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'Oi, quer tc?': encontro no Bate-papo UOL virou uma família de 5

Kawã, Lucas, Ketlin, Carlos Henrique e Edgar compartilham o dia a dia nas redes sociais - Arquivo Pessoal
Kawã, Lucas, Ketlin, Carlos Henrique e Edgar compartilham o dia a dia nas redes sociais Imagem: Arquivo Pessoal

Colaboração para Tilt, em São Paulo

12/06/2023 04h00

Foi no bate-papo do UOL que Carlos Henrique Ruiz e Lucas Rabello Monteiro cruzaram caminhos pela primeira vez, em 2007.

O 'match' feito aleatoriamente - e por um sistema que ainda estava longe de ter as habilidades de uma inteligência artificial - resultou em um amor que já dura 14 anos e possibilitou a criação de uma família com três filhos.

O primeiro contato, que logo migrou para o MSN (rede social de conversas popular na época), aconteceu quando os dois ainda eram adolescentes e seguiu por meses, até que Henrique precisou se afastar.

Nenhum dos dois havia contado para seus pais sobre sua orientação sexual, e quando Henrique tentou, a notícia não foi bem recebida.

"Meus pais me tiraram todas as regalias, até precisei trancar a faculdade porque eles achavam que o ambiente podia ter alguma influência. Fiquei sem redes sociais e perdi o contato com o Lucas", lembra.

Os dois voltaram a se falar um ano e meio depois, por acaso, quando Lucas, que trabalhava em uma rádio, procurava por DJs na nova rede social do momento, o Orkut.

"Eu tinha acabado de me formar no curso, então me intitulava na internet como 'DJ Henrique'. Foi quando recebi uma mensagem: 'Oi, lembra de mim?' do Lucas."

A partir desse segundo encontro, que o casal diz, olhando para trás, que foi um sinal de que "era para ser", a relação passou a evoluir para além das telas.

Nosso primeiro encontro foi no Shopping Tatuapé, na cidade de São Paulo, onde nós dois morávamos na época. Assim que nos vimos pela primeira vez, eu tive a certeza que queria estar com ele. Começamos a namorar logo em seguida." Carlos Henrique Ruiz

"Lembro que pedi ele em namoro mais ou menos um mês depois, propositalmente no dia 8 de março. É bem brega, mas foi porque o número oito deitado faz o símbolo do infinito", conta Carlos, enquanto Lucas ri da lembrança.

Os meses seguintes foram de encontros em lugares públicos e na casa de Lucas, que morava com os pais e tinha abertura da família para levar o namorado.

Henrique, então, decidiu abrir o jogo sobre o relacionamento também para seus pais, mas não foi bem recebido.

"Meus pais têm algumas características de um machismo muito estruturado e meu pai não aceitou bem. Ele me mandou sair de casa e precisei ficar com a família do Lucas", conta Henrique.

Ele voltou para casa logo depois, a pedido da mãe, e apesar da convivência difícil em casa e no trabalho, que também era compartilhado com os pais em uma gráfica, Henrique não desistiu do relacionamento.

Laços fortes

Com o tempo, as famílias perceberam que o compromisso era sério.

Passei seis meses atravessando a cidade para ver o Lucas, e meus pais começaram a sentir minha falta em casa. Acho que eles perceberam que não era uma brincadeira. Que eu estava decidido e que não mudei também a minha forma de ser - porque eu acho que eles acreditam que se você se declara gay, no outro dia vai ser uma pessoa completamente diferente", Carlos Henrique Ruiz.

Pouco tempo depois, o casal montou uma loja de lembrancinhas na internet e passaram a trabalhar no escritório montado na casa dos pais de Henrique.

Em 2010, o pai de Lucas foi transferido para trabalhar em Cabo Frio, no Rio de Janeiro. Foi o momento de uma mudança ainda mais intensa: Lucas passou não só a trabalhar, mas a morar com a família de Henrique.

Foi um período de muito aprendizado. Convivemos o tempo todo juntos, e nem sempre dava certo, mas, foi ali, que começou um desejo de ter nossa própria família, um cantinho só para nós." Lucas Rabello Monteiro

Em 2013, eles tomaram o primeiro passo e se mudaram para a região onde a família de Lucas já estava morando.

"Fechamos nossa empresa e começamos uma de eventos, oferecendo serviços com DJs, som, iluminação. Passamos a fazer casamentos em Búzios e outras cidades da região enquanto dividimos a casa com a família do Lucas por um ano e meio."

Lá, eles decidiram que cursar uma faculdade era o melhor caminho para alcançar a estabilidade que julgavam precisar para começar uma família. "A rotina de eventos era muito intensa - não tínhamos nenhum fim de semana livre, e se tivéssemos filhos, seria um empecilho", avalia Henrique.

Os estudos rumaram para a educação. Lucas, que hoje tem 31 anos, é formado em língua portuguesa e professor especializado em redação. Carlos Henrique, 36, é pedagogo.

O processo de adoção

O casal diz que o desejo de ter filhos vinha desde o início do relacionamento.

"Foi em 2019, quando completamos 10 anos juntos que demos entrada no processo de habilitação para adoção", conta Lucas.

Além de compartilhar todos os documentos e manifestar formalmente a vontade de adotar, o casal participou de um curso obrigatório.

"Nas aulas percebemos que muitas pessoas que estão com vontade de adotar não estão preparadas. Existe uma fantasia, um romantismo, e a realidade da adoção é que são crianças com um passado. A maioria não é órfã. São crianças que em algum momento tiveram famílias, e muitas têm traumas", diz Henrique.

A habilitação chegou no mesmo ano. "Não tivemos nenhum tipo de embargo, questionamento preconceituoso ou algo do tipo. Foi um processo bastante positivo", conta ele.

Em maio de 2020, já durante a pandemia de covid-19, o casal fazia parte de um grupo de WhatsApp no qual assistentes sociais compartilhavam quando havia alguma criança disponível para adoção - sem fotos ou nomes, apenas com informações mínimas sobre o perfil.

"Recebemos a mensagem sobre três irmãos - só tinha as iniciais K, E e K, as idades: 12, 9 e 5 anos, e a descrição de que eram dois meninos e uma menina, todos saudáveis. Eu falei: Lucas, são nossos filhos", lembra Henrique.

Eles compartilharam a intenção com as famílias.

"Em vez de sugerirem que a gente fosse com calma, os dois lados da família incentivaram. Aí, a gente ficou mais motivado."

Henrique conta que foi perguntado às crianças se elas aceitavam um casal homoafetivo, e a resposta foi positiva.

Os contatos aconteceram com bastante cautela, já que o trio de irmãos havia experienciado uma desistência de adoção de uma família que já haviam conhecido pessoalmente.

Chamadas de vídeo e de áudio, e contatos presenciais espaçados - seguindo as regras impostas pela pandemia - foram aproximando as famílias.

p - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O processo de adoção de Kawã, Ketlin e Edgar foi iniciado durante a pandemia, em 2020.
Imagem: Arquivo Pessoal

A parte mais difícil era se despedir, principalmente pessoalmente. É muito louco saber que são seus filhos e ter que dar tchau, deixar eles ali no abrigo." Carlos Henrique Ruiz.

O processo, tanto dos laços emocionais criados aos poucos como a parte mais burocrática da adoção foram caminhando conforme o esperado.

Quando Kawã, Edgar e Ketlin chegaram à casa de Lucas e Henrique, que já moravam sozinhos, a pandemia ainda estava em curso - o que, apesar de ter dificultado a criação de uma rotina com atividades diversas, contribuiu para unir a família.

"Foi uma loucura em casa. A gente aprendendo a ser pais, eles aprendendo a ser filhos. Nos conhecendo aos poucos. Nenhum deles era alfabetizado, então criamos uma rotina de estudos", lembra Henrique.

O processo de adoção foi finalizado dois anos depois, em 2022.

"São 14 anos de amor e cumplicidade, agora com a nossa família completa", diz Lucas.

Sucesso nas redes sociais

Lucas e Carlos Henrique mantêm o perfil @paisde3_ nas redes sociais, e contam que se apaixonaram pela vida de influenciadores digitais.

"As crianças também adoram - estamos sempre perguntando se estão contentes com isso. Sabemos que há prós e contras. Mas identificamos que, no sentido de qualidade de vida para os nossos filhos, os fatores positivos são a maioria", diz Henrique.

Com o ganho de espaço nas redes e novos patrocinadores, o casal pensa em mudar de ramo profissional de forma definitiva. "E muito provavelmente vamos voltar para São Paulo, porque é onde as coisas acontecem."