulou bastante", conta o engenheiro Danilo Alves, de 41 anos.
Customizar o avatar, por exemplo, só era permitido para quem pagasse uma assinatura Premium, de R$ 19,90 - um valor alto mesmo para os serviços atuais. Pedrozo teve uma experiência semelhante. "Era preciso investir dinheiro para adquirir itens. E muitas coisas despendiam tempo sem nenhuma necessidade, o que acabava desmotivando".
O próprio mercado de mídia, na época, não entendeu o potencial de lucrar no ambiente virtual - algo bem diferente do panorama atual, onde marcas como Gucci, Renner, Nike e Itaú já criaram ativações de marketing no metaverso.
Game over
Mesmo sem a grana, o Second Life poderia ter mantido sua popularidade como jogo, mas esse aspecto também não era bem resolvido.
"Era uma vitrine inovadora do mundo virtual, que podia gerar oportunidades e novas conexões. Mas como games em si, era bem monótono. Não havia muitos desafios", analisa Pedrozo.
"Muita gente, inclusive eu, tinha dúvidas de como progredir no ambiente. Não era muito intuitivo ou real de verdade", complementa Alves.
Pedrozo acabou encarando a plataforma como um "chat virtualizado, com mundo aberto", quase como um "The Sims com bate-papo".
Nesse ponto, o principal obstáculo era técnico: numa época em que nem o YouTube ainda era popular, a qualidade das transmissões de vídeo ao vivo deixava a desejar.
Onde o Second Life falhou
Gilson Schwartz, professor de produção de games e economia e coordenador do Metaverso USP, destaca outros três erros do Second Life que o metaverso precisa evitar: a falta de acessibilidade, a falta de ética e privacidade, e a falta de conteúdo educacional.
Segundo Schwartz, a maioria das pessoas saiu da plataforma porque não tinha à disposição conexão de boa qualidade e placas gráficas mais potentes. Embora hoje a inclusão digital seja maior, especialmente por causa dos smartphones, o problema persiste. "A conectividade vai demandar mais investimento para mais acessos ao metaverso", afirma.
Mas é nas falhas de de segurança e privacidade que o metaverso pode parecer um "repeteco" do Second Life. O jogo da Linden Lab sofreu com a disseminação de fake news (numa época em que o termo nem sequer existia), com esquemas de especulação financeira e até acusações de expor menores de idade.
A plataforma também foi usada por alguns usuários como uma espécie de "deep web": como não era vasculhável ou indexável por ferramentas de busca, virou um ambiente perfeito para transações ilegais.
O próprio criador do Second Life, Philip Rosedale, deu uma entrevista no final de 2021 ao site Axios alegando que o metaverso só vai engrenar de verdade se houver um sistema de moderação para permitir a convivência harmônica dos usuários.
"A gente imagina que o metaverso precisa ser um 'betterversion' - uma versão melhor de nós mesmos, e não apenas uma maquete que simula todos os problemas que já aconteciam no Second Life, como falsificação de identidade, invasão de privacidade e bullying", aponta Schwartz.
Metaverso vai repetir a história?
Schwartz é mais otimista com o metaverso porque sua estrutura é diferente. Ele o enxerga como uma imersão ampla e interdisciplinar, com uma outra forma de existência e de relacionamento que mistura rede social, blockchain (um tipo de autenticação de transações de dados) e games.
"Existe uma nova realidade em que a tecnologia imersiva é o principal vetor de uma transformação capitalista para gerar renda, emprego e novos mercados", avalia. "É algo diferente do que aconteceu no Second Life, que tinha uma elite social. No metaverso, ela não será a maioria presente, pois a expectativa é que a favela, a igreja, a escola, a empresa também vão estar lá."
A adesão das empresas talvez seja a mais importante neste momento: sinal de que o mercado já tem conhecimento do potencial dessa tecnologia. Com a criação de mais conteúdos, a tendência é que mais pessoas decidam entrar na onda.
Com o advento dos NFTs e das criptomoedas, Pedrozo também destaca o potencial financeiro, "tanto para investir em terrenos, como arrumar um trabalho". Seria o suficiente até pra reavivar o Second Life. "O metaverso terá essa capacidade de acordar projetos parados, tornando-os minimamente interessantes, mesmo que para um grupo seleto de pessoas", acredita.
Alves também está animado. "Acesso o metaverso pelo Playstation e acho que é algo que ainda tem muito para ser explorado", acredita. Voltar para o Second Life, porém, está fora de cogitação. "Já escolhi utilizar em um console, então não vejo para fazer isso em outras plataformas".
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