US$ 700 milhões em jogo: como falha pode inutilizar maior satélite do mundo
Lançado há menos de três meses, o maior satélite de internet do mundo talvez nem entre em operação, desperdiçando um investimento estimado em US$ 700 milhões. Enviado ao espaço em abril, o ViaSat-3 Américas apresentou uma falha que pode ser catastrófica ao "desdobrar" sua enorme antena.
Após alguns boatos, a ViaSat confirmou ter havido um "evento inesperado" que pode "impactar materialmente a performance do satélite".
Estamos desapontados com os acontecimentos recentes. Mark Dankberg, presidente e CEO da ViaSat, em comunicado
Ele disse que está trabalhando com a fabricante da antena, a Astro Aerospace, da Northrop Grumman, para determinar a extensão do problema e se há como corrigi-lo. O componente avariado também é conhecido como refletor, pois rebate os sinais de e para a Terra, e é essencial para o funcionamento da internet.
Depois de um lançamento conturbado, com diversos adiamentos, que Tilt acompanhou na Flórida, o ViaSat-3 passa por mais incertezas. Um posicionamento final deve ser divulgado em 9 de agosto, quando haverá uma reunião da diretoria.
Isso, provavelmente, quer dizer que:
- O satélite pode conseguir funcionar, mas com capacidade reduzida: neste caso, a empresa poderia redirecionar outros satélites de sua frota para otimizar a cobertura;
- O satélite pode ser inutilizado: neste pior cenário, um novo lançamento seria necessário para cobrir o continente americano, que é o principal mercado da empresa. O escolhido para substituí-lo seria o ViaSat-3 Emea, um equipamento idêntico, previsto para ser lançado em setembro de 2023 para cobrir Europa, Oriente Médio e África.
A empresa garante que não há qualquer impacto para os atuais clientes. Mesmo assim, diante das incertezas, suas ações caíram 30% na semana passada, quando o problema foi revelado.
A nova rede é essencial para a ViaSat continuar competitiva no mercado de internet via satélite, que está sendo inundado por constelações, como a OneWeb, a Starlink, da SpaceX de Elon Musk, e a futura Kuiper, da Amazon.
Como a falha foi descoberta?
Enquanto a Starlink tem milhares de pequenos satélites em órbita baixa, a ViaSat usa uam tecnologia diferente. Com a nova rede, o plano é usar apenas três enormes e poderosos satélites, em grandes altitudes (órbita geoestacionária), para cobrir todo o globo. Como consequência, eles são bem caros.
A nova rede tem previstos mais dois satélites iguais, para totalizar 3 Tbps (terabits por segundo) de capacidade de transmissão de internet:
- ViaSat-3 Emea, que já está pronto, passando por testes,
- ViaSat-3 Apac (Ásia-Pacífico), em construção e previsto para ir ao espaço em 2024.
O investimento total é estimado em US$ 2 bilhões, incluindo o custo dos satélites, da estrutura em solo, dos lançamentos e dos seguros. Ou seja, cerca de US$ 700 milhões para cada um dos três.
A falha, porém, pode atrasar todo o cronograma, porque os engenheiros precisam investigar a causa para evitar que ocorra novamente. De acordo com astrônomos amadores, que monitoram ondas de rádio vindas do espaço, o ViaSat-3 está emitindo sinais intermitentes, como se estivesse "dançando" em órbita. Eles acreditam que os controladores estejam enviando comandos para tentar liberar a antena na marra, com estas mudanças de orientação.
Se a empresa declarar perda total do ViaSat-3, deve acionar o seguro do satélite, que cobre danos de até US$ 420 milhões, e arcar com o resto do prejuízo. Seria a maior indenização deste tipo da história, e poderia abrir um precedente que afete a indústria aeroespacial.
A SpaceX, por exemplo, não faz seguro para seus lançamentos, pois são satélites muito mais baratos e com foguetes próprios. Mas o serviço pode ficar mais caro ou até inviável para outras empresas do ramo que o utilizam.
A tecnologia do ViaSat-3
Com capacidade total de 1 Tbps, a grande promessa do satélite é oferecer internet com maior velocidade e qualidade para todo o continente americano, incluindo rotas aéreas e marítimas. Ele tem cerca de 6 toneladas e 45 metros de envergadura.
O ViaSat-3 foi lançado todo "dobrado", assim como aconteceu com o telescópio James Webb, e seu processo de comissionamento demoraria entre dois e três meses — ou seja, já era para estar iniciando as operações. Primeiro, ele seguiu até sua órbita determinada, a 35.785 km de altitude, e abriu suas "asas" (os painéis solares de oito metros de comprimento). Até aí, tudo certo.
A falha aconteceu na última etapa, de desdobrar a antena, que é como uma grande parabólica para rebater ondas eletromagnéticas de e para a Terra. Feita de polímeros reforçados, fibra de carbono e grafite, ela é um dos segredos da potência do satélite, devido ao seu tamanho, capacidade refletora e possibilidade de adaptar a cobertura conforme a demanda.
Quando/se entrar em operação, o Viasat-3 Américas será o primeiro satélite próprio da empresa a atuar no Brasil, focado nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde estão as áreas rurais com menor penetração de banda larga.
A ViaSat acaba de completar a aquisição da Inmarsat, outra grande empresa de telecomunicações via satélite, por US$ 7,3 bilhões. Assim, agora totaliza 19 grandes satélites em órbita, 12 deles operando em banda Ka — a mesma utilizada pela rede ViaSat-3.
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