'Simulador de Escravidão': jogo revolta brasileiros e é acusado de racismo
Hospedado na Play Store, loja de aplicativos do Google, o jogo "Simulador de Escravidão" tem causado revolta entre brasileiros. É isso mesmo: um app que provoca jogadores a brincar de comprar, vender, castigar e até receber prazer de pessoas escravizadas. Após a reclamação de vereadores, deputados e pesquisadores, a empresa retirou o game do ar. Mas eles também querem a punição dos responsáveis por crime de racismo.
Até a manhã desta quarta-feira (24), ele já havia sido baixado mais de mil vezes. Ainda que os criadores digam que o jogo "foi criado para fins de entretenimento" e que condenem "a escravidão no mundo real", não é o que transparece. A começar pela imagem de miniatura do aplicativo na loja: um magnata branco rodeado por escravizados negros.
O regime escravocrata durou mais de três séculos no Brasil e foi abolido oficialmente em 1888. Ainda assim, seus desdobramentos persistem na sociedade brasileira, nas várias formas de exclusão da população negra, como atestam especialistas. Além disso, a chamada escravidão contemporânea mantém 1 milhão de brasileiros cativos, segundo estimativa do Índice Global de Escravidão, elaborado pela organização internacional Walk Free. O número coloca o Brasil no 11º lugar do ranking mundial.
No clássico estilo "Age of Empires", o jogo instiga jogadores a cuidar de sua "propriedade" e ganhar experiência para avançar. Tudo, porém, é baseado em trabalho escravizado. Há três tipos: trabalhadores (para ganhar dinheiro), gladiadores (para proteção) e cortesãs (para tarefas sexuais).
O jogador também deve reprimir rebeliões, fugas e até impedir a abolição da escravatura — para isso, deve subornar parlamentares que discutem uma legislação do tipo. Em uma das telas, há até um navio de madeira, em uma clara referência ao tráfico transatlântico de pessoas negras, entre a África e a América, promovido por europeus.
Atualizado na Play Store em 20 de abril deste ano, o aplicativo foi desenvolvido pela empresa Magnus Games, do ucraniano Andrej Kardashov. Ele tem jogos de temas diversos nas Play Store e App Store, da Apple. Tilt tentou contato pelas redes sociais, mas ainda não obteve resposta.
Após contato da reportagem, o Google retirou o jogo do ar por volta de 13h15. Em nota, declarou: "Não permitimos apps que promovam violência ou incitem ódio contra indivíduos ou grupos com base em raça ou origem étnica, ou que retratem ou promovam violência gratuita ou outras atividades perigosas. Qualquer pessoa que acredite ter encontrado um aplicativo que esteja em desacordo com as nossas regras pode fazer uma denúncia."
Ainda que disponível em 16 idiomas, os únicos comentários feitos na página eram em português. No breve período em que esteve no ar, o game recebeu nota 4 estrelas (de 5), além de elogios e sugestões de brasileiros que apreciaram seu teor. Um deles dizia:
Ótimo jogo para passar o tempo. Mas falta mais opções de tortura. Poderiam instalar a opção de açoitar o escravo também. Mas fora isso, o jogo é perfeito! Perfil Mateus Schizophrenic
Muito bom mesmo, retrata bem o que eu gostaria de fazer na vida real Comentou outro usuário
Jogo é chamado de 'criminoso'
Nas redes sociais, brasileiros estão perplexos e revoltados com o jogo. O comunicador Adjunior Real orientou seus seguidores a denunciarem o app:
Não tô acreditando que isso voltou
Relator do projeto de lei que pretende regulamentar as Big Techs e responsabilizá-las por crimes cometidos em suas plataformas, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) classificou o jogo como "criminoso":
Entraremos com representação no Ministério Público por crime de RACISMO e levaremos o caso até as últimas consequências, de preferência a prisão dos responsáveis. A própria existência de algo tão bizarro à disposição nas plataformas mostra a URGÊNCIA de regulação do ambiente digital
A vereadora paulistana Elaine Mineiro (PSOL), do mandato coletivo Quilombo Periférico, disse que o "jogo que simula o sistema escravista, um dos maiores crimes contra a humanidade e que perdurou por séculos no Brasil". Ela apresentou uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF), pedindo que o Google e a Magnus Games sejam responsabilizados cível e criminalmente por racismo.
Racismo não é entretenimento, é crime e quem pratica precisa responder legalmente por isso (...) A gravidade dos comentários demonstra que a finalidade do jogo é reafirmar o racismo como um sistema de dominação
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