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Robôs para cuidar de idosos mais atrapalham do que ajudam, diz pesquisador

Robô Pepper entretendo idosos durante trabalho de campo realizado pelo antropólogo James Wright - Arquivo Pessoal/James Wright
Robô Pepper entretendo idosos durante trabalho de campo realizado pelo antropólogo James Wright Imagem: Arquivo Pessoal/James Wright

De Tilt, em São Paulo

17/03/2023 04h01

Robôs cuidadores de humanos não salvarão o Japão e nem os seus idosos. A crítica é de James Wright, antropólogo e pesquisador do Alan Turing Institute, uma das principais instituições de estudo dos impactos da tecnologia do mundo, com sede no Reino Unido. Para ele, o uso tem sido desastroso.

Wright passou quase um ano no Japão estudando o funcionamento de casas de repouso que usavam tecnologias do tipo. E observou que: robôs criavam várias "tarefas ocultas" para os cuidadores, como obrigá-los a carregar o dispositivo, movê-los e explicar aos idosos como deviam ser usados. Ou seja, mais atrapalhavam do que ajudavam.

Sua experiência rendeu o livro "Robots won't save Japan" ("Os Robôs não salvarão o Japão", em tradução livre. Não há previsão para lançamento no Brasil).

A discussão é importante, pois as pessoas estão vivendo mais. O Japão tem uma das maiores populações de idosos do mundo, com quase 30% acima de 65 anos — no Brasil, cerca de 15% da população tem mais de 60 anos. Além disso, joga luz para uma precarização maior da atividade dos profissionais de cuidados — no Japão e fora dele.

Antropólogo britânico James Wright é autor do livro "Robots won't save Japan" (Robôs não salvarão o Japão, em tradução livre) - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Antropólogo britânico James Wright é autor do livro "Robots won't save Japan" (Robôs não salvarão o Japão, em tradução livre)
Imagem: Arquivo Pessoal

A Acirmesp (Associação dos Cuidadores de Idosos da Região Metropolitana de São Paulo) calcula a atuação de pouco mais de 1 milhão de cuidadores na região; no Estado de São Paulo são cerca de 206 mil — em geral, são mulheres negras com estudo até o ensino médio, que moram em periferias e têm baixos salários.

Em entrevista a Tilt, Wright destaca a importância de se criar soluções pensadas pelas partes envolvidas no cuidado, e não impostas por uma indústria. A título de clareza, a conversa com o antropólogo foi editada.

Tilt: Por que estudar robôs para cuidado de idosos, dado que você é antropólogo?

James Wright: Não deveria haver uma barreira entre tecnologia, antropologia e ciência sociais. É um problema não juntar todas as áreas.

O interesse surgiu em 2007 durante o mestrado em estudos japoneses. Em 2014, quando comecei meu doutorado, começou a ter um grande hype em cima de robôs cuidadores no país. Aí, passei a acompanhar de perto.

A razão do uso de robôs cuidadores tem relação com uma crise no cuidado de idosos em vários países, o que inclui o Japão, o Reino Unido, a União Europeia, entre outros.

Tilt: Por que o Japão quis adotar robôs para ajudar no cuidado de idosos?

JW: O Japão é um exemplo fascinante, porque tem características únicas:

  • uma das populações mais idosas do mundo juntamente com uma população de migrantes muito pequena;
  • longo histórico e expertise na fabricação de robôs - algo que vem pelo menos desde a década de 1970;
  • imagem muito positiva de robôs e inovação na mídia, onde os robôs são mais apresentados como companhia ou amigos.

Então, se pensássemos em uma sociedade para adotar tais tecnologias no dia a dia das pessoas, seria a japonesa.

Tilt: O que você pode dizer sobre a experiência no Japão?

JW: Não começo minha análise com a presunção de que robôs são ruins ou que nunca deveriam ser usados no cuidado de idosos.

Viajei ao Japão e passei vários meses com uma equipe de engenheiros que estavam envolvidos nos maiores projetos de criação de robôs para cuidar de idosos, além de sete meses em uma casa de repouso que usava diferentes robôs.

Eram três: o Hug (que ajuda a levantar pessoas), o Paro (forma de foca) e o Pepper (humanoide para auxiliar em tarefas de recreação).

Importante ressaltar que eles não estavam tentando substituir os profissionais. Estavam apenas fornecendo ferramentas parar tornar o trabalho mais eficiente.

Tilt: O que você concluiu sobre o uso de robôs?

JW: Com os robôs, os trabalhadores tinham várias tarefas ocultas, como ligá-los e desligá-los, colocá-los para carregar, guardá-los, movê-los para frente ou para trás e explicar o funcionamento para os idosos - muitos deles com demência grave.

  • Hug: é muito pesado, e os cuidadores tinham que movimentá-lo. Ao usar o robô para carregar as pessoas, eles tinham menos tempo para interagir com os idosos.
  • Pepper: fazia alguns exercícios que os idosos tinham que repetir. Às vezes, o robô parava de funcionar e os cuidadores tinham que se virar para "consertá-lo". Sem contar que o som emitido por ele era baixo, então o cuidador tinha que ficar ao lado imitando-o e repetindo comandos.
  • Paro: é um robô-foca que recebe carinho e reage aos estímulos, porém até ele passou a dar trabalho. Um idoso descobriu um zíper que o abria e começou a remover sua pele. Uma mulher com demência grave se afeiçoou tanto a ele que se recusava a comer refeições ou ir para a cama se o bichinho não tivesse por perto.

São situações diferentes das promessas feitas pelas fabricantes. Eles estavam atrapalhando o cuidado de idosos, exigindo mais tempo e atenção dos trabalhadores. Eles não são máquinas para ajudar a economizar tempo.

Na verdade criam mais tarefas para os cuidadores. E essas tarefas são, digamos, menos qualificadas.

Paro é um robô de pelúcia que foi projetado para ser usado em hospitais - Divulgação - Divulgação
Paro é um robô de pelúcia que foi projetado para ser usado em hospitais
Imagem: Divulgação

Tilt: Como assim?

JW: Parece que há um movimento na direção de fazer com que o cuidador tenha menos habilidades.

Algumas pessoas poderiam imaginar que com os robôs, que são caríssimos para uso e implementação, este trabalho poderia ser feito por um trabalhador imigrante ou por alguém que não fala muito japonês, pois o profissional poderia ficar ao lado do robô e repetir os movimentos dele, por exemplo.

A única forma que eu vejo para isso funcionar em escala é, talvez, contratar trabalhadores menos qualificados e pagar menos a eles, além de ter casas de repouso maiores e mais padronizadas.

Minha conclusão é que a resposta é muito mais complexa de que "os robôs vão salvar a atividade do cuidados aos idosos".

Robô Pepper recém-tirado da caixa - Arquivo Pessoal/James Wright - Arquivo Pessoal/James Wright
Robô Pepper recém-tirado da caixa
Imagem: Arquivo Pessoal/James Wright

Tilt: Qual é o principal problema do uso de robôs no cuidado de idosos?

JW: Os robôs foram criados sem a ajuda de quem trabalha no cuidado com idosos e dos próprios idosos.

O ex-primeiro-ministro Shinzo Abe tinha uma visão ambiciosa do futuro, de que em 2025 o país teria vários itens conectados, drones, robôs. Durante o segundo mandato, houve grande investimento em robôs cuidadores. A ideia por trás é que o mundo está ficando mais velho e são necessárias soluções tecnológicas para atender a essa demanda.

Além disso, seria uma indústria gigante no futuro e um novo ramo de exportação para o país, da mesma forma que ocorreu com os carros.

Tilt: Como era a recepção dos cuidadores aos robôs? Eles achavam legal?

JW: Eles não eram contra a tecnologia. Eram bastante interessados e engajados. No entanto, a realidade é que não tinham tempo para usar os robôs. Não trazia uma economia no tempo de trabalho, e paravam de utilizá-los.

No período noturno, por exemplo, os cuidadores tinham que literalmente correr de quarto em quarto para responder aos chamados das pessoas. Não havia nenhum tipo de ganho real.

Robô Hug ajuda a levantar ou recolocar pessoas na cama - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
Robô Hug ajuda a levantar ou recolocar pessoas na cama
Imagem: Reprodução/YouTube

Um exemplo positivo de uso de tecnologia são os dispositivos de monitoramento, que podem disparar alertas, caso alguém saia da cama. Isso sim é útil para os cuidadores.

O mais importante disso tudo é que são necessários mais cuidadores, para que possam dar conta do trabalho. Eles são ocupados com várias tarefas, e inserir novos elementos requer tempo e maiores estudos.

Tilt: Então, uma possível solução seria ter menos tecnologia e mais pessoas?

JW: Não existe uma solução para resolver tudo. O perigo é pensar que a tecnologia vai resolver tudo.

A profissão de cuidador não paga bem. Deveria haver uma valorização do trabalho, com melhores condições, para atrair mais gente para o ramo.

É importante também haver suporte para cuidadores informais [que tomam conta de membros da família, por exemplo], melhorando licenças para cuidar dessas pessoas ou medidas, como deixar de trabalhar por um tempo para ficar com um parente que está saindo do hospital.

São necessárias muitas melhorias nessa área. Como você pode ver, isso tudo vai além do que mencionar uma série de tecnologias.

Tilt: Antes de adotar robôs, como as sociedades devem lidar com o cuidado de idosos?

JW: Em termos do que o governo deve fazer, acho que a primeira coisa é entender qual o problema a ser resolvido e a melhor forma de fazê-lo. Tem um número crescente de pessoas ficando mais velhas e vivendo sozinhas - e isso não é necessariamente um problema em si. Acho que é necessário pensar em soluções que passam a ver o cuidado como algo central.

Como antropólogo, acho importante começar com o contexto cultural do Brasil e como as pessoas querem que seja este cuidado em idade avançada.

É importante que sejam criadas abordagens com as múltiplas partes interessadas, que envolvem gente que trabalha com cuidado e de pessoas que no futuro serão alvo de cuidado. No fim das contas, todo mundo precisará disso em algum momento da vida.