Lei europeia irrita big techs e passa a inspirar PL das Fake News no Brasil
Em debate há quase três anos na Câmara, o PL (Projeto de Lei) das Fake News — que busca combater a desinformação — ainda está longe de ser consenso entre os parlamentares, mas tem sido encarada pelo Legislativo e o governo Lula como uma ferramenta potencial para regular redes sociais e punir big techs.
Essa nova abordagem é inspirada na Lei dos Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês), um pacote de regras sem precedentes no mundo, que incomoda as big tech e entrou em vigor recentemente na União Europeia.
"[A DSA] se converteu numa referência para o debate no mundo, não só no Brasil", afirmou Orlando Silva, deputado federal (PCdoB-SP) e relator do PL das Fake News.
Ainda não se sabe qual será a formatação final do PL das Fake News, mas não é a primeira vez que o Brasil vai buscar na Europa referência para legislar o ambiente digital. Em vigor por aqui desde 2020, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), por exemplo, é inspirada na GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados, na tradução da sigla), de 2016.
A DSA dá pistas de como o projeto brasileiro será redesenhado, inclusive na atuação do Brasil em relação às grandes plataformas online, como Google, Facebook, Instagram, TikTok e Twitter.
É o início do fim do segredo dos algoritmos? Em vigor desde 16 de novembro de 2022, a DSA já impôs a primeira obrigatoriedade às plataformas: a divulgação inédita dos seus números de usuários na Europa. Elas têm quatro meses para enviar ao Parlamento Europeu, contando desde 17 de fevereiro.
Isso poderá abrir a caixa preta dos algoritmos. Caso uma empresa tenha pelo menos 45 milhões de usuários, o que é 10% da população da Europa, ela será classificada como Plataforma Online ou Motor de Busca Online Muito Grande (respectivamente, VLOP e VLOSE, nas siglas em inglês).
Se assim forem classificadas, as big techs serão obrigadas, sempre que acionadas, a fornecer acesso a seus bancos de dados e a seus algoritmos, além de dar explicações a respeito deles. Essa regra fez o grupo Meta ameaçar "desligar" o Instagram e o Facebook da Europa.
A União Europeia aprovou uma legislação que criou um novo padrão de regulação das plataformas. Se vale na Europa, pode valer no Brasil
Orlando Silva, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo
Os mandamentos da DSA
Considerando a maior transparência em algoritmos, a Lei de Serviços Digitais tem ao todo 12 regras principais, que mudam a maneira como usuário e plataformas digitais se relacionam. São elas:
- Conteúdo ilegal: A DSA obrigará que as big techs adotem novos mecanismos que permitem aos usuários sinalizar conteúdo ilegal online e que as plataformas cooperem com 'sinalizadores confiáveis' para identificar e remover esse tipo de conteúdo;
- Golpes em vendas: A adoção de rastreamento de vendedores em mercados online, para ajudar a criar confiança e perseguir golpistas com mais facilidade;
- 'Tribunal' na própria plataforma: A criação da possibilidade de contestar as decisões de moderação de conteúdo das plataformas com base em uma nova informação obrigatória aos usuários quando o conteúdo for removido ou restrito.
- Transparência em algoritmos: Melhorar a informação sobre termos e condições, bem como transparência às autoridades sobre os algoritmos utilizados para recomendar conteúdos;
- Proteção a crianças e adolescentes: Instituição de obrigações para a proteção de menores em qualquer plataforma;
- Auditorias independentes: Fiscalização em cima das big techs sobre as suas ações para impedir o abuso de seus sistemas, medidas de gerenciamento de riscos e atuação contra desinformação ou manipulação eleitoral, violência cibernética contra mulheres ou menores de idades.
- Padronização nas crises: A criação de um mecanismo único de resposta para ser adotado em todas as plataformas em casos de grave ameaça de saúde pública e crises de segurança;
- Fim do conteúdo patrocinado a público específico: Proibição de publicidade direcionada em plataformas on-line, criando perfis de crianças ou com base em categorias especiais de dados pessoais, como etnia, opiniões políticas ou orientação sexual;
- Fim da manipulação do clique: A proibição da manipulação dos usuários para escolhas que não pretendem fazer, como é o caso de adesão a "termos e regras ocultas";
- Dados abertos: Permissão do acesso aos dados das big techs a fim de escrutinar o funcionamento das plataformas e a evolução dos riscos online;
- Usuários com novos benefícios: Em toda a Europa, os internautas terão o direito de reclamar na plataforma, buscar acordos extrajudiciais, reclamar à autoridade em seu próprio país. Isso não acontece em todos os países devido as suas leis locais.
- Supervisão única: O Parlamento Europeu será o principal regulador das que se enquadram como big techs, enquanto outras plataformas estarão sob a supervisão dos países.
Qual a intenção da DSA?
Conjunto de regras que abrange empresas que intermedeiam a relação do cidadão com bens, serviços ou conteúdos online, a Lei de Serviços Digitais vale para redes sociais, aplicativos, sites de buscas e ecommerce.
A exceção vale para as plataformas tocadas por micro e pequenas empresas, pois um dos objetivos da lei é elevar a competitividade entre as big techs e as "nanicas" online, sobretudo, as europeias.
Os três pontos gerais da lei são:
- Resguardar os direitos fundamentais dos consumidores online;
- Instituir a transparência e deixar clara a responsabilidade das plataformas online;
- Fomentar a inovação, o crescimento e a competitividade no mercado online.
Esses pontos se subdividem em quatro grupos.
Para cidadãos, que dizer:
- Mais proteção dos direitos fundamentais;
- Mais opções de serviços e preços mais baixos devido à competitividade;
- Menos exposição a conteúdos ilegais, com discursos de ódio.
Para provedores de serviços digitais, significa:
- Mais segurança jurídica e maior harmonização de regras entre os países da UE;
- Facilidade de iniciar ou operação na Europa ou expandir para outros países europeus.
Para usuários corporativos de serviços digitais, trará:
- Mais opções de serviços e preços mais baixos;
- Acesso a mercados de maneira igualitária em toda a UE;
- Campo de jogo nivelado contra provedores de conteúdo ilegal.
Para a sociedade em geral, resultará em:
- Maior controle democrático e supervisão sobre plataformas sistêmicas;
- Mitigação de riscos sistêmicos, como manipulação ou desinformação.
Já em vigor, a DAS só começará a ter suas obrigações aplicadas a partir de março de 2024 na União Europeia. Até lá, as regras poderão ser alteradas. A população dos países membro, aliás, participa da definição da legislação em uma consulta pública aberta até 17 de março.
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