'Caí no golpe do WhatsApp, mas convenci o golpista a devolver minha conta'
Eu tinha acabado de anunciar a venda de um terreno no site da ImovelWeb quando André Luiz ligou. Era mentira, mas ele dizia que falava em nome do site. Para dar sequência ao anúncio, precisava validar algumas informações. Mandaria um SMS para checar o meu número de telefone. Bastaria que eu confirmasse, com ele, o número do código recebido.
Foi assim, bobamente, pouco antes do almoço de sábado, que sequestraram meu WhatsApp. Depois, porém, liguei para o malandro, o convenci a devolver minha conta e, como boa jornalista, aproveitar para entrevistá-lo. André, se é que esse é seu nome, me contou tudo: desde como engana clientes do Mercado Livre, OLX e ImovelWeb até quanto fatura por mês. São invejáveis R$ 26 mil. Tudo aplicando golpe.
O Mercado Livre informa que combate ativamente tentativas de golpe e fraude de engenharia social. A empresa acrescenta estar atenta ao "spoofing", golpe no qual os criminosos usam técnicas de persuasão e manipulação para convencer a vítima em canais externos. A OLX afirma que "segurança é uma prioridade". Mercado Livre e OLX orientam os clientes a manterem comunicações dentro da plataforma, a não compartilhar dados pessoais fora dela e nem deixar informação sensível exporta nos anúncios. O Imovelweb afirmou lamentar o ocorrido e reforçou que não faz nenhum tipo de contato telefônico com clientes solicitando códigos enviados via SMS ou WhatsApp. Disse ainda que todo o atendimento é feito por meio dos canais oficiais da plataforma e que as informações de contato dos clientes proprietários são publicadas na plataforma mediante autorização do dono da conta, no momento do cadastro, para auxiliar nas negociações futuras, como visita ao imóvel, por exemplo.
Poucas horas depois de ter meu WhatsApp sequestrado, amigos já ligavam perguntando se era eu mesma quem pedia dinheiro emprestado. Não era. Eu só havia me tornado a mais nova vítima do golpe mais manjado do mundo.
Como castigo, fiquei três dias sem aplicativo de mensagem, naquela hora em posse do sequestrador.
Isso me fez lembrar que eu tinha o número do André Luiz. Afinal, ele me ligou, certo?
Chamei algumas vezes, sem sucesso. No dia seguinte, recebi um SMS dele, "O que você quer, moça?".
Meu Whastapp de volta Brenda Fucuta
Estava armada a segunda parte do sequestro: com as vítimas desesperadas, André entra em contato para vender a elas o PIN do WhatsApp, uma senha necessária para destravar o aplicativo. Ele faz isso, porque eventualmente as pessoas conseguem restituir suas contas. Mas, como ele configurou o PIN e é o único a saber qual é, precisam acioná-lo para desbloquear o serviço.
Descobri na conversa, que relato a seguir, que o resgate pode ser mais lucrativo do que os pedidos de dinheiro a conhecidos. Eu queria xingá-lo por ter tentado enganar família e amigos, queria denunciá-lo à polícia, queria meu aplicativo de volta, mas também queria saber como esses golpes aconteciam. E o André, que parecia ter entre 26 e 29 anos, disse operar três celulares e aplicar 150 golpes por dia, parecia disposto a contar. E foi ele que ligou: "Alô, é a Brenda?".
Tilt: Quem é?
André Luiz: Eu clonei seu WhatsApp, moça.
Tilt: Não acredito. Qual seu nome?
André Luiz: Pode me chamar de André Luiz.
Tilt: André, preciso do meu WhatsApp de volta!
André Luiz: Já liberei ele. Usei um dia só.
Tilt: Você pediu dinheiro para meus contatos.
André Luiz: É o que faço, moça. Meu trabalho. Você não vai me julgar, né?
Tilt: Como assim? Você me aplicou um golpe.
André Luiz: Eu trabalho com isso.
Tilt: Como funciona isso, a clonagem de WhatsApp?
André Luiz: Você quer saber como eu trabalho?
Tilt: É, fiquei curiosa. Sou jornalista... Como você me descobriu?
André Luiz: Na plataforma, na ImovelWeb...Se você anuncia lá, tem seu número. Pode anunciar no OLX, no Mercado Livre. Se tiver seu número lá, a gente consegue, a gente só muda o modo de falar. Em vez de falar "Central de Atendimento ImovelWeb", eu vou falar "Central de Atendimento Mercado Livre, Boa tarde".
Tilt: Qual é a plataforma mais fácil?
André Luiz: Era o Mercado Livre. Só que, de tanto tomar golpe, os caras 'desacessou', eles estão bloqueando o contato... Só se a gente comprar o cadastro lá. A gente vai conseguir fazer umas dez ligações e depois vai cair.
Tilt: Tem jeito de comprar a conta no Mercado Livre?
André Luiz: Tem jeito. Tudo tem jeito, né, mulher, hoje em dia.
Tilt: E como você recebe o dinheiro? Na sua conta mesmo?
André Luiz: Tá louca? Tem um monte de conta aqui. Tens uns caras que trabalha só na conta. Eu pago 30% do valor pra conta e eles que têm contato com a dona da conta lá e pagam não sei quanto pra ela.
Às vezes nem a dona da conta sabe que a conta dela está sendo usada pra isso... Ela está precisando de dinheiro, vê o anúncio da internet e vende a conta... Eu já comprei conta na internet, pago R$ 300, R$ 400 pela conta, a pessoa me dá o acesso e já era.
Tilt: Se você tem meus dados, consegue fazer a conta no meu nome?
André Luiz: Consegue. Se a gente tem uma cópia do seu RG a gente consegue imprimir, fazer uma selfie e fazer uma conta no seu RG.
Tilt: Desde quando você trabalha com isso?
André Luiz: Faz seis anos.
Tilt: E você se especializou nisso porque trabalhava com tecnologia?
André Luiz: Na verdade, eu era da área mais agressiva na vida do crime. Porém, eu estava vendo que não estava dando futuro e desisti. Uns parceiro meu falou tipo tal, tal, tal... Só que os cara queria trabalhar tipo... se fizer R$ 6 mil, R$ 2 mil, R$ 3 mil hoje, os cara sai por aí voado, pra gastar dinheiro, e fica sem trabalhar outro dia. Eu falei, não, o negócio é, tá dando dinheiro, vamos continuar trabalhando todo dia, de tal horário até tal horário... Nesse tempo, deu pra eu comprar uma casa. Comprei carro, moto, graças a Deus.
Tilt: Quanto você tira por mês?
André Luiz: Antes, eu estava tirando R$ 46 mil, trabalhando 17 dias só. Meio período... Agora estou fazendo uns R$ 26 [mil], por aí. Antes, era mais fácil, agora tem muita pessoa sabendo.
Tilt: Você sempre trabalhou nesse sistema?
André Luiz: Só nesse. O 171 é envolvido em muitas coisas. Se eu investisse em uma sala de leilão, de quitação, aí ia aumentar pra R$ 200 mil.
Tilt: O que é sala de leilão?
André Luiz: [Ele explica como funciona] Eu vou comprar um site de leilão e eles vão colocar no Google. A pessoa vai lá, arremata um carro, a gente envia um boleto. Eles vão ligar pra gente, vão pagar e quando eles vão buscar o carro no leilão vão ver que não tem carro nenhum, que eles tomou golpe.
Tilt: E você não se sente mal de enganar as pessoas?
André Luiz: Ah, mulher, eu sou muito bom na verdade. Não é que eu não engano as pessoas... eu sei que eu faço mal, eu sei que às vezes eu tiro dinheiro de uma pessoa que está precisando. Mas tudo tem um porquê na vida, tudo acontece por um motivo.
Tilt: Qual é o porquê?
André Luiz: Se eu fui preso hoje, algum motivo tem. Se eu vou pagar mais pra frente, algum motivo tem. Tudo está escrito.
Tilt: Você é religioso?
André Luiz: Sim, independente do que eu faço, eu tenho muita crença em Deus. Tudo está escrito no livro da vida, tudo vai acontecer da forma que é para acontecer, não tem como mudar isso. Se for pra mim ir [para a prisão], eu vou ir.
Tilt: Você sabe que vai pagar lá na frente.
André Luiz: Eu sei que eu posso pagar lá na frente... Às vezes quero sair dessa vida, mas não adianta ir pro caminho de Deus e continuar nessa vida. Eu não posso brincar com Deus.
Tilt: E eu, você me libertou?
André Luiz: Eu coloquei verificação em duas etapas. Eu mudei o PIN? E eu coloco o PIN porque muitas pessoas pagam pelo PIN. Mas eu não vou cobrar de você. Eu cobro R$ 500 pelo PIN. Tem gente que pagou até R$ 1 mil, acredita? Igual esses dias, entrou uma ligação? Mano, eu sei que é trampo de vocês, maior conversa, conversou bem, falou 'meu tio tá precisando desse WhatsApp? se tiver como você devolver, tal e tal, a gente não está em condição de pagar, a gente pode orar por você'. Me tocou mesmo? Eu falei pra mulher dele: 'eu vou devolver o WhatsApp de vocês'. Aí, mandou até uma foto [do tio], ele estava no hospital, internado. Se você viesse com ignorância, eu ia continuar cobrando os R$ 500.
Tilt: Mas depois não tem risco? Eu recupero o PIN e você também tem o PIN, você não pode pegar de volta?
André Luiz: Não, seu WhatsApp não está mais comigo de novo, não, mulher, desde anteontem. Ele não está mais no meu celular... Eu uso 3 celulares... Faço 150 ligações por dia... Não posso ficar com seu WhatsApp no meu celular... O seu WhatsApp ficou no meu celular, porém ele caiu, só deu tempo de trocar o PIN... Pede aí o código, vou te mandar.
Tilt: Você não está me enganando, não, né?
André Luiz: Como, mulher? Não tem jeito... Mulher, se cuida. Me desculpa, eu sei que o que eu fiz foi errado, mas é coisa que acontece na vida para não acontecer mais..
Ele enviou o código e eu resgatei minha conta. Nenhum amigo mandou dinheiro para o André.
Dicas para aumentar a proteção do WhatsApp
- Ative a verificação da conta em duas etapas caso esteja desabilitada. "Esse recurso possibilita o cadastro de um email (opcional) e de um PIN de seis dígitos (obrigatório), solicitado periodicamente no app para o usuário e necessário para confirmar o número no WhatsApp", explica o WhatsApp.
- Nunca compartilhe o código de verificação do serviço de mensagens (que vem por SMS no celular) e nem o PIN criado.
- Denuncie no email support@whatsapp.com caso alguém entre em contato com você afirmando ser do "suporte do WhatsApp".
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