Topo

IA do Google derruba canal de youtuber por vídeo de menor enviado por fã

Tiago de Souza diz que IA do Google errou ao desativar sua conta do Youtuber - Arquivo Pessoal
Tiago de Souza diz que IA do Google errou ao desativar sua conta do Youtuber Imagem: Arquivo Pessoal

Abinoan Santiago

Colaboração para Tilt, em Florianópolis

26/06/2023 04h00Atualizada em 27/06/2023 09h08

O youtuber Tiago de Souza, de 20 anos, tenta desde 2022 reverter uma decisão tomada pela IA (Inteligência Artificial) do Google que derrubou todas as contas vinculadas à empresa, incluindo seu canal com 132 mil inscritos no YouTube.

Durante o processo que corre há um ano na Justiça, Souza soube que o sistema automatizado da big tech detectou em seu Drive um vídeo de sexo envolvendo uma menor de idade. Ele argumenta que as imagens não são suas, mas enviadas por um fã via WhatsApp e foram salvas no serviço de armazenamento porque o aplicativo de mensagem estava habilitado para fazer backups automáticos.

O que rolou

Criador de conteúdo sobre o jogo Shadow Fight 2, o youtuber teve o canal "Tiago Gameplay" desativado em 19 de agosto de 2022 após o Google derrubar seu perfil;

Ele recorreu da decisão na própria plataforma, mas o Google manteve o canal fora do ar;

O youtuber entrou na Justiça contra a big tech em 31 de agosto de 2022. O caso está na segunda instância no TJTO (Tribunal de Justiça de Tocantins).

De acordo com o advogado Arthur da Costa, que defende Tiago, o "conteúdo nocivo" alegado pelo Google na Justiça seria a suposta existência no Drive do youtuber de um vídeo com cena de sexo envolvendo menor de idade decorrente de backup do WhatsApp. A detecção correu por meio de IA (Inteligência Artificial).

Tiago diz que nunca viu as imagens, mas admite que as recebeu de algum fã do canal em um dos grupos que mantinha no WhatsApp e que foi parar no Drive por backup automatizado.

O Youtube disse a Tilt que não vai se manifestar sobre o caso. O Google não respondeu aos pedidos de esclarecimentos. O texto será atualizado assim que houver alguma manifestação da empresa.

Google apontou vídeo de menor; youtuber diz que não sabia

A Justiça negou o primeiro pedido, mas voltou atrás e aceitou o recurso da defesa de Tiago. A decisão favorável ao youtuber, no entanto, foi derrubada após o Google ser notificado e apresentar a motivação da desativação da conta. O caso foi parar na segunda instância e não tem data para ser analisado.

O youtuber nega que sabia da suposta existência do conteúdo alegado pelo Google e diz que algum fã pode ter enviado para um dos grupos de WhatsApp do canal.

Foi no processo que descobri o motivo. Esse vídeo foi parar no meu Drive por meio de backup automatizado. Não sabia disso, pois meus backups eram feitos de maneira automatizada na conta. Confesso que isso me deixou perplexo. Eu possuo um canal global, com grupos para interação com meus fãs, com pessoas do mundo todo interagindo. Era comum ter fluxos de até 20 mil mensagens. Como eu sequer poderia imaginar isso? Sempre tive normas rígidas quanto a questões do tipo nos grupos do canal. Tiago de Souza, youtuber

A defesa de Souza diz que o Google não anexou o vídeo nos autos, apenas alegou a existência com base em um relatório de sua "Equipe de Segurança Infantil" e do NCMEC (Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas) — entidade sem fins lucrativos dos Estados Unidos.

"O Google diz que existe um vídeo. Mas não há vídeo nos autos. Complicada essa mera alegação. E o Judiciário abraça essa alegação. Imaginemos um erro do Google: ele pode justificar num suposto vídeo de um suposto conteúdo e vai ficar por isso mesmo", reclama o advogado.

O meu ponto é que, independente da existência e do conteúdo do vídeo, o Google não poderia adotar a postura que adotou, sobretudo inviabilizando o trabalho do rapaz sem informação prévia e sem direito de defesa. É muito provável que se perceba que Tiago não tem relação com o vídeo e que tal arquivo foi parar em seu Drive de forma aleatória. Arthur Costa, advogado

'Não foi um canal, foi uma vida destruída'

Morador de Araguaína, no interior do Tocantins, Souza diz que iniciou o canal aos 15 anos. Um ano depois, recebeu o primeiro pagamento e passou a receber cerca de R$ 6 mil mensais com as visualizações dos vídeos dele jogando e dando dicas sobre Shadow Figth. Havia conteúdo com mais de 10 milhões de views.

O jovem lamenta ter perdido a notoriedade na internet entre os amantes do jogo e sofrer o tombo financeiro.

Talvez para muitos, isso não era um trabalho. Mas posso dizer que era toda a minha vida. Era uma carreira a troco de madrugadas acordado, dias sem sair. Ressalto que minha situação não é boa. Eu estou sem emprego, sem absolutamente nada. É impossível sobreviver começando tudo do 0. Não foi um canal destruído, foi uma vida. Tiago de Souza, youtuber

Após a desativação, Souza conta que tudo mudou em sua vida. De um dos provedores de renda dentro de casa, passou a lidar com a dependência dos pais e trabalhos esporádicos na internet que não chegam a pagar R$ 500.

"Eu tive minha vida virada de cabeça para baixo. O canal não era um simples hobby ou fonte secundária de renda. Ele era desde os meus 15 anos minha ocupação, meu trabalho e única fonte de renda. Tive prejuízos financeiros. E, posso dizer, são incalculáveis", afirma.

O jovem diz que a situação está causando danos a sua saúde, como perda de peso —chegou a ter menos de 50 quilos—, insônia, falta de apetite e falta de ânimo.

"Não ter o canal me causou muitos danos. Até meu psicólogo está em pedaços desde o ocorrido. Eu não tenho comido direito, não tenho dormido e não sei mais o que é 'estar bem'", detalha.

Tiago diz que recebia mais de R$ 6 mil por visualizações - Reprodução - Reprodução
Tiago diz que recebia mais de R$ 6 mil por visualizações
Imagem: Reprodução

Isso foi mais que suficiente para me fragilizar e me quebrar em um milhão de pedaços. Tenho tentado desde então ajudar meus pais nas ocupações. Cheguei até mesmo a vender paçocas, refrigerantes e gêneros do tipo. Pelo menos assim eu poderia ao menos tentar ocupar minha mente, e esquecer a dor que me atormenta. Para o Google talvez seja só mais um canal, mas era minha vida

O que dizem os termos do Google

Desde 14 de dezembro de 2021, o Google informa que está restringindo acesso a conteúdos do Drive se for identificado alguma "violação dos Termos de Serviço do Google ou das políticas do programa".

No comunicado, a empresa não cita o bloqueio das contas como punição, apenas a restrição aos arquivos.

Não é a primeira vez que o Google desativa um canal de youtuber no Brasil por causa de detecções de conteúdo no Drive feita por IA. Tilt já mostrou outros relatos semelhantes ao de Tiago no Brasil e em outros países.

Nos Termos de Serviço, o Google diz que pode suspender ou encerrar a conta na plataforma em três casos, mas sem detalhar cada item.

  • Por violar os Termos de Serviços, os termos adicionais específicos ou as políticas de forma relevante ou recorrente;
  • Por decisão judicial;
  • Por razões concretas para acreditar a conduta causa danos ou responsabilidade a um usuário, a terceiros ou ao Google, por exemplo, por meio de hacking, phishing, assédio, prática de spam, ludibriação de outras pessoas ou cópia de conteúdo que não pertença a você.

O Google diz que, se constatado algum erro da plataforma, o usuário pode solicitar o desbloqueio do acesso à conta.