Fim do gatonet? Venda não para em SP e tem até modelo fake de TV Box ilegal
"Procurando TV Box?", pergunta um vendedor com caixas de aparelhos nas mãos assim que a reportagem de Tilt coloca os pés na Santa Ifigênia, a mais popular rua de comércio de eletrônicos da cidade de São Paulo (SP). Essa foi a pergunta mais ouvida por lá durante a manhã da última sexta-feira (12).
Atuando como "puxador", ele disputa com dezenas de colegas a possibilidade de guiar clientes para as pequenas lojas nas galerias. Tilt encontrou ali um mundo que não foi afetado pelo início dos bloqueios da Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) aos aparelhos não homologados usados para piratear sinal de TV paga e de streaming, o chamado "gatonet". As mais diversas "caixinhas" eram vendidas por valores de R$ 180 a R$ 1,3 mil, em meio a explicações erradas sobre a legalidade da tecnologia e desdém a respeito da iniciativa da agência.
Os mais baratos são transmissores de canais ao vivo, como os da TV a cabo, e têm prazo de "validade". Dependendo do modelo, duram de um a cinco anos. "Depois disso, vai pedir uma senha", explicou um vendedor que se identificou como Felipe. Para alguns deles, é preciso pagar taxa anual para usar o aplicativo de IPTV (transmissão pela internet).
Já os mais caros têm processadores mais potentes, apps de filmes e séries —com o conteúdo de serviços de streaming liberado— e capacidade de exibir vídeos em resolução 4K, além de vir com a possibilidade de assistir também no celular. Destes, o mais famoso é o BTV. "É o iPhone dos desbloqueadores de canal, o número 1", disse o vendedor.
As principais marcas encontradas foram:
- BTV (modelos B11, B13 e E13)
- HTV (modelos H7 e H8)
- RPC
- RED
- Ximibox (que, para fingir ser da chinesa Xiaomi, até usa o logo da empresa no sistem)
Sobre este último, os lojistas contaram vantagens. Alguns deles oferecem até cinco anos de garantia. Outro chegou a dizer que o aparelho "é muito confiável, de uma grande marca e, qualquer coisa, é só ir na loja da Xiaomi no shopping que eles resolvem".
Procurada pela reportagem, a Xiaomi "não reconhece este produto como sendo da marca e reforça que o pós-venda é válido para produtos originais comprados exclusivamente nos canais oficiais Xiaomi e representantes autorizados no País".
A empresa chinesa acrescenta que o único produto deste tipo vendido por ela no país é o Mi TV Box.
Blindado contra bloqueio
Quando indagados sobre os bloqueios que já estão acontecendo, os vendedores deram as mais diversas respostas, misturando meias verdades e completas mentiras.
Os argumentos mais plausíveis apelam para a "blindagem" do servidor dos aparelhos, que provavelmente ficam fora do Brasil. "É tudo servidor particular. Como que 'os cara' vai derrubar?", perguntou outro vendedor identificado como Anderson.
Aparelhos deste tipo só podem ser vendidos no Brasil após serem homologados pela Anatel, que exige testes de conformidade, ou se forem importados legalmente, mediante pagamento dos devidos impostos. A agência estima que cerca de 7 milhões de TV Box ilegais estejam em uso no país, podendo chegar a 20 milhões de usuários.
Na Santa Ifigênia, alguns vendedores chegam a apelar a uma suposta legalidade: "Estes aqui, BTV e HTV, são de empresa mesmo, são homologados pela Anatel. Impossível bloquear". Não é verdade. Os aparelhos citados nesta reportagem não constam no sistema de agência que reúne aqueles liberados para venda. Fica a dica para o consumidor: todo produto de telecomunicação regulamentado possui um selo da Anatel na caixa e inscrição no corpo do dispositivo.
Há até os que tentam argumentar que os mais caros não se enquadram como "TV Box". "Eles estão bloqueando só os TV Box [os mais baratos]. Estes [os mais caros] não são. O BTV não bloqueia, não tem como bloquear porque é uma empresa muito grande, ele já é próprio de fábrica, não tem como bloquear na fábrica", disse o "puxador" Leandro para me convencer a comprar.
E chegou a menosprezar o trabalho da Anatel: "Até mesmo os TV Box também já tem uns seis anos que eles [Anatel] falam que vão bloquear, mas, para bloquear, eles teriam de bloquear a internet da pessoa. Enquanto tiver internet ele funciona."
A Anatel explica que iniciou os bloqueios no começo de março, usando "múltiplas técnicas". O objetivo não é punir usuários individuais, mas, sim, tirar do ar as redes que mantém aparelhos não homologados atraentes. O corte de sinal é feito diretamente junto às operadoras de backbone do Brasil, que conectam nossa internet com o mundo.
O 'gato' do gatonet
A reportagem se deparou com uma nova camada deste submundo: as falsificações de produtos que já são vendidos ilegalmente. Por ser o mais popular, o BTV é o grande alvo.
Tilt encontrou pelo menos quatro versões falsificadas diferentes, desde as mais descaradas (por exemplo, com um adesivo com o logo da marca cobrindo toda a parte de cima do aparelho, em vez de uma inscrição direto no plástico) até algumas parecidas (ainda que com acabamento grosseiro, ou controle remoto e fonte de energia genéricos), que podem enganar quem não conhece o "original".
E o preço não é tão mais baixo. Cópias do modelo top de linha, o B13 (vendido por cerca de R$ 1,2 mil), saem por uns R$ 1 mil.
Orgulhoso de incluir em seu estoque aparelhos originais, inclusive Fire Stick (da Amazon) e Roku, que de fato são homologados, um lojista revelou um esquema envolvendo as falsificações: "Nesta BTV [e aponta o dispositivo B13], eu tenho uma margem de lucro de menos de R$ 100, e ainda tenho de dar R$ 30 pro cara que te trouxe aqui. Mas os que oferecem a versão pirata ganham mais de R$ 500 em uma venda, pois são aparelhos que saem para eles por metade do valor. E o puxador também ganha mais".
No primeiro momento, os "puxadores" tentam direcionar os clientes para produtos mais obscuros, como a suposta TV Box Xiaomi, e depois para BTVs falsificadas. "Se o interessado continua em dúvida ou demonstra ter algum conhecimento, acabam levando para as lojas sérias. Só por isso te trouxe aqui", disse o rapaz, que preferiu não se identificar.
A reportagem visitou 13 lojas e só encontrou o BTV original nas três últimas. "Tem muita gente que trabalha com aparelho de golpe. Mas não adianta eu vender um negócio pra você que amanhã vai vir reclamar", concluiu.
No passeio de cerca de três horas, a reportagem presenciou pelo menos cinco transações: quatro compras e uma troca. Esta última feita por cliente que comprou um BTV falso, não gostou e foi devolver. O vendedor o convenceu a levar o aparelho falso da Xiaomi.
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