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Curte cheiro de carro novo? Cuidado, ele pode fazer mal para saúde; entenda

Julia Moióli

Colaboração para Tilt, em São Paulo

16/07/2023 04h00Atualizada em 17/07/2023 16h05

Poucos aromas são tão marcantes para o brasileiro quanto cheiro de carro novo. A mistura de plástico e tecido representa um símbolo de conquista para muitos. Mas dados de um estudo recente reacenderam uma questão que circula há anos: a de que os materiais presentes na cabine - em sua maioria plásticos - podem colocar em risco a saúde dos motoristas.

Pesquisadores da Universidade de Harvard (EUA) e do Instituto de Tecnologia de Beijing (China) encontraram indícios de que compostos voláteis [VOCs, na sigla em inglês; possuem carbono na composição] presentes dentro do veículo têm riscos associados ao câncer diante de longa exposição.

O grupo realizou uma observação de campo de 12 dias de um carro novo sob condições ambientais variadas e determinou as concentrações de 20 gases comuns liberados pelos plásticos desse veículo.

"A taxa de detecção de 14 dos 20 compostos orgânicos voláteis medidos foi de 100%, e descobrimos que as concentrações de formaldeído e acetaldeído excederam o limite do padrão nacional chinês, com a concentração mais alta sendo 223,5 ?g/m3 e 149,0 ?g/m3, uma taxa acima do padrão de 34,9% e 60,5%, respectivamente", descrevem os pesquisadores no estudo.

Em 2021, uma outra pesquisa também observou que substâncias químicas responsáveis pela fragrância de um carro novo - vinda de materiais plásticos duros ou macios, adesivos, tecidos e espuma - continham componentes com potencial cancerígeno. Os cientistas observaram o comportamento do benzeno e formaldeído.

"Nosso estudo alerta sobre o risco associado à inalação de benzeno e formaldeído em pessoas que passam uma quantidade significativa de tempo nos veículos, aspecto especialmente pertinente em áreas de congestionamento", afirmou o pesquisador Aalekhya Reddam na época.

Risco existe, mas ainda é só um alerta

Apesar dos resultados, isso não significa que você precisa abandonar o carro novo de vez e nem entrem em pânico, dizem especialistas consultados por Tilt.

A química Maria de Lourdes Feitosa, com mais de 30 anos de experiência identificando aromas de veículos na indústria automobilística, explica que montadoras sérias respeitam limites seguros de componentes voláteis liberados pelos plásticos, como acetaldeído e formaldeído.

"Pode até haver emissão, mas será baixa a ponto de não ser prejudicial ou cancerígena", afirma.

Jonas Gruber, professor do Instituto de Química da USP (Universidade de São Paulo), acrescenta que todos os produtos químicos possuem fichas de segurança, com informações sobre os perigos que podem causar para as pessoas.

"A toxicidade e probabilidade de serem cancerígenos também dependem de quanto deles uma pessoa inala - por exemplo, quem trabalha muitas horas dentro de um veículo tem maior exposição e risco, por isso não podemos fazer generalizações", diz Gruber.

O estudo de 2021 também destacou que os riscos dependem e a quantidade de partículas no ar estão relacionados a idade do veículo, material interno de sua estrutura e temperatura ambiente.

Como o "cheirinho de novo" é formado?

Segundo Feitosa, o aroma é soma do conjunto de todas as peças do acabamento interno do carro: painel de instrumentos, revestimento do teto, das colunas e das portas, tapete, tecido e espumas do banco, isoladores acústicos e para-sol.

"Obviamente, as peças de maior porte têm maior peso sobre o aroma final do automóvel — basicamente polipropileno e poliéster", destaca.

A química por trás

Os plásticos da cabine dos carros vêm de materiais poliméricos formados por monômeros (pequenas moléculas) que se ligam. Para que esse processo aconteça, são necessários um iniciador, solvente ou catalizador.

Isso faz com que o polímero contenha restos de monômeros que não foram polimerizados (reação em que as moléculas se combinam) e podem ser voláteis. Ou seja, que podem abandonar o material. Quando essas moléculas chegam aos receptores do nosso nariz, sentimos o cheiro.

Como as condições climáticas impactam?

"Quanto mais alta estiver a temperatura, tanto do ambiente quanto das peças, mais facilmente os materiais voláteis se volatilizam", diz Gruber. Isso significa que, quando o carro fica exposto ao sol, os voláteis são potencializados.

E o controle de qualidade?

O aroma não é a única característica dos plásticos avaliada pelas montadoras: além do teste de odor, que verifica se ele é incômodo ou não, são medidas a emissão total de:

Carbono

Formaldeído, especificamente para materiais como espumas e peças que passam por processo de colagem

Fogging, apenas para fins de segurança veicular, determina-se sua eficácia para evitar embaçamento de vidro