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Quem é o 'menino dos raios' que ganhou o mundo com foto de 'união elétrica'

Marcella Duarte

De Tilt, em São Paulo

13/05/2023 04h00Atualizada em 16/05/2023 12h47

O pernambucano Diego Rhamon Reis da Silva, 28, tem dificuldades de interagir com pessoas — descobriu apenas há alguns anos que é autista. Sempre gostou, porém, de observar o céu e foi nas nuvens que encontrou uma paixão que virou trabalho: meteorologista, ele é há mais de uma década um "caçador de raios" profissional.

É dele a foto de uma "união elétrica" que, de tão famosa e importante para a ciência, estampou a capa de uma das principais revistas científicas do mundo e foi parar até no jornal "The New York Times". Essa não é a única façanha de Rhamon, como gosta de ser chamado. Ele também é o primeiro brasileiro a captar outros fenômenos elétricos, como "jatos gigantes" e "brilhos de coroa".

Ele é magnético, um atrator de raios
Luciene Reis, mãe de Rhamon

Morador de São José dos Campos (SP), onde cursa doutorado em geofísica espacial no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ele teve a sorte de estar na hora e lugar certos. E com uma super câmera a postos. Da varanda de seu apartamento, a ideia era registrar tempestades, mas ele também captou com riqueza de detalhes o funcionamento de para-raios.

Pela qualidade da visualização e o ineditismo do nível de detalhes dos canais do raio, a foto foi considerada o melhor registro do mundo pelos especialistas
Diego Rhamon, meteorologista

Para entender a imagem

raios - Diego Rhamon/Inpe - Diego Rhamon/Inpe
A imagem, obtida com câmera ultrarrápida e publicada na capa da Geophysical Research Letters, mostra vários para-raios tentando se conectar à descarga que desce. As duas ramificações descendentes que aparecem na foto fazem parte do mesmo raio, que acabou atingindo o prédio localizado no canto direito
Imagem: Diego Rhamon/Inpe

A cena foi registrada em março de 2021, mas só veio à tona este ano. Raríssima, mostra as várias ramificações de um raio e os para-raios tentando se conectar a elas. Esses equipamentos de proteção tentam criar um caminho mais seguro para nós, explorando a característica de que descargas elétricas buscam sempre o caminho mais fácil, com menos resistência do ar, para atingir solo.

A imagem mostra o seguinte:

Um raio de carga negativa, com muitas ramificações, se aproxima do solo com velocidade de 370 km/s

Para-raios e saliências dos prédios da região lançam 31 descargas ascendentes (para cima), competindo para se conectar com o raio

Pouco antes da "união elétrica", uma delas aumenta de calibre e fica mais brilhante; ela pode ser vista na canto superior direito

É com esta descarga que o raio se conecta

O flagra foi obtido 25 milionésimos de segundo antes do impacto com um dos edifícios

Foi usada uma câmera operando a 40 mil quadros por segundo

Deu pra ver a grande área sob influência do raio que estava descendo. Todos os para-raios responderam. Nunca havia sido registrada essa quantidade de descargas, e nem com este nível de detalhes da física do fenômeno
Diego Rhamon

Devido à importância científica, a foto foi estampada na capa da revista "Geophysical Research Letters", uma das mais importantes da área, que publicou um artigo sobre o registro, que tem Rhamon como coautor.

Curiosamente, apesar de haver mais de 30 para-raios nas redondezas, a descarga elétrica não se conectou a nenhum deles, mas sim a uma chaminé de um forno na cobertura de um dos prédios. Assim como os para-raios, também disparam cargas positivas os objetos, animais e até pessoas, e por isso podem ser atingidos.

O impacto produziu um belo estrago, que poderia ter ferido alguém, inclusive com pedaços de concreto que caíram, do 26º andar, na área da piscina do condomínio. O registro também deixa clara a necessidade de uma rede de proteção eficiente.

A câmera de alta velocidade

rhamon - Arquivo - Arquivo
Diego Rhamon, 28, meteorologista e "caçador de raios" profissional
Imagem: Arquivo

A cena é parte de um vídeo, que só foi captado graças a uma câmera de alta velocidade. A Phantom v2012, usada por Rhamon, registra imagens de forma super lenta, tanto que é usada para filmar vídeos de balões estourando ou balas sendo disparadas.

A câmera pertence ao Inpe e custou cerca de US$ 100 mil (R$ 500 mil). Bastante requisitada, ela só ficou com o meteorologista por sete meses. De lá para cá, foi usada na África do Sul e nos EUA. O reencontro entre os dois deve ocorrer este ano.

Ainda que use equipamentos potentes, Rhamon começou como qualquer jovem: com um celular. Desde então, já perdeu as contas de quantas fotos já fez. Chuta que esteja na casa das 500 mil imagens — todas salvas e catalogadas em seus arquivos; algumas delas publicadas em seu canal do YouTube. As câmeras que comprou nesta trajetória, desde as mais amadoras, também são guardadas como tesouros em um armário no quarto.

'Jatos gigantes', 'brilho de coroa' e raio ascendente

Rhamon atribui uma guinada em sua carreira ao seu orientador, o físico Marcelo Saba, que em 2003 iniciou um grande estudo de raios com câmeras de alta velocidade. Ainda em curso, o trabalho já gerou o maior banco do mundo de vídeos de descargas elétricas. A pesquisa conta com apoio da Fapesp.

Ele também aproveita a estrutura, com câmeras que ficam ligadas 24 horas para registrar o tempo, para fazer monitoramento astronômico. Como diretor regional Sudeste da Bramon (Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros), vira e mexe registra algum meteoro brilhante cruzando o céu.

Mesmo antes de ter acesso à super câmera, ele já havia flagrado fenômenos inéditos e importantes para a ciência:

Primeiro "gigantic jets" ("jatos gigantes", poderosas descargas elétricas acima das nuvens) do Brasil, em Campina Grande, em 2017;

Primeiro "crown flash" ("brilho de coroa", um tipo de aurora na borda das nuvens, devido à dinâmica de cristais de gelo) do Brasil, em Campina Grande, em 2017;

Primeiro e segundo "raio ascendente" (que se forma no solo e vai para cima, em direção às nuvens, e não o contrário, como é o normal) do Vale do Paraíba, em São José dos Campos (SP), em 2022 e 2023.

Queria estudar nuvens e ser astronauta

Ele apareceu tanto na TV na Paraíba que as pessoas já o chamavam de 'menino dos raios'. Desde criança ele dizia que ia estudar nuvens e que ia ser astronauta. Depois, esqueceu esta parte e virou meteorologista
Luciene Reis

O rapaz registra diariamente, em fotos e vídeos, o comportamento de nuvens e fenômenos associados a tempestades, especialmente os raios.

É como se fosse uma obrigação natural pra mim. Tirei minha primeira foto aos 5 anos. Quando surgiu a internet, o que eu mais gostava era procurar imagens deste tipo. Ficava horas baixando vídeos de tornados
Diego Rhamon

A caminhada de Rhamon até a foto destacada pelo New York Times não foi fácil. Ele foi diagnosticado com Asperger, uma forma de transtorno do espectro autista (TEA), apenas aos 19 anos, após lidar durante toda a infância e adolescência com bullying dos colegas que não compreendiam sua condição. "Sempre soube que ele era diferente. Ele aprendeu a ler e escrever sozinho, era muito à frente da idade dele", diz Luciene.

Nesse tempo, teve diagnósticos errados, como de TOC (obsessivo compulsivo) e TDAH (déficit de atenção com hiperatividade). "Ele se reconheceu como autista ao assistir uma reportagem do Dr. Dráuzio Varella na TV", conta Luciene.

Depois disso, relatou por escrito tudo o que sentia ao médico, que aplicou testes neurológicos, inclusive o de QI. Marcou 144 pontos, uma inteligência considerada de um gênio — algo comum para pessoas com autismo do tipo Asperger.

Rhamon ficou muito feliz com o diagnóstico. Escreveu uma carta aos colegas contando sobre sua síndrome e pedindo perdão por ser diferente. Ela foi lida em um auditório no final do ensino médio
Luciene Reis

A mãe sempre lutou para dar as melhores condições ao filho e por seus direitos, como fazer provas em uma sala separada na faculdade para evitar as distrações. Ela também o acompanha para todo canto. Rhamon passou em terceiro lugar no vestibular e eles se mudaram para Campina Grande (PB), onde havia o único curso de meteorologia da região, na UFCG.

Depois, foram para Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, onde ele fez o mestrado no Inpe, e agora vivem em São José dos Campos para o doutorado. A avó, de 87 anos, também veio junto.

"Eu me aposentei, vendi tudo e fomos com ele. Quem sabe a próxima parada seja fora do país. Já tem gente querendo levar ele", sonha Luciene.