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É o fim do Google? Por que UE quer fazer big tech deixar de ser como é hoje

Aurélio Araújo

Colaboração com Tilt, de São Paulo

16/06/2023 17h19Atualizada em 17/06/2023 10h22

O Google foi acusado na quarta-feira (14) por investigadores antitruste da Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia (UE), de abusar de sua posição dominante no mercado de anúncios online e prejudicar os concorrentes.

Como consequência, a decisão preliminar do bloco econômico é que o Google venda parte dos seus negócios focados em publicidade digital, justamente seu ramo mais lucrativo. A companhia rejeitou a medida.

A pressão sobre a empresa em mais um grande mercado só aumenta. Em 2023, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos já havia chegado a uma conclusão similar à das autoridades europeias. Tilt explica a seguir os principais pontos para entender a polêmica.

Como o Google lucra?

O Google, que pertence ao conglomerado norte-americano Alphabet, tem uma série de fontes de receita (sistema de buscas, YouTube, Android etc.). A principal é originada a partir de ferramentas da empresa voltadas a anúncios online.

Quanto poder o Google tem na área de anúncios?

Muito. O Google não só vende espaços publicitários em suas plataformas (email, drive, buscas, entre outros) como também atua como ponte entre quem quer anunciar e outros sites que têm espaço para exibir essas propagandas.

Atualmente, a empresa controla a principal plataforma que faz essa conexão de compra e venda de publicidade e tem estrutura para atender muitos anunciantes ao mesmo tempo: o Google AdX.

A companhia tem uma fatia de 28% desse mercado de anúncios online, o que em 2022 rendeu uma receita publicitária de US$ 224,5 bilhões (R$ 1 trilhão), segundo informações da agência de notícias Reuters. E isso envolvendo serviços como Google Maps, YouTube, Gmail e ferramentas exclusivas para vender/fazer/administrar publicidade na internet.

O setor é a principal fonte de receita da empresa, gerando 79% desse montante — por isso, qualquer mexida nessa área causará uma grande dor de cabeça financeira para o Google.

Como funcionam os anúncios?

Para otimizar a exibição de anúncios em sites, apps e outras plataformas, empresas contratam serviços automatizados oferecidos por companhias de tecnologia. O Google é uma delas.

As organizações conseguem colocar publicidade de milhões de anunciantes em milhões de espaços disponíveis em sites, destaca o site The Conversation.

Esse processo conta com um alto índice de personalização. Por exemplo: anunciantes conseguem usar as plataformas para segmentar propagandas de produtos de acordo com a idade, gênero, endereço e rastros de navegação na internet dos potenciais compradores.

Na teoria, isso aumenta a chance de uma pessoa adquirir algo após ser impactado (como no email, no buscador) com a publicidade dele - nem sempre funciona e existe aquela sensação de que os anúncios estão perseguindo alguns internautas.

No caso do Google, ele tem a ferramenta Ads, que determina, por exemplo, quais publicidades serão veiculadas na página de buscas a partir de um leilão online de anúncios quase em tempo real. "Acontece cada vez que alguém pesquisa no Google ou acessa um site que exibe anúncios", afirma a empresa em seu site.

Diferentes fatores determinam quais propagandas vão aparecer e em qual ordem na página, como o valor máximo que o anunciante está disposto a pagar por cada clique gerado pelos internautas e qualidade do material, segundo o Google.

Eric Zeng, pós-doutor e pesquisador na área de ciência da computação, resumiu ao The Conversation como essa dinâmica de veiculação de publicidade funciona:

"Quando uma pessoa carrega [abre] um site, e esse site tem um espaço para um anúncio, a plataforma de oferta pede lances da plataforma de demanda por meio de um sistema de leilão chamado 'ad exchange'", afirmou.

"A plataforma de demanda vai decidir qual anúncio no baú deles será mais adequado àquele internauta.(...) O vencedor desse leilão ganha o direito de exibir o anúncio ao internauta. Tudo isso acontece em um instante", completou.

Por que a União Europeia pressiona o Google?

Para os investigadores da Comissão Europeia, os anunciantes que usam os sistemas do Google são obrigados a pagar mais pelo serviço e os sites são obrigados a receber menos. No final, a empresa sai em vantagem dos dois lados.

A melhor saída então para evitar abuso de poder econômico é que o Google venda parte de suas operações ligadas a publicidade online.

Isso porque a empresa controla três partes diferentes desse mercado. Se formos pensar num leilão físico, é como se uma mesma pessoa fosse compradora, vendedora e dona de uma casa de leilões.

O Google possui:

Uma plataforma de demanda (chamada DFP) - para quem quer comprar um espaço para veicular seu anúncio.

Duas plataformas de oferta (Google Ads e DV 360) - para quem quer vender o espaço para que alguém/empresa coloque um anúncio.

Plataforma de "ad exchange" (AdX) - sistema que faz o intermédio da compra e da venda de anúncios.

Segundo da Comissão da UA, formou-se então um truste, uma forma de monopólio.

Ela diz que, ao comprar espaço para anunciar, o Google informa em sua plataforma de "ad exchange" o valor do maior lance dos seus competidores, de forma que a empresa passa a saber qual é o lance que ela precisa dar para vencer o leilão. Essa relação prejudicaria os concorrentes.

Ao mesmo tempo, as plataformas de oferta do Google evitavam negociar com outras de "ad exchange", restringindo assim apenas ao Google AdX, tornando-a muito mais atrativa do que suas competidoras.

"O Google tem uma posição de mercado muito forte no setor de tecnologia de publicidade online. Ele coleta dados dos usuários, vende espaço publicitário e atua como intermediário de publicidade online. Portanto, o Google está presente em quase todos os níveis da chamada cadeia de suprimentos adtech [tecnologia de anúncios]. Nossa preocupação preliminar é que o Google possa ter usado sua posição de mercado para favorecer seus próprios serviços de intermediação", afirmou Margrethe Vestager, vice-presidente executiva responsável pela política de concorrência da UE.

O que vai acontecer com o Google agora?

Por enquanto, nada. Mas se a União Europeia concluir que o Google deve, de fato, vender parte de suas operações com anúncios, isso representará um grande impacto econômico em sua "galinha dos ovos de ouro" lucrativa. E a empresa mudará a forma como existe hoje.

De acordo com a Reuters, o Google tentou resolver o caso junto às autoridades nos três meses iniciais da investigação europeia, ainda em 2021.

No entanto, os reguladores se sentiram frustrados com o ritmo lento e a falta de concessões reais por parte da empresa. Por isso, a investigação prosseguiu.

O Google tem negado várias vezes ter a dominância sobre o mercado de anúncios digitais, dizendo que se trata de um setor "altamente competitivo".

No início do ano, quando foi acusada de monopólio pelo governo dos EUA, a companhia afirmou que o processo "apostava em um argumento falho que atrasaria a inovação, aumentaria as taxas de publicidade e dificultaria o crescimento de milhares de pequenas empresas e editoras."

Quais os próximos passos?

A Comissão da União Europeia divulgou sua conclusão preliminar. Então o processo ainda irá ser desenrolado.

"Não há prazo legal para encerrar uma investigação antitruste. A duração de uma investigação antitruste depende de vários fatores, incluindo a complexidade do caso, o grau de cooperação das empresas envolvidas com a Comissão e o exercício dos direitos de defesa", informa a divisão da UE.

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