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Via Láctea e galáxia de Andrômeda vão colidir. O que será de nós?

Simulação da imagem no céu, vista da Terra, da colisão entre a Via Láctea e a galáxia de Andrômeda - Nasa; ESA; A. Feild e R. van der Marel, STScI
Simulação da imagem no céu, vista da Terra, da colisão entre a Via Láctea e a galáxia de Andrômeda Imagem: Nasa; ESA; A. Feild e R. van der Marel, STScI

Rafael Souza

Colaboração para Tilt, de São Luís

12/01/2023 04h00Atualizada em 12/01/2023 19h18

A olho nu, em algumas regiões do do planeta, especialmente no hemisfério Norte, é possível ver um ponto brilhante em forma de espiral um pouco abaixo da Via Láctea. Se trata de Andrômeda, uma galáxia vizinha a cerca de 2,5 milhões de anos-luz de distância.

Mas esta diferença de espaço tem data para acabar. Daqui a 4 ou 5 bilhões de anos, essa mesma galáxia, que está se aproximando, irá colidir com Via Láctea, da qual o nosso Sistema Solar faz parte e é onde a Terra está.

Isso vai acontecer porque ambas estão se atraindo, explica Rafael Christ Lopes, doutor em Cosmologia e professor do IFMA (Instituto Federal do Maranhão). "Andrômeda possui cerca de 1 trilhão de estrelas e a nossa galáxia tem aproximadamente 200 bilhões. Como são os dois sistemas mais massivos do grupo local [composto por 54 galáxias], elas sofrem a atração gravitacional mútua, ou seja, uma está atraindo a outra."

O fenômeno foi descoberto pela primeira vez em 2012 por astrônomos da Nasa, usando dados do telescópio Hubble, ao observar a movimentação de Andrômeda, que se aproxima a mais de 400 mil km/h.

Daqui do hemisfério Sul, Andrômeda pode ser observada apenas em uma época específica do ano, entre outubro e dezembro, e em uma pequena janela de tempo após o pôr do Sol.

'Fusão' já pode estar acontecendo

Uma descoberta mais recente, de 2020, apontou, inclusive, que o processo de fusão entre as galáxias já pode estar acontecendo porque os 'halos' de Andrômeda e da Via Láctea estariam se 'tocando', de acordo com pesquisas baseadas em dados do Telescópio Espacial Hubble e publicadas pela revista Science.

Imagem de Andrômeda - Nicolas Lefaudeux/Insight Investment Astronomy Photographer of the Year - Nicolas Lefaudeux/Insight Investment Astronomy Photographer of the Year
Imagem de Andrômeda
Imagem: Nicolas Lefaudeux/Insight Investment Astronomy Photographer of the Year

Halos são as atmosferas gasosas que podem causar a formação de estrelas. Em Andrômeda e na Via Láctea, eles se estendem por milhões de anos-luz de diâmetro ao redor do centro de cada uma.

Nicolas Lehner, da Universidade de Notre Dame, e principal autor de um estudo publicado no The Astrophysical Journal, apontou que, devido à nossa localização na Via Láctea, os cientistas não podem determinar a profundidade do halo da nossa própria galáxia. No entanto, há uma grande chance dos halos de Andrômeda e da Via Láctea serem muito semelhantes, já que as duas são parecidas.

Por conta dessas características, acredita-se que o halo que circunda a galáxia de Andrômeda (que mede cerca de um milhão de anos-luz) está, de fato, colidindo com o halo da Via Láctea, o que representa o início da fusão.

Estrelas não vão colidir entre si

Quando a fusão entre as galáxias estiver em um estado mais avançado, a estimativa é que seja formada uma galáxia única elíptica gigante, onde novas estrelas podem se formar, assim como sistemas planetários de uma galáxia podem se juntar à outra.

No entanto, apesar do nome 'colisão', o que vai acontecer não deverá ter um impacto direto entre os corpos celestes das duas, como as estrelas. De acordo com Thiago Signorini Gonçalves, astrônomo na Universidade Federal do Rio de Janeiro, será apenas uma junção das galáxias em uma só.

As galáxias são, em sua maioria, espaços vazios. Elas colidem por causa da gravidade, mas as estrelas propriamente ditas não irão colidir entre si. É como se duas nuvens de mosquitos se encontrassem, mas os mosquitos não batessem. Thiago Gonçalves (UFRJ)

Sistema solar vai mudar de posição

Dificilmente o Sistema Solar corre risco de ser destruído com a fusão das galáxias por causa dos enormes espaços entre as estrelas, mas certamente haverá impactos.

Estudos indicam que o nosso Sol e todo sistema seriam deslocados, ocupando uma nova região no espaço. Rafael Christ (IFMA)

É possível, inclusive, que a aproximação entre as galáxias afaste o Sistema Solar para uma região isolada da Via Láctea, ou vai transferi-la para o território da invasora Andrômeda.

Daqui a cerca de 5 bilhões de anos, um pouco depois da colisão, o Sol vai virar uma gigante vermelha e deverá engolir o nosso planeta, segundo previsões. Então nosso destino já está 'selado' no Sistema Solar.

Como isso vai afetar os humanos?

Se os humanos ainda existirem até lá da forma como conhecemos, em primeiro lugar a colisão das galáxias vai mudar bastante o céu noturno, causando uma bagunça nas posições das estrelas.

"Justamente porque as estrelas não vão colidir entre si, o impacto na Terra, a princípio, seria desprezível. As estrelas no céu vão ser muito diferentes porque estarão todas 'bagunçadas'. O importante para a Terra é estar próxima do Sol, e isso provavelmente continuaria assim, mesmo após a colisão com Andrômeda", aponta Thiago Signorini.

Mapa detalhado da Via Láctea - ESA - ESA
Mapa detalhado da Via Láctea
Imagem: ESA

Ameaça do buraco negro

Depois das galáxias se encontrarem, um outro possível fenômeno pode surgir pela aproximação entre o núcleo de Andrômeda e da Via Láctea, apresentando três possíveis futuros para o Sistema Solar, segundo Thaisa Storchi Bergmann, professora da pós-graduação do Instituto de Física da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e membro da Academia Mundial de Ciências.

O ponto central é que Andrômeda e a Via Láctea têm um buraco negro supermassivo no centro, que irão colidir, e o gás dentro das galáxias pode ser capturado pelos buracos negros através de um disco de acreção, em que o gás fica girando muito rápido, se aquece a centenas de milhares de graus, ocasionando um intenso brilho e liberação de energia.

Isso formaria um ou até dois quasares no centro da fusão 'Andrômeda-Via Láctea'.

A órbita do Sol então seria alterada e, posteriormente, todo o Sistema Solar (incluindo a Terra) poderia acabar indo parar perto de um dos buracos negros supermassivos, o que traria consequências trágicas ao nosso planeta azul, segundo astrofísica, que em 2018 recebeu a Medalha Nacional do Mérito Científico pelo seu trabalho no estudo dos Buracos Negros Supermassivos e sua interação com as galáxias.

  • A Terra e o Sol podem ficar perto de um quasar e receberem intensa radiação de raios-X e ultravioleta;
  • Ambos podem ser ejetados da galáxia por transferência de energia orbital;
  • Capturados e destruídos pelos buracos negros.

Mas a Terra vai existir até lá?

O professor Thiago lembra que o futuro da nossa espécie em termos astronômicos é interessante, mas há questões mais urgentes na atualidade que o homem precisa resolver se quiser estar presente nas próximas fases da galáxia.

É preciso pensar em como os humanos vão tratar a Terra nos próximos bilhões de anos. Sabe-se lá se, com o aquecimento global e todos os problemas de poluição, nós vamos conseguir conservar a Terra. Thiago Signorini (UFRJ)