Após 10 anos, por onde anda carro autônomo que 'atropelou' Ana Maria Braga?
O inusitado atropelamento ao vivo da apresentadora da TV Globo, Ana Maria Braga, virou algo inesquecível para milhões de brasileiros. O episódio completa dez anos em 2023, e Tilt foi atrás do responsável: o carro autônomo IARA, criado por pesquisadores brasileiros do Espírito Santo.
Desde a cena que se tornou uma das mais virais da televisão brasileira, o veículo já rodou mais de 9 mil quilômetros, foi alvo da preocupação de promotores públicos, deputados federais e autoridades de trânsito, além de sua tecnologia ter gerado um filho inusitado: um ônibus que dirige sozinho. Em breve, se tudo der certo, ele passará a falar.
O que aconteceu
- Criado em 2008 dentro do Laboratório de Computação e Auto Desempenho da UFES, o carro é desenvolvido por professores e alunos;
- Na manhã de 22 de abril de 2013, a equipe da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) foi convidada a mostrar ao vivo na TV Globo o veículo que andava sozinho.
- Ana Maria Braga já tinha andado no automóvel junto de um cinegrafista. Quando ela mudou o combinado e resolveu mostrar o lado de fora do automóvel, o carro deu ré e desceu uma ladeira. Resultado: atropelou Ana Maria e o entrevistado, o professor Alberto Ferreira de Souza.
Responsável pelo projeto, Souza explica que tudo não passou de um erro humano.
Ana usou o carro. Tudo normal. Só que esquecemos de levantar o freio de mão depois que ela saiu. Eu mesmo acabei alterando para o modo manual e não tinha percebido a falha. Ela levou tudo na tranquilidade, se machucou um pouco, mas disse que estava bem. Foi um momento marcante
Alberto Ferreira de Souza, professor da UFES
Ana Maria não teve fraturas e foi liberada após passar por uma bateria de exames no Rio. No mesmo dia, a equipe do professor voltou aos estúdios da Globo para falar da invenção capixaba.
Como funciona?
Apesar de parecer um nome brasileiro, IARA é sigla para Intelligent Autonomus Robotic Automobile (Automóvel Robótico, Inteligente e Autônomo). Implantado em um modelo Ford Escape Híbrido, importado dos EUA em 2012, o sistema permite ao veículo circular pelas ruas sem um motorista ao volante.
Elétrico, o automóvel se guia por meio do LiDAR, popularmente conhecido como um radar de luz. Funciona assim: após emitir os pulsos de luz, captura os raios após atingirem objetos. Com isso, o veículo percebe o que está ao redor e a que distância.
As câmeras acopladas ainda identificam pessoas, outros veículos e até reconhecem placas de trânsito. Desse modo, o carro consegue seguir uma rota traçada em um mapa até atingir o ponto final.
Uma das curiosidades da IARA é que, quando atropelou Ana Maria, o veículo não andava sem intervenção nenhuma. Isso só ocorreu em 2014, quando percorreu uma distância de 3,7 km dentro da UFES. Nesses anos, já foram rodados mais de 9 mil km em todo o país - a maior parte, porém, dentro da UFES, no bairro Goiabeiras na capital Vitória.
Mais de 9 mil quilômetros rodados
Acontece que, depois do teste inicial, o carro pegou a estrada. Percorreu em uma hora e meia os 74 km que separam Vitória do balneário de Guarapari a uma velocidade de 55 km/h.
O evento rendeu reuniões com o Ministério Público Estadual e da Câmara dos Deputados, porque o CTB (Código de Trânsito Brasileiro) não permite circular com o carro sem que as duas mãos estejam no volante. Quando está no modo autônomo, a IARA não necessita de mão alguma conduzindo.
"Queriam entender o que a gente estava fazendo. No padrão de segurança, tem que ter uma pessoa dentro para assumir o carro se algo der errado. Chegamos à conclusão de que o veículo pode andar só em locais fechados", explicou o professor.
Na fase autônoma do veículo, o condutor só consegue frear o carro. Por segurança, a equipe da UFES criou um botão que desativa essa função e permite ao motorista assumir.
Apesar da restrição, IARA já foi para congressos técnicos de Brasília, Rio e São Paulo. Quando viaja, porém, vai em um guincho para ser preservado por mais anos.
Primeiro ônibus autônomo da América Latina
A tecnologia do IARA já virou negócio. Recentemente, a fabricante brasileira de ônibus Marcopolo e a startup capixaba de mobilidade autônoma Lume Robotics apresentaram ao mercado o primeiro protótipo da América do Sul de um micro-ônibus que funciona sem motorista.
A base do projeto é o código do IARA, de uso livre. A Lume Robotics é formada pelo professor Alberto e alguns de seus ex-alunos.
"O veículo não precisa de monitoramento remoto nem intervenção. Ele é feito da mesma forma que a IARA, através de sensores que conseguem captar todas as informações que são transmitidas para uma inteligência artificial que fica dentro do ônibus", explicou o professor Souza.
No futuro: carro falando e dirigindo sozinho até o restaurante
Em mais de 10 anos de funcionamento, a IARA sofreu evoluções tecnológicas. Se antes funcionava com quatro computadores interligados simultaneamente e que ficavam no porta-mala, hoje o veículo opera apenas com um, graças às atualizações de software. No futuro, esse dispositivo vai diminuir.
"Daqui a alguns anos vamos usar algo bem menor, que cabe nas nossas mãos. O porta-malas será apenas para malas", contou Souza.
Para os próximos anos, o novo desafio é fazer o IARA falar. Para isso, o laboratório ainda busca recursos.
"Nosso próximo objetivo é fazer a Iara conversar com a gente, interagir verbalmente. Queremos fazer ela compreender o mundo por meio da linguagem natural, não só por fotos e vídeos. Queremos fazer ela entender as gírias capixabas também. No futuro queremos ela agindo por ela, que ela possa escolher um lanche no melhor lugar, informar ao atendente onde ele deve pegar o dinheiro e colocar o produtor", disse Souza.
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