'Maternidade é solitária': elas usam TikTok como rede de apoio para mães
Existe um ditado que diz que é preciso uma aldeia/vila para se criar uma criança (ou variações da mesma frase). A prática da maternidade, no entanto, é solitária para muitas mães — especialmente para quem vive longe da família e acaba se dividindo entre cuidados com os filhos, com a casa e as horas gastas no trabalho formal/informal.
As dificuldades viraram uma tendência de desabafos, alento e troca de afeto nas redes sociais. No TikTok, por exemplo, é fácil encontrar vídeos virais de mulheres com diferentes idades relatando a rotina com seus filhos e destacando desafios reais.
"Existe um senso de comunidade e sororidade feminina nas redes sociais. Quando a gente é mãe, está disposta a falar sobre a verdade de nossos sentimentos: isso alivia e faz com que a gente se sinta menos sozinha", afirma a escritora Thais Vilarinho, autora dos livros "Mãe Fora da Caixa" e "Imagina na adolescência". Ela tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram.
"Há a certeza de poder comentar um texto e não ser julgada, a sensação de pertencimento", acrescenta.
Onde está essa tal vila?
A reportagem encontrou várias postagens envolvendo mães questionando "Onde está a vila?" ("Where's the village?", em inglês), em referência ao ditado popular que abre esse texto. Uma única hashtag — #wheresthevillage — soma 1,9 milhão de publicações. Mesmo na #mumsoftiktok (algo como "maternidade leve"), que tem mais de 13 bilhões de visualizações, há reclamações desse tipo.
Nos Estados Unidos, por exemplo, 51% das pessoas vivem no que eles chamam de "deserto na criação das crianças", segundo uma análise do Center for American Progress, de 2018. E isso se agravou na pandemia, um período em que menos pessoas estiveram empregadas na área do cuidado com crianças e adolescentes — o que encareceu e muito a contratação desses profissionais.
No Brasil, a história já é um pouco diferente: o cuidado com crianças é mais diversificado, pois o trabalho informal cresce nessa área e temos creches públicas, que se tornam alternativa para quem trabalha fora de casa em horário comercial. Nos Estados Unidos, esse contexto é outro.
Contudo, de fato, nada se compara à tal vila citada no ditado. "Parem de dizer que tem uma vila para cuidar de uma criança. Ninguém vai vir ajudar", disse essa usuária em uma das postagens no TikTok.
O privado vira fórum público e consola
22% das mulheres reconhecem as redes sociais como um local de debate, segundo o estudo "Refletindo maternidades e redes sociais digitais a partir do feminismo matricêntrico", de Milena Freire de Oliveira e Kalliandra Quevedo Conrad, da Universidade Federal de Santa Maria (RS) e da Universidade de São Paulo (SP).
"É interessante perceber que a vivência da maternidade, cuja experiência em boa parte de sua complexidade, se dá em âmbito privado, passa a ser compartilhada e problematizada no espaço coletivo de forma ainda mais intensa a partir das redes sociais digitais, tornando os limites desse debate embaraçados", afirma o estudo.
O levantamento mostra ainda que:
- 45% das entrevistadas usam as plataformas apenas para se informar com pessoas próximas;
- 36% procuram ver o que influencers e pessoas famosas dizem sobre o assunto;
- 33% participam de grupos sobre o assunto nas redes.
Para ajudar ela e outras mães, Thais Vilarinho idealizou um app para a troca de experiências online. Há mais de 10 mil mães ativas por lá todos os dias, conta.
Um dos conselhos da influencer para quem não tem ajuda é organizar os cuidados com as crianças com outras famílias, num tipo de cooperativa infantil.
"É realmente muito complicado. A solução para algumas amigas que moram fora é criar rede de apoio de amigos. Outro ponto importante para diminuir a solidão da maternidade é entender que o pai não tem que ajudar a mãe, tem que dividir. Se ele faz a sua parte, a mãe fica menos sobrecarregada", ressalta.
Nos Estados Unidos, há até um aplicativo para organizar melhor essa rede de apoio, o Carefully: "Para promover ajuda mútua de uma maneira segura, gratuita e divertida para cuidar de crianças", afirma a descrição do app.
"Sozinha no fim do dia"
"Mulheres não foram criadas para criar as crianças completamente isoladas", diz Lisa Pontius, 35 anos, num vídeo que viralizou no TikTok. Hoje, ela, que vive na Carolina do Sul, nos EUA, tem meio milhão de seguidores na rede e posta conteúdos diariamente.
"Por isso, nos sentimos muito sozinhas e depressivas. Mulheres ficam mais fortes quando estão em comunidade com outras mulheres. Isoladas, sozinhas, se sentem falhando no cuidado com crianças ou casa quando não se tem ajuda. Parece muito, porque é muito", completa ela no vídeo, repleto de comentários.
Lisa conta a Tilt que criou seu perfil no TikTok durane a pandemia, quando suas duas filhas mais velhas tinham 5 e 3 anos. Hoje, tem um filho mais novo, de um ano.
"Como fico em casa cuidando deles, queria dividir essa rotina. No fim do dia, a gente se sente sozinha. Nos comentários, eu vejo mulheres dando suporte umas para as outras e fico feliz, pois demorei para encontrar mães amigas. Achar essa comunidade me fez perceber experiências em comum - tanto boas quanto ruins", diz.
Durante a ligação, seu filho mais novo tomou um tombo e chorou. Ela comentou, enquanto o consolava, que as experiências da maternidade são universais e independem da cultura em que a pessoa está inserida. Toda mãe terá o filho chorando no colo em algum momento enquanto fala ao telefone.
"Já criei os meus"
E mesmo quem tem a família próxima sente a ausência da vila. "Minha mãe disse que não pode me ajudar, pois já criou os filhos dela. Não vai criar os filhos de outra família", disse um usuário no vídeo de Lisa no TikTok.
Outra comentou o post: "Também recebi esse julgamento. Mas tenho certeza de que minha mãe teve muito mais ajuda do que eu tive. Inclusive me lembro de ficar várias vezes na casa de minha avó", escreveu. "Eu vivo ao redor da família inteirinha do meu marido, e ninguém me oferece ajuda", disse outra mulher.
Entre as reclamações está como os amigos também somem quando uma pessoa tem um filho. "Eu era a única do grupo e todo mundo desapareceu muito rápido".
Os comentários nos vídeos recebem replies e não raro viram diálogos - um bom jeito de se sentir um pouco melhor na solidão da maternidade.
"A maternidade é muito solitária. Há 15 anos atrás, não tinha rede social, era muito complicado e solitário. Percebo isso hoje nas minhas redes: recebo mensagens de mulheres que leem os textos e agradecem falando que achavam que aquilo acontecia só com elas. Tenho certeza de que compartilhar os textos ajuda que elas se se sintam menos sozinhas", conclui Thais Vilarinho.
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