Tem medo do copo? A ciência explica brincadeiras que 'falam com espírito'
A notícia de que onze adolescentes foram encontrados desmaiados depois de brincarem com uma tábua de Ouija, no Instituto Técnico Agrícola em Hato, na Colômbia, chamou a atenção para o tradicional jogo que se propõe a falar com os espíritos.
No fim, os médicos disseram que os jovens tiveram uma intoxicação alimentar, mas vale entender melhor como a ciência explica a brincadeira, composta por um tabuleiro com letras, números e outros sinais em torno de sua borda.
Aqui no Brasil, é muito comum também a brincadeira do copo ou do compasso.
A dinâmica é basicamente a mesma: os participantes fazem uma pergunta em voz alta ao "espírito", que responde movendo o copo, o compasso ou a peça de madeira da tábua de Ouija até as letras, números ou as palavras "sim" ou "não".
Para a ciência, a explicação para as possíveis "respostas" está muito longe de ser um espírito tentando se comunicar: quem move o compasso, copo ou outro indicador é, na verdade, o efeito ideomotor.
Como o objeto se move?
O naturalista William Benjamin Carpenter foi quem falou pela primeira vez sobre o efeito ideomotor, em 1852. Segundo ele, nosso corpo, quando sugestionado, pode fazer movimentos involuntários e inconscientes.
O termo vem da junção de "ideo" (ideia ou representação mental) e "motor" (que significa "ação muscular").
Assim, quando colocamos o dedo indicador sobre o copo e ele começa a se mover, por exemplo, quem o direciona somos nós mesmos, mesmo sem saber.
De acordo com alguns estudos, o efeito ideomotor é maximizado quando você passa a ter certeza que não é o responsável pelo movimento. É por isso que brincar disso em grupo é mais emocionante.
Para quem entende do assunto, o que mais "assusta" nos tabuleiros não são nem os fantasmas, mas a capacidade de nosso cérebro de nos enganar a todo momento.
A nossa mente é tão poderosa que é capaz até de criar uma ilusão coletiva. É por isso que todos na mesa conseguem "ver" a mesma coisa.
"O cérebro não tem um esquema fixo de funcionamento. A mesma célula que participa do movimento, também participa do pensamento. Vamos usar como exemplo o ato de tocar na tela de um celular. Antes de fazer o movimento, seu cérebro já esquematizou tudo o que vai acontecer", explica Arthur Oscar Schelp, neurologista e professor da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Para ele, nesse tipo de jogo, o cérebro passa a definir qual será a estratégia futura (ou seja, a resposta no tabuleiro), levando em conta o ambiente em que a pessoa está e suas vivências. E nós mesmo executamos essa estratégia.
Gisele Calia, neuropsicóloga da Divisão de Neurocirurgia do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas), acrescenta que a capacidade do cérebro de criar outras realidades também pode contribuir para a ilusão de que são espíritos que falam.
Quem acredita no poder do copo, compasso ou da tábua de Ouija de relevar o que os mortos têm a dizer tem como argumento que espíritos podem influenciar os tais movimentos involuntários feitos pelo participante que for sensível a isso.
Onde surgiu a tábua Ouija?
As primeiras versões da tábua de Ouija como se conhece hoje — que nada mais é do que a "prima rica" da brincadeira do copo e do compasso — apareceram na Europa há 1600 anos, apesar de uma variante dela ter sido encontrada em documentos históricos da China em 1.100 d.C.
Ninguém sabe ao certo o que significa o nome Ouija e como ele surgiu. Há quem diga que ele foi indicado pela própria tábua.
Pelo Ocidente, ela ficou famosa entre os anos de 1890 e 1920. A patente do novo jogo foi dada a Elijah J. Bond, em 1891, mas foi o empresário William Fuld que fabricou milhares de peças nos Estados Unidos, apostou no marketing e popularizou o tabuleiro.
A tábua Ouija passou a ser conhecida por sua capacidade de "responder a qualquer pergunta". Resultado? A empresa lucrou mais de um milhão de dólares com o produto.
Há também várias histórias envolvendo supostas possessões demoníacas ou de espíritos maus ocorridas durante o uso do tabuleiro, um prato cheio para a cultura pop, que já produziu livros e filmes de terror baseados na brincadeira.
O que dizem os estudos científicos?
A ação do efeito ideomotor é tão intrigante que há vários estudos que usam esse fenômeno para explicar outras questões da natureza humana. No início da década passada, por exemplo, pesquisadores da University British Columbia, no Canadá, usaram o princípio de funcionamento da tábua Ouija para testar a inteligência humana.
No experimento, alguns indivíduos utilizam a tábua de Ouija para responder algumas perguntas, que nada têm a ver com o mundo dos mortos.
Segundo Docky Duncan, um dos pesquisadores do projeto, a maioria das pessoas consegue responder corretamente duas de cada três perguntas feitas quando estão no tabuleiro.
"Se perguntarmos aleatoriamente qual é a capital do Camboja, eles podem dizer que não têm nenhuma ideia. Mas quando fazemos a mesma pergunta e os jogadores utilizam a tábua para a resposta, eles podem acessar esse conhecimento de maneira inconsciente e encontrar a resposta que está escondida em algum lugar do seu cérebro", diz.
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