Não é só imposto: por que nem todo produto gringo chega ao Brasil
Quem acompanha o mercado de tecnologia sabe que volta e meia produtos lançados fora do Brasil nunca são vendidos oficialmente no país. O exemplo mais recente é o novo celular do Google, o Pixel 7, fabricado para concorrer diretamente com o iPhone 14, da Apple, e a família Galaxy S22, da Samsung. Mas por que isso acontece?
A resposta não é lá muito simples. Segundo analistas de mercado ouvidos por Tilt, a razão vai muito além de apenas altas taxas de impostos para importar os produtos fabricados.
"O Brasil é um ótimo lugar para lançar produtos — tem vendas online consolidadas, tem espaço para competição e tem um ótimo tamanho de mercado. No entanto, não é tão bom para empresas que não estão prontas a fazer investimentos de longo prazo", explica Damian Leyva-Cortes, analista sênior da consultoria de mercado Canalys.
Veja a seguir os principais motivos que fazem com que produtos estrangeiros jamais desembarquem oficialmente no território nacional.
1 - Culpa dos impostos
Para começar, o Brasil tem altas tarifas de importação, e esse talvez seja o motivo mais óbvio. Segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), há incidência de quase 70% de impostos no valor de celulares importados. Logo, trazer para o Brasil um aparelho produzido fora custa bem caro.
É por isso que muitos telefones de fabricantes estrangeiras chegam aqui custando bastante, principalmente os modelos da categoria top de linha (mais avançada).
Os celulares da empresa chinesa Xiaomi, por exemplo, costumam ter preços maiores na loja oficial da marca do que em lojas varejistas: O Xiaomi Mi 12 é vendido na loja oficial por R$ 8.740. No varejo, é possível achar por R$ 4.320.
Isso ocorre por causa do chamado mercado cinza: importação ilegal de produtos em que não há pagamento de impostos. É comum que alguns desses produtos cheguem ao Brasil via Paraguai.
Esse combo prejudica o lucro das empresas, que acabam perdendo potenciais consumidores para essas vendas mais baratas.
2. Fabricar no Brasil é bom negócio, mas complexo
Ainda que o Brasil não produza semicondutores (chips), muitas empresas que atuam por aqui contam com algum tipo de manufatura. As peças geralmente vêm da Ásia, e a montagem é realizada localmente. Este processo torna mais barato vender um celular — não é necessário pagar os quase 70% de impostos no produto final — e outros eletrônicos.
Contudo, surgem outros desafios burocráticos que são colocados na ponta do lápis:
- Custos com homologação do produto (espécie de certificação feita junto à Agência Nacional das Telecomunicações).
- Manter uma estrutura de assistência técnica e suporte.
- Pensar na distribuição do produto. Vai ser em loja própria? Via lojas varejistas? Online?
- Criar estratégias para convencer o consumidor a conhecer a marca e o produto.
Isso tudo custa dinheiro. O Brasil tem dimensões continentais, e vender tecnologias por aqui exige ter presença ou fazer parcerias com distribuidoras locais e lojas parceiras.
A dificuldade fica ainda maior caso a fabricante decida comercializar seu produto somente pela internet. Existe ainda muitos consumidores brasileiros que gostam de ter a experiência de ver o que vai comprar, de manuseá-lo.
Na hora de colocar na balança, todos esses fatores influenciam a decisão de vender ou não produtos estrangeiros.
"As pessoas conhecem o Google, mas não é todo mundo que sabe o que é o Pixel", lembra a analista Tina Wu, da consultoria de mercado Counterpoint Research. "Pixel é parte do Google mas até o momento não tentaram uma expansão. Talvez a empresa mude isso num futuro próximo, pois estão começando a aumentar o portfólio."
Além do celular, o Google também apresentou um relógio inteligente, Pixel Watch, e um tablet, Pixel Tablet. Nenhum deles será vendido no Brasil (pelo menos, por enquanto).
3. Nem sempre a concorrência com outras fabricantes vale
O segmento de celulares merece um destaque importante dentro dessa análise. No passado, o Google lançou celulares da sua linha Nexus no Brasil, mas eles eram feitos em parceria com outras empresas distribuidoras.
Com os anos, a gigante das buscas se consolidou como desenvolvedora do Android, sistema operacional presente em smartphones fora do ecossistema da Apple. Sendo assim, para Wu, outras fabricantes acabam sendo parceiras do Google no mercado de telefonia.
Talvez, por isso, não valha a pena tentar concorrer com a Samsung — uma das empresas que mais vende celulares Android no mundo — num mercado onde a companhia sul-coreana lidera, por exemplo.
Além disso, para competir de forma acirrada, o Google teria que lidar com o grande portfólio que empresas com fábrica ou algum processo de montagem no Brasil oferecem. É o caso da própria Samsung, Motorola (famosa por sua linha Moto G) e Apple. As três lançam telefones por aqui com pouca ou nenhuma diferença do anúncio internacional.
Há ainda diferentes formas de funcionar das marcas. A HMD Global (responsável pelos celulares Nokia), por exemplo, tem uma pareceria com a Multilaser, que fabrica e distribui os telefones da marca. A recém-chegada Blu produz celulares na Zona Franca de Manaus e conta com um parceiro para chegar em diferentes pontos de venda.
A própria Xiaomi no Brasil conta com um parceiro local, no caso a DL Eletrônicos, que distribui e dá garantia e assistência aos produtos da marca. No início do ano, a empresa afirmou que ainda tem planos de fabricar produtos localmente.
4. Brasileiro não gasta muito em celular top
Segundo levantamento da consultoria de mercado IDC Brasil, a fatia de mercado para celulares top de linha (na casa dos R$ 4.000) no Brasil é de cerca de 10%, portanto uma parcela muito pequena. Por mais que o brasileiro goste de tecnologia, o cidadão médio não gasta tanto quanto outros países.
"Muitas vezes as empresas preferem priorizar outros mercados onde elas têm maior retorno de investimento e onde o produto tenha correspondência com o mercado local", afirma Leyva-Cortes, da Canalys.
Segundo Wu, da Counterpoint Research, o fato de o mercado de celulares caros ser pequeno acaba reduzindo as chances de lançamento de modelos caros. "Algumas empresas preferem, por exemplo, lançar produtos premium em outros países da região, como Colômbia, México ou Chile", diz, pois contam com fatias mais consideráveis de venda de celulares caros.
No Chile, ela exemplifica, o mercado de telefones top de linha (com custo na casa dos US$ 400 ou mais) é de quase 30%, o que faz com que marcas, muitas vezes, lancem produtos lá que não chegam a outros países da região.
"Às vezes, as empresas buscam um nicho de mercado e quem quiser o eletrônico acaba arranjando um jeito — o que muitas vezes significa viajar para fora do país e comprá-lo", finaliza Wu.
Se o Brasil gasta pouco, por que Apple continua aqui?
De acordo com os analistas de mercado, a Apple tem o diferencial de estar presente no país há anos. Então, ela atua com fabricação (ainda que parcial de alguns produtos), tem bons canais de venda (inclusive duas lojas próprias, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro) e distribuição.
O mais importante, no entanto, é que a companhia tem uma grande base de usuários.
"Consumidores Apple são menos sensíveis ao preço. Sem contar que a Apple tradicionalmente já fabricou alguns modelos no Brasil - como os iPhones SE e XR - para torná-los mais acessíveis localmente", disse Leyva-Cortes. "O Brasil representa quase metade dos envios de smartphones na América Latina, então o país é de grande importância para a companhia".
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