Topo

Facebook é a nova Kodak? Por que Zuckerberg diz que Meta vive "pior crise"

Mark Zuckerberg, CEO da Meta - Anthoyn Quintano/Wikimedia Commons
Mark Zuckerberg, CEO da Meta Imagem: Anthoyn Quintano/Wikimedia Commons

Simone Machado

Colaboração para Tilt, em São José do Rio Preto (SP)

29/09/2022 04h00Atualizada em 30/09/2022 19h20

O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, caiu 14 posições na lista das pessoas mais ricas do mundo, segundo o Índice de Bilionários da Bloomberg, divulgado na semana passada. Sim, ele ainda é bilionário, mas seu patrimônio teve queda de US$ 70,2 bilhões no acumulado do ano. Isso é só mais um capítulo dentro da "pior crise" que a Meta, grupo dono da rede social, do Instagram e do WhatsApp, tem enfrentado nos últimos tempos, segundo fala do próprio executivo.

O conglomerado já perdeu em torno de US$ 230 bilhões em valor de mercado no começo do ano. De acordo com Zuckerberg, esse é o momento de "subir a temperatura", para que funcionários incapazes de atingir metas agressivas saiam da empresa, e a companhia precisa executar com precisão os próximos passos, porque há menos dinheiro e recursos disponíveis.

Agora, por que isso tudo está acontecendo? O Facebook corre o risco de ser a nova Kodak?

Para quem não lembra, a Kodak foi a grande pioneira da fotografia, com diversas inovações e produtos de sucesso, mas não soube lidar com o rápido ritmo das câmeras digitais — que, sim, ela própria criou. A empresa decretou falência em 2012, conseguiu se recuperar uns anos depois, mas teve de se reinventar como uma empresa de menor destaque em outros setores.

Especialistas ouvidos por Tilt e registros da imprensa estrangeira, que teve acesso a fontes familiarizadas com o assunto, nos ajudam a entender o que está rolando e se o "efeito Kodak" é uma possibilidade.

Marcos da crise

Setembro de 2021: a riqueza de Zuckerberg chegou a cerca de US$ 140 bilhões (R$ 786 bilhões na conversão direta e sem impostos), quando atingiu seu pico.

Outubro de 2021: um mês depois, ele anunciou o reposicionamento do Facebook como Meta para destacar a mudança de foco para o metaverso, mundos digitais que podem ser acessados com ajuda de realidade aumentada e virtual. Foi nessa época que sua riqueza começou a registrar queda.

Fevereiro de 2022: as ações da Meta caíram quase 23% depois que gastos inesperados em seu metaverso levaram a um declínio no lucro do quarto trimestre, além de uma perspectiva de receita abaixo do esperado, em meio à crescente rivalidade com o TikTok. Nessa época, o Facebook registrou pela primeira vez em 18 anos queda no número de usuários ativos diários.

Abril de 2022: a imprensa estrangeira destacou a obsessão de Mark Zuckerberg com o metaverso. Na época, o conglomerado tinha planos de investir mais de US$ 200 milhões, incluindo US$ 150 milhões na formação de programadores para construir ambientes virtuais da companhia.

Maio de 2022: o CEO da Meta, segundo reportagem da Bloomberg, falou em reunião anual com acionistas que a companhia teria perdas financeiras significativas nessa nova estratégia. Para ele, o lucro virá conforme as pessoas forem construindo negócios e vendendo bens e serviços virtuais no metaverso.

Julho de 2022: a Meta relatou seu primeiro declínio trimestral de receita em relação ao ano anterior.

Motivos para a crise

1. Falta de identidade

Para Reynaldo Dannecker Cunha, professor e doutor de marketing no curso de administração do IMT (Instituto Mauá de Tecnologia), a Meta atravessa uma crise de identidade, levando a perda considerável de usuários no Facebook e sinalizando que talvez essa plataforma não sobreviverá entre as novas gerações, fatores que impactam a avaliação de analistas de mercado, investidores e, consequentemente, no valor das ações da empresa.

"Mark Zuckerberg já percebeu que o modelo de redes sociais está sendo superado pelo das redes de entretenimento, do tipo TikTok, tanto que aposta fortemente nos Reels para tentar fazer frente aos chineses", afirma Cunha.

O professor acrescenta que a Meta está focada em investir em seu metaverso, mas existe ainda uma desconfiança, assim como ocorreu com o lançamento do TikTok lá no início.

2. Reels no Instagram não convenceram

Nessa tentativa de ultrapassar o rival TikTok com a função de Reels, que permite a criação e edição de vídeos curtos, o Instagram não tem conseguido atingir o engajamento esperado, analisa o jornal norte-americano Wall Street Journal.

O veículo afirmou ter visto cópias de relatórios internos do grupo Meta, nomeadas como "Creators x Reels State of the Union 2022" de agosto deste ano, dizendo que os usuários não estão passando muito tempo no aplicativo vendo vídeos e muito menos interagindo com os conteúdos.

Ainda segundo o jornal, os usuários do TikTok estão ficando 10 vezes mais horas (equivalente a 197,8 milhões de horas) do que os internautas do Instagram nos Reels, que caiu 13,6% nos últimos meses.

"A Meta tem um desafio muito grande pela frente porque agora existem competidores à altura dela. O lançamento dos Reels no Instagram não trouxe a transformação que a empresa aguardava. Agora eles têm um grande desafio que é não perder mais usuários e cair no gosto da população novamente", afirma Diogo Cortiz, professor de tecnologia e design da PUC-SP e pesquisador do NIC.BR.

3. A obsessão e incerteza do metaverso

Uma das estratégias pensadas por Zuckerberg para sair da crise é investir com força no metaverso. O problema é que os resultados não virão imediatos — isso, se vierem mesmo, já que trata-se de uma tecnologia nova.

"Vai demorar muitos anos para ser rentável. Eles vêm investindo muito dinheiro em pesquisa e desenvolvimento, só que os resultados ainda são muito preliminares", destaca o professor Cortiz. "Para os olhos do mercado isso é um desafio que se tem porque há muita promessa, mas as entregas ainda não estão alinhadas com o que foi investido e não se tem a certeza de que realmente os usuários vão realmente engajar."

Diante dessa enorme confiança no potencial de negócio do metaverso, há quem associe essa realidade com o início do fim da Kodak, marcada por ter inventado as câmeras de mão. Enquanto outras empresas do setor investiam em diversificar seus portfólios, a companhia fez o contrário e centralizou sua energia (e dinheiro) em filmes fotográficos.

Imaginar o grupo Meta falindo ainda é difícil. Afinal, trata-se de uma empresa bilionária. Contudo, empresas filhas do conglomerado já mostram sinais de desgaste.

4. Queda na bolsa de valores

Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação, destaca que, além das questões de tendências tecnológicas, a bolsa de valores dos Estados Unidos também teve influência direta no impacto financeiro sofrido por Zuckerberg. Isso porque em 2022 a tendência dos investidores tem sido se desfazer de ações que consideram não gerar retorno financeiro esperado.

A inflação alta nos Estados Unidos se mostra como um dos fatores para essa mudança de estratégia no ânimo atual dos investidores. O índice anual chegou a 8,6% em junho, o maior dos últimos 40 anos. Essa realidade trouxe incertezas, o que é ruim para os mercados.

A alta do custo do crédito também tornou mais atraente aos investimentos os bônus do Tesouro norte-americano, o que fez com que parte do fluxo de capitais fosse redirecionado para esse tipo de ativo, visto como mais seguro. Isso esfria a economia e reduz as expectativas de lucros das empresas, tornando suas ações menos atraentes.

"Pela primeira vez, a Meta perdeu usuários no Facebook, teve também diminuição significativa no volume de anúncios, que basicamente é o forte da receita. Aliado a isso, o TikTok não para de crescer. E no Instagram, a Meta tem copiando features [funcionalidades] e tentando se defender. Sem falar nas crises de imagem que a empresa viveu", lembra Igreja.

5. Polêmicas, denúncias e redes sociais tóxicas

A mudança de nome de Facebook para Metaverso foi interpretada por críticos como uma manobra para desviar a atenção dos escândalos e polêmicas envolvendo a rede social nos últimos anos.

A insatisfação com as práticas do Facebook voltou a ter foco após revelações da ex-funcionária Frances Haugen. Em depoimento ao Senado dos EUA, ela acusou o Facebook de ter ignorado os riscos de veiculação de conteúdo tóxico no Instagram para adolescentes, de propagar informações falsas que prejudicam a democracia, entre outras condutas questionáveis, visando preservar seus lucros.

Ainda em outubro de 2021, o Facebook, Instagram e WhatsApp tiveram uma pane mundial, ficando fora do ar por cerca de seis horas. O fato afetou as ações da empresa na bolsa de Nova York, a Nasdaq, registrando queda de 4,89%.

Fim da era Kodak

Fundada em 1888, a empresa revolucionou a história da fotografia mundial ao lançar os rolos de filmes flexíveis. No ano de 1900, a empresa já tinha vendido mais de 100 mil unidades da câmera e isso só foi aumentando. A empresa chegou a dominar mais de 50% do mercado mundial.

Apesar de fabricar as câmeras, o foco principal da Kodak estava na venda de filmes e revelação das fotos. Em 1975, os chefes da empresa chegaram a rejeitar a primeira câmera digital criada por um de seus engenheiros por considerarem que ela poderia acabar com o mercado de filmes analógicos.

Cinco anos mais tarde, a predominância do mercado da Kodak começou a ser ameaçado, quando a empresa japonesa Fuji entrou no mercado de câmeras e rolos de filme com um preço mais acessível.

Mesmo assim, o maior valor de mercado da empresa norte-americana foi atingido em 1997, quando ela valia mais de 31 bilhões de dólares. Porém, com a chegada das câmeras digitais e a popularização delas, as receitas da empresa começaram a cair.

Diante da crise, e na tentativa de se manter viva no mercado, a Kodak mudou passou a ter seu foco na fotografia digital e na impressão digital, mas não teve sucesso frente as rivais Canon, Sony e Fuji.

Com informações da AFP e RFI