Vacinas contra câncer e novos remédios: como a IA pode ajudar na sua saúde
Gabriel Dias
Colaboração para Tilt, em Macapá
14/02/2023 04h01
Quando falamos de inteligência artificial, alguns ainda pensam em robôs, cheio de fios e distantes do nosso dia a dia. Mas os avanços nessa área vão além, e o uso da IA na medicina já nos dá um vislumbre de como o futuro pode ser.
Segundo especialistas ouvidos por Tilt, as principais tendências nesse campo são:
- Possibilidade de novos tratamentos moleculares para doenças autoimunes, incluindo esclerose múltipla;
- Criação de vacinas, incluindo para tratar alguns cânceres;
- Conseguir gerar mais dados sobre o uso de alucinógenos para tratamentos psiquiátricos e autoconhecimento, como a criação de novas moléculas a partir da substância dimetiltriptamina (DMT) e outras;
- Entender melhor o funcionamento do cérebro e do adoecimento. Esta última não é exatamente tecnológica, mas vem sendo facilitada pelo uso da capacidade dos algoritmos aprenderem para juntar dados de estudos econômicos, médicos, antropológicos e assim por diante.
"A IA está avançando em todos os campos. Na medicina, duas tendências particulares devem se destacar neste ano: a pesquisa de novos fármacos usando a tecnologia e a condução de ensaios clínicos desta mesma forma", afirma o neurocientista e futurista Álvaro Machado Dias, professor livre-docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O especialista cita dados de 2022 da consultoria McKinsey para lembrar que o custo médio de desenvolvimento de um novo tratamento para uma doença é de cerca de US$ 6 bilhões (mais de R$ 30 bilhões). O valor é alto porque a tarefa é complexa e pressupõe uma fase exploratória de duração indeterminada, a qual, muitas vezes, chega a dez anos.
"Algoritmos baseados em metodologias inteligentes podem automatizar a maior parte deste trabalho. Por exemplo, ao invés de demandar centenas de horas de trabalhos de bancada, com microscópios e reagentes, a IA pode estimar, de uma só vez, se as moléculas-chave de milhares de candidatos a fármacos [medicamentos] tendem a se encaixar eficientemente às células alvo no corpo humano", diz Machado.
O mesmo raciocínio se aplica aos ensaios clínicos, que demandam recrutamento de profissionais, uma série de controles e avaliações. "O aprendizado de máquina automatiza todas estas etapas", acrescenta o professor.
Para ele, uma outra possibilidade já inicial feita com a IA é a criação de "gêmeos digitais" de pacientes. Ou seja, uma versão online de um indivíduo que carrega detalhes de suas informações de saúde - como carga genética, dados de células, entre outros.
O médico Paulo Schor, professor associado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), reforça que o uso da inteligência artificial na medicina já é uma realidade, não é algo do futuro. A tecnologia já vem sendo aplicada em estudos e tarefas que podem ajudar no tratamento e prevenção de doenças.
"A inteligência artificial, redes neurais e estatística avançada e preditiva já estão há bastante tempo expostas como ferramenta. Só que agora a gente está conseguindo ter base de dados, cultura e locais de teste mais preparados para que isso seja efetivamente incorporado", diz.
IA na prática: o que já existe
Clones digitais
A empresa francesa Abys apresentou na feira de tecnologia CES 2023, um sistema que permite a cirurgiões criar "clones digitais" dos pacientes, usando dados de radiografias e outros exames padrão. Dessa forma, os médicos poderão planejar com precisão uma operação, reduzindo o tempo e os riscos.
Além disso, os profissionais poderão usar os óculos de realidade mista feitos pela Microsoft, HoloLens, para acessar o holograma "gêmeo" do paciente e outros dados enquanto trabalham.
Diagnóstico de doenças oculares
Schor menciona como exemplo o uso de um aparelho desenvolvido pela startup Phelcom com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da Fapesp.
Por meio de um retinógrafo portátil acoplado a um smartphone é possível detectar doenças do fundo do olho, como a retinopatia diabética - uma das principais causas de cegueira evitável na população adulta.
As imagens são avaliadas automaticamente por um sistema de inteligência artificial embarcado na câmera do retinógrafo portátil que roda dentro do aparelho, sem a necessidade de estar conectado à internet.
Tratamento contra câncer
Uma das apostas da IA em 2023 é a criação de vacinas e tratamentos de doenças.
Recentemente, a biofarmacêutica BioNTech adquiriu a startup de inteligência artificial InstaDeep com a intenção de acelerar o processo de descoberta de novos medicamentos por meio da aprendizagem de máquina.
"Imaginamos a construção de um líder mundial que combine pesquisa biofarmacêutica e IA com o objetivo de projetar imunoterapias de próxima geração que melhorem os cuidados médicos, ajudando, assim, a combater o câncer e outras doenças", afirmou Ugur Sahin, CEO e cofundador da BioNTech, em comunicado.
A BioNTech firmou ainda parceria com o governo do Reino Unido para investir em terapias de RNA mensageiro. Esse tipo de tecnologia usa parte do código genético de um vírus para induzir as células do corpo a produzirem proteínas específicas para lidar com ele.
Tratamento para doenças neurológicas
Na demência, por exemplo, os algoritmos de IA já permitem quantificar os volumes de partes específicas do cérebro, como os hipocampos e os lobos temporais, comparando valores individuais com os de uma população saudável com a mesma idade.
Na esclerose múltipla, a tecnologia tem potencial para quantificar as áreas do cérebro afetadas pela doença e, sobretudo, na monitorização da sua evolução.
Estima-se que a sua utilização para avaliar pacientes com esclerose múltipla possa antecipar a detecção da progressão da doença em vários meses, permitindo uma intervenção terapêutica mais precoce de forma a melhorar o prognóstico e a qualidade de vida dos doentes.
Luva e análise de caminhada para pacientes com Parkinson
Outra novidade que já está em andamento é a criação de uma luva para ajudar pessoas diagnosticadas com Parkinson a combaterem tremores de mão, segundo os entrevistados.
A expectativa é que os pacientes poderão desenvolver diferentes atividades, como escrever, cozinhar, usar talheres, ler livros, usar o telefone ou abrir embalagens.
Outro estudo nessa linha usa a IA para analisar a caminhada da pessoa e ajudar no diagnóstico.