Topo

'Que horas são na Lua?': Por que cientistas querem criar um horário lunar?

O astronauta da Apollo 17, Harrison Schmitt, na Lua - Divulgação/Nasa
O astronauta da Apollo 17, Harrison Schmitt, na Lua Imagem: Divulgação/Nasa

Simone Machado

Colaboração para Tilt*, em São José do Rio Preto (SP)

11/04/2023 04h00Atualizada em 11/04/2023 08h29

Até 2025, novos astronautas devem ser enviados à Lua pela Nasa. Diferentemente das missões anteriores, os Estados Unidos não estarão sozinhos, mas conviverão, sim, com experimentos já em curso ou para acontecer feitos por China, Japão, Coreia do Sul, Rússia, Índia e Emirados Árabes.

A internacionalização das missões lunares, tripuladas ou executadas por robôs, criou um problemão: como sincronizar as atividades por lá com as executadas por aqui, se cada país adota o próprio fuso horário e a Lua não possui um para chamar de seu? É justamente para resolver esse problema que cientistas vêm trabalhando e planejam criar um horário lunar padrão, aceito e seguido por todos os países com missão na Lua.

O engenheiro Javier Ventura-Traveset, da ESA (Agência Espacial Europeia, na sigla em inglês), é quem lidera esse trabalho. Ele está à frente do projeto Moonlight, que visa projetar satélites para "ajustar" as horas na Lua.

Até agora, quando você tem uma missão na lua, você sempre sincroniza com um fuso horário na Terra. Mas teremos muitas missões no futuro e é realmente necessário ter um tempo de referência comum
Javier Ventura-Traveset

Veja cinco pontos importantes sobre o tema:

1 - Qual será o tempo na Lua?

Os dias na Terra possuem 24 horas, medição que se baseia na rotação do planeta e nos ciclos de luz e escuridão. Mas na Lua não é assim, já que ela gira muito mais devagar — uma volta completa em seu eixo demora 29,5 dias terrestres. Isso significa que um lado da lua permanece iluminado ou escuro por longos períodos.

Uma das discussões, explica Ventura-Traveset, é se as agências espaciais adotarão um único fuso horário ou vários para o satélite. Dada a rotação lenta da Lua, ele acha que faz sentido ter algo como o Tempo Universal Coordenado para que os astronautas pudessem seguir um ciclo de 24 horas como fazem na Estação Espacial Internacional.

Como o tempo de volta na Lua é totalmente diferente do que temos, essa noção de dia e noite é totalmente diferente. Não podemos pensar em algo como, 'que horas é o almoço na Lua?' ou 'a que horas se dorme lá?'. O correto é pensarmos na sincronicidade de relógios
Rodrigo Leonardi, coordenador de Satélites da AEB (Agência Espacial Brasileira)

2 - Como será feito?

O projeto para definir a hora na Lua recorre a sistemas de navegação e comunicação, que dependem de cronometragem precisa. O sistema pode envolver três satélites de navegação em órbita lunar mais um dedicado à comunicação.

A maioria das tecnologias necessárias para o Moonlight já está disponível, uma vez que a ESA e a Nasa já possuem satélites orbitando a Terra. O projeto, porém, possui seus próprios desafios.

Por exemplo: se alguém colocar um relógio atômico na Lua e o comparar a um idêntico na Terra, o dispositivo lunar ganhará 56 microssegundos a cada 24 horas, o que atrapalhará a precisão dos sistemas de navegação. Esse desalinhamento acontece devido à relatividade geral, graças à menor atração gravitacional da Lua.

A ESA planeja lançar um satélite de teste de tecnologia chamado Lunar Pathfinder até o final de 2025. Já o Moonlight terá "capacidade operacional inicial" até o final de 2027, com um satélite dedicado fornecendo serviços de comunicação limitados e um primeiro sinal de alcance de navegação. A constelação completa deve ficar pronta até o final de 2030.

3 - Desafios políticos

Para a especialista em ética espacial Erika Nesvold, os desafios científicos não são os únicos. Há também entraves políticos. Se notarem que as agências espaciais da Europa e dos EUA estão impondo seus fusos horários lunares, as outras nações podem considerar isso um passo rumo ao colonialismo da Lua, diz Nesvold.

Para decisões relacionadas ao tempo, a equipe da ESA trabalha com uma organização interagências que inclui observadores chineses. Também há grupos internos de ESA e Nasa que planejam levar suas recomendações à União Astronômica Internacional, que reúne entre seus membros as nações que exploram o espaço.

4 - Primeiro a Lua; depois Marte

Um dos objetivos da "nova era" é permitir que os astronautas permaneçam na Lua por mais tempo, seja em bases ou em estações de pesquisas. Mas não é só isso. Outra meta é começar a explorar mais detalhadamente Marte e também fazer com que os astronautas possam passar temporadas maiores no planeta vermelho.

Para Leonardi, da AEB, a criação de um horário lunar seria o "pontapé inicial para a criação de um horário para Marte".

5 - O que o Brasil está fazendo?

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), junto com a AEB, assinou, em 2020, um acordo de cooperação com a Nasa, que oficializa a participação brasileira no programa Artemis. A iniciativa pretende levar em 2025 uma equipe que incluirá a primeira mulher a pisar na Lua. Será a primeira vez que a humanidade voltará ao satélite após mais de 50 anos. Enquanto isso, desenvolve as tecnologias e experiência para organizar uma missão humana a Marte.

Por fazer parte do programa, o país deverá ser incluído nos diálogos sobre a criação do horário lunar.

*Com informações da Wired