Se IAs conseguem até desenhar e escrever, qual é o futuro dos artistas?
Designers, ilustradores, escritores, videomakers e outros profissionais da área criativa temem que sistemas de inteligência artificial (IA) eliminem suas vagas de trabalho num futuro breve. O medo cresce à medida que algoritmos cada vez mais inteligentes conseguem realizar diferentes atividades:
- Dall-E, Midjourney e Lensa criam ilustrações a partir de imagens ou comandos de texto.
- NovelAI e Rytr são capazes de iniciar, continuar e concluir narrativas literárias.
- Synthesia, Elai e Make-a-Video (do Facebook) geram vídeos a partir de frases escritas.
- ChatGPT é um robô de conversa que já consegue responder a questões complexas, o que pode auxiliar escrita de textos para diferentes fins.
Já vi muitos comentários dizendo que isso [IA] veio para agregar para a vida do artista. Não penso assim. Pode ser que isso venha a substituir nosso trabalho. Às vezes, a gente já cobra um preço acessível e a pessoa vai lá e prefere pagar um aplicativo. Graça Stein, ilustradora brasileira realista, de Afonso Cláudio (ES)
O que está rolando
Em dezembro, artistas inundaram o site de portfólio virtual ArtStation com uma imagem que, em inglês, dizia "não às imagens geradas por IA" em protesto. A crítica veio após os administradores da plataforma aceitarem trabalhos feitos por inteligência artificial.
Desenhistas também se revoltaram contra o resultado de um concurso de arte que premiou um trabalho parcialmente criado pela IA a partir de texto inserido no Midjourney. Outros ainda reclamaram do fato de que algoritmos são treinados usando artes de autores sem autorização prévia.
Isso inevitavelmente vai acabar forçando ilustradores a criar meios de cobrar mais barato e agilizar o processo. Só que o ilustrador não vende um trabalho, vende uma solução. É essa a percepção de valor que a gente precisa fazer, e infelizmente, a gente não aprendeu a valorizar isso na escola de desenho. Ivan Querino, professor e ilustrador, de São Paulo (SP)
Um levantamento do site Will Robots Take My Job, que faz previsões sobre a probabilidade de robôs pegarem diferentes tipos de empregos, mostra o nível de insegurança dos profissionais de áreas criativas e de produção de conteúdo.
- 35% de 509 videomakers consultados temem perder o trabalho para robôs;
- 24% de 744 escritores preveem o mesmo futuro;
- 42% de 2.306 designers gráficos estimam o mesmo.
O site usa dados coletados por uma instituição de pesquisa em mercado de trabalho, a O*NET, para fazer seus cálculos com ajuda de um algoritmo com inteligência artificial.
Afina, qual é o risco?
A mesma plataforma calcula que o risco de artistas perderem o emprego para tecnologia não é tão alto — ao menos, não nos próximos anos.
- Há apenas 13% de chance de vagas em edição de vídeo serem ocupadas por IAs nos próximos 20 anos.
- Em escrita literária, a estimativa é de 8%.
- Em design gráfico, apenas 4%.
Contudo, outros empregos possuem risco elevado:
- Operadores de caixa: 96%;
- Inspetores de transporte: 89%;
- Analistas financeiros: 84%.
Agregar ou destruir relações? Ainda é incerto
O temor dos profissionais — seja da área criativa, seja de outras áreas - é legítimo. Essa transformação digital deverá ser vista de perto e fiscalizada. Mas ainda não existe uma resposta em definitivo. Isso acontecerá conforme as tecnologias evoluírem e se tornarem mais (ou menos) inteligentes.
O lado que defende seu uso argumenta que a IA virá para somar no mercado de trabalho. Para eles é provável é que alguns empregos sejam eliminados e substituídos por outros mais especializados. E, paralelamente, o processo abrirá novas oportunidades de emprego.
Segundo o relatório "Futuro dos Trabalhos", do Fórum Econômico Mundial de Davos:
- Avanços em IA serão um dos principais fatores de mudança do mercado profissional do amanhã, automatizando "tarefas de trabalhadores capacitados" por muito tempo consideradas "impráticas de serem realizadas por máquinas";
- Primeiras mudanças já eram visíveis em 2016 e disrupção seria sentida em 2020 -- a pandemia de covid-19 pode ter impactado e adiado essa previsão.
A visão de Hod Lipson, engenheiro e fundador da Creative Machines, laboratório de IAs criativas, é de defender seu território:
É uma tecnologia poderosa, mas ainda é subserviente aos humanos. As IAs vão acabar com alguns trabalhos, mas beneficiarão muitas pessoas. E isso vai acontecer em todas as áreas. Muita IA é assim: é uma má notícia para um pequeno grupo de pessoas, mas é um bom uso para mais pessoas" Hod Lipson, engenheiro
Empregos morrerão (e nascerão) à cada dia
Novos trabalhos surgirão de modo geral, acreditam os mais entusiastas. Segundo essa linha, a automatização não eliminará o surgimento de problemas, um elemento essencial da existência ou modificação de trabalhos. Logo, existirá demanda para absorver profissionais com habilidades diversas.
Robôs e programas não tiram empregos. Se você usar muitos softwares ou robôs em uma fábrica, você não precisa demitir os funcionários que estavam lá antes. Você pode remanejá-los. Você pode treiná-los para fazer outras tarefas. Gary Bolles, professor do LinkedIn Learning e do Singularity Institute, instituição que estuda futuro da sociedade
Dentro dessa perspectiva, novas linhas de trabalho devem se modificar e, portanto, o mercado deverá contratar profissionais não só pela experiência ou níveis de graduação. Mas, sim, pelos conjuntos de habilidades — como criatividade, raciocínio lógico, atendimento ao público.
Esse caminho de transformação vale também para o mercado criativo, na opinião dos entrevistados.
Para Bolles, o cenário no Brasil se torna preocupante quando se fala da força de trabalho informal, que inclui profissionais autônomos e liberais que operam sem garantias legais.
O professor alerta que isso forçará dois caminhos para evitar uma crise de desemprego em massa com trabalhadores não capacitados:
- O mercado pode colocar a responsabilidade de se manter empregável nas costas dos profissionais e das empresas;
- A sociedade pode se organizar, como economia, protegendo os direitos dos trabalhadores através de leis que impedem as demissões em massa.
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