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'Era rainha, ganhava R$ 30 mil, saí ninguém': o tombo dos demitidos da Meta

Meta demitiu 11 mil pessoas em novembro; dispensa revela crise das big techs  - OLIVIER DOULIERY / AFP
Meta demitiu 11 mil pessoas em novembro; dispensa revela crise das big techs Imagem: OLIVIER DOULIERY / AFP

Camila Corsini

De Tilt, em São Paulo

19/12/2022 04h00

Uma proposta irrecusável. Tanto o pacote de benefícios quanto a oferta de salário — o dobro do oferecido no antigo emprego — eram sem comparação no mercado. Foi com essa situação que Ariane (nome fictício) se deparou quando foi convidada a integrar uma das equipes da Meta — que controla Facebook, Instagram e WhatsApp — este ano.

Ela aceitou, mas foi dispensada meses depois na última grande leva de demissões, em novembro. "É como se, na hora de entrar, você fosse uma superstar, a rainha da Inglaterra. E, no final, você sai como um ninguém", resume. Ariane é uma entre milhares de pessoas demitidas de grandes empresas de tecnologia apenas este ano.

Só nos Estados Unidos, 90 mil pessoas ligadas à área de tecnologia, setor que compõe grande parte das big techs, foram demitidas em 2022. As demissões são impulsionadas por motivos diferentes, mas correlatos. A crise econômica global, potencializada pela pandemia, e a queda de investimentos estão entre os fatores.

Para os demitidos, o fim do contrato é uma surpresa: o setor de tecnologia sempre foi visto como promissor e as grandes empresas na área, estáveis financeiramente.

'Dinheiro não era problema'

"O pacote todo que me ofereceram era muito atrativo. Achava que dinheiro não era problema [para a empresa]. Se eu fosse demitida, não seria por corte de gastos", conta ela, que trabalhava em um escritório em São Paulo e ganhava salário acima de R$ 30 mil.

Ariane fez planos e assumiu compromissos financeiros de longo prazo. "Pelo nome da empresa, nível dos benefícios e salário que me ofereceram, eu estava achando muito estável."

Ela logo reconheceu o privilégio de estar em uma das gigantes do mercado."Para qualquer pessoa, qualquer profissional, uma marca desse porte é uma chancela muito importante no currículo. É aquele emprego que você vai e fala: 'se eu trabalhei aqui, vou ter portas abertas em qualquer lugar'", diz.

Até pouco tempo atrás, o sentimento era de viver em um parque de diversões. Durou pouco.

Vivíamos nesse mundo de Disney, com pessoas sendo contratadas e projetos grandiosos
Ariane (nome fictício)

Na metade do ano, começaram os cortes em benefícios, gastos e orçamentos para projetos. Logo depois, veio o congelamento de contratações.

"Acho que foi neste momento que todo mundo ficou de orelha em pé, veio essa mensagem geral de que não estávamos tão bem quanto pensávamos. Depois, a própria imprensa anunciou que os números da Meta tinham ficado abaixo da expectativa. Aos poucos, foram criadas essa instabilidade e insegurança nas pessoas."

Os números aos quais Ariane se refere agitaram o mercado financeiro. A Meta mergulhou num poço de desvalorização após ter divulgado que seu lucro líquido tombou de US$ 9,19 bilhões no terceiro trimestre de 2021 para US$ 4,39 bilhões entre julho, agosto e setembro deste ano, uma baixa de 52%.

"Foi de cortar custo aqui, contratação ali, verba de projeto, até que a empresa anunciou que ia fechar uma das sedes e ficar com sistema de revezamento de mesas. Até acho que, para o nível de gastos que se tinha, muitas coisas foram uma adequação razoável e de muito bom senso. Era tudo muito em excesso, tanto de gente, áreas e projetos."

Os boatos de cortes de setores inteiros, no entanto, demoraram a surgir. Até que uma notícia abalou a equipe.

"O estopim foi quando o Wall Street Journal divulgou [em uma segunda-feira, 7 de novembro] que tinha um boato de demissão em massa de 11 mil pessoas globalmente na quarta-feira seguinte", lembra.

"Isso foi muito pesado porque todo mundo ficou sabendo pela imprensa com dois dias de antecedência, com esse número já assustador. Foi um soco no estômago, ninguém estava preparado."

A previsão se confirmou e 13% de toda a equipe contratada pelo grupo foi dispensada por e-mail. Foram 11 mil demissões em novembro na Meta.

Da 'lua de mel' ao e-mail padrão

Colocando na balança, Ariane considera que trabalhar na Meta superou expectativas, mas também frustrou.

"Rola um momento de 'lua de mel' com a empresa, ela me surpreendeu positivamente em vários fatores. Mas é muito nítida a diferença entre o momento da contratação, o processo todo de onboarding [integração], e depois a demissão."

Segundo ela, as pessoas foram demitidas por um e-mail padrão do RH e, em muitos casos, os agora ex-funcionários não receberam sequer um contato de superiores de área ou diretos.

"Ainda que a empresa tenha cedido alguns benefícios globalmente interessantes, disso não tenho queixas, o tratamento humano faltou. Ficou muito focado no benefício, no que vai deixar de oferta e valor. Mas a parte humana não foi tão acolhedora."

Procurada por Tilt para comentar as demissões, a Meta encaminhou uma carta aberta divulgada por Mark Zuckerberg, diretor-executivo, no dia das demissões, em que assumiu a responsabilidade pela decisão e afirmou que a equipe está "tomando uma série de medidas adicionais para nos tornarmos uma empresa mais enxuta e eficiente".

"Os colegas que vão nos deixar são pessoas talentosas e apaixonadas, e tiveram um impacto importante na nossa empresa e comunidade. Cada um de vocês ajudou a tornar a Meta um sucesso, e sou grato por isso", afirmou no comunicado.

'Aceitar salários mais baixos'

Nos Estados Unidos, a empresa amparou os funcionários com uma indenização equivalente a 16 semanas de salário-base e duas semanas adicionais para cada ano trabalhado, além de outros benefícios.

"Vendo de fora, pode parecer um monte de gente reclamando de barriga cheia. Poderia, claro, ser muito pior. Mas é justamente porque a gente é colocado em um lugar muito alto que o tombo também dói mais", diz Ariane.

"Todo mundo se acostumou a um padrão de vida e benefícios, e agora temos de voltar para o mercado com uma realidade muito diferente, fazendo concessões e aceitando salários mais baixos."

Para a funcionária demitida, que ainda não encontrou novo emprego, há uma ideia fantasiosa do trabalho em big techs. "É importante desmistificar um pouco esse glamour por trás das big techs. Acho que tem um lado de muita pressão, é muito competitivo. E tem esse lado de te colocarem no topo e você vê que é mais um número, em mais uma empresa, em mais um emprego."

Entenda o cenário

Meta. Controla Facebook, Instagram e WhatsApp. Contratou pessoas para o desenvolvimento do metaverso, mas não conseguiu convencer os investidores ainda. Em 2022, as ações do grupo também caíram mais de 70% diante da queda de usuários (que têm migrado para o TikTok).

Twitter. Vem perdendo dinheiro há anos (chegou a perder US$ 4 milhões por dia) e ainda não soube como ter um modelo de negócio sustentável. A situação se agravou após a compra da empresa por Elon Musk.

Amazon. Fez volumosos investimentos contratando mais de 200 mil pessoas durante a pandemia, chegando a 1,5 milhão de funcionários em 2022. Mas desde então, a margem de lucros passou a cair pela metade a cada trimestre.