Topo

'Paguei R$ 600, hoje vale R$ 3 mil': primeiro videogame completa 50 anos

Propaganda do Magnavox Odyssey, o primeiro videogame doméstico comercializado, de 1972 - Reprodução
Propaganda do Magnavox Odyssey, o primeiro videogame doméstico comercializado, de 1972 Imagem: Reprodução

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

04/10/2022 04h00

O funcionário público Rafael Alexandre Cardoso da Silva tem uma vasta coleção de consoles antigos, como o Atari 2600, os Intellivision I e II, o Colecovision e o Vectrex, relíquias do fim da década de 1970 e início dos anos 1980. Mas o mais antigo tem a sua idade: o Magnavox Odyssey, o primeiro videogame comercial da história, que completa 50 anos em 2022.

"Acabei indo atrás do primeiro Odyssey por conta da proposta interessante do console, que é misturar um aparelho eletrônico com algo similar a jogos de tabuleiro. Sempre curti jogos de tabuleiro, então foi amor à primeira vista", conta.

O colecionador adquiriu o aparelho em meados da década de 2000. "Paguei algo em torno de R$ 600 na época, o que já não era barato. Hoje, além de difícil de encontrar, um Odyssey pode passar facilmente dos R$ 3 mil", diz.

Pai de todos

Lançado em setembro de 1972, o Magnavox Odyssey era um aparelho retangular, com um ressalto em sua porção central, nas cores branco, preto e marrom. Era ligado à TV por meio da entrada de antena e já vinha com dois controles - praticamente todo game era para dois ou mais jogadores.

Rafael Cardoso, colecionador e fã do videogame Magnavox Odyssey - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cardoso e seu Odyssey: paixão desde a infância
Imagem: Arquivo pessoal

"Nos primórdios, os videogames visavam muito mais a experiência em grupo que o entretenimento isolado, como os consoles atuais", explica Cardoso.

Ah, e se você reclama do preço dos videogames hoje em dia (com razão, convenhamos), naquela época as coisas eram bem piores. O Odyssey foi lançado nos EUA por US$ 99,95. Corrigindo pela inflação, hoje ser seria o equivalente a US$ 695 (mais de R$ 3.730).

Aparelho de um game só?

Magnavox Odyssey em funcionamento - Reprodução - Reprodução
Em sua forma mais básica, o Odyssey era uma "máquina de jogar Pong"
Imagem: Reprodução

E quanto aos jogos? Aqui as coisas começam a ficar peculiares. Na tela em preto e branco, o aparelho era capaz de mostrar apenas quatro elementos: três quadrados e uma linha vertical.

Eles compunham o game que pode ser considerado uma espécie de símbolo do Odyssey, o Table Tennis. Cada jogador controlava um quadrado cada, tentando rebater o terceiro quadrado para a "quadra" adversária.

Seria uma cópia do lendário Pong? Ao contrário: o Odyssey veio antes. A Atari é que "se inspirou" no Table Tennis para lançar seu fliperama em 1972, com enorme sucesso. Várias outras empresas também criaram "clones", o que acabou rendendo um processo dois anos depois por quebra de patente.

Mas se o arsenal do Odyssey só contava com esses quatro elementos, como era possível ter mais de um jogo? A solução era curiosa: haviam os chamados "overlays", capas plásticas fixadas na frente da TV que formavam uma espécie de máscara.

Overlays Odyssey - Reprodução - Reprodução
Overlays eram telas plásticas que deveriam ser fixadas na frente da TV
Imagem: Reprodução

A partir daí, tudo dependia da criatividade dos jogadores, que tinham que seguir as regras determinadas pelo novo "jogo". Um exemplo era o Ski, em que você precisava controlar seu quadrado branco ao longo de um percurso desenhado na capa plástica.

Esses overlays eram combinados com cartuchos, que modificavam o comportamento dos elementos mostrados na tela para se adequar à proposta. No vídeo abaixo é possível ver exemplos de como eles funcionavam:

Sucessor deixou fãs no Brasil

Quando falamos Odyssey no Brasil, o videogame que vem à mente de quem era criança no início dos anos 1980 não era o mesmo lançado pela Magnavox nos Estados Unidos em 1972, mas, sim, o seu sucessor.

Comercial Odyssey 2 - Reprodução - Reprodução
No Brasil, o Odyssey 2 chegou com o nome do seu antecessor e criou uma legião de fãs
Imagem: Reprodução

O Odyssey 2 foi lançado na Europa em 1978 e chegou aqui em maio de 1983, pelas mãos da Phillips, que o rebatizou apenas como "Odyssey".

Era um console inovador na época por permitir o uso de cartuchos. E tinha uma biblioteca variada, uma tendência consolidada nos aparelhos lançados posteriormente.

Por aqui, o Odyssey 2 criou uma legião de fãs, como Cardoso - que, inclusive, produz games para o aparelho até hoje. Ele chegou a manter contato com o criador do Odyssey, o engenheiro alemão Ralph Baer (falecido em 2014), para desenvolver um jogo em parceria. Nunca deu certo.

Ricardo Silva, colecionador e fã do videogame Magnavox Odyssey - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Silva criou plataforma online com versões dos games
Imagem: Arquivo pessoal

Outro fã é o publicitário Ricardo Silva (47), que lembra claramente quando colocou as mãos no aparelho pela primeira vez.

"Meu pai sempre gostou de videogame e, mais ou menos em 1982, comprou um Telejogo, que era quase uma versão do primeiro Odyssey. Era uma das atrações da minha casa. Passado um tempo, em 1983, meu pai chegou à noite em casa com uma caixa enorme. Falou que era presente para mim, e, assim que abri, vi que era um Odyssey 2", relata.

O game que veio junto era de corrida, chamado Interlagos. "Na hora, levei um susto: era o mesmo que estrelava um quadro no programa do Bozo. Só tive que esperar um pouco para jogar, já que meu pai e minha mãe quiseram experimentar antes. Passei vontade por uns bons minutos", brinca.

A paixão pelo Odyssey 2 persistiu tanto que Silva tem três unidades hoje em dia, incluindo a que ganhou há quase 40 anos — e ele ainda funciona. O publicitário conta que utiliza com frequência, ligado a uma TV de tubo para ter "uma experiência mais fiel".

Mas só jogar o Odyssey 2 não bastava. "Em 2007, eu trabalhava com internet e tive a ideia de fazer um site sobre ele. Em 2017, nas minhas primeiras férias, fiz uma maratona para colocar o Experiência Odyssey no ar".

Além de textos com a história do aparelho, o site também tem o Odyssey Vault, que permite jogar online games lançados para o console e também produções mais atuais. Há também uma loja que vende canecas, revistas e, principalmente, jogos recentes, com direito a caixinha e manual.

"Já foram sete jogos, sendo quatro em cartucho e três na Vault. E temos dezenas engatilhados. O Brasil hoje é o principal polo de jogos novos do Odyssey 2 no mundo", conclui Silva.