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Ele mudou a Nasa ao analisar explosão de ônibus espacial que matou a esposa

Jonathan e Laurel Clark com o filho Iain Imagem: Nasa

Marcella Duarte

De Tilt, em São Paulo

11/08/2023 04h00Atualizada em 11/08/2023 17h55

1º de fevereiro de 2003. O médico Jonathan Clark acordou seu filho Iain, na época com oito anos, para acompanhar um evento de repercussão nacional. Naquele dia, retornaria à Terra o Ônibus Espacial Columbia, tido como uma maravilha da engenharia que decolava como foguete e pousava, triunfante, como avião. E eles veriam tudo de camarote, do Centro Espacial Kennedy, na Flórida.

O cronômetro que fazia a contagem regressiva para o pouso naquela manhã ensolarada de sábado zerou às 8h16. No céu, nenhum sinal de chegada. O que ficou suspenso no ar foi o desespero. Diferentemente de outros norte-americanos, os dois não encaravam aquilo como um show. Uma das sete astronautas voltaria para a casa deles: era Laurel Clark, esposa de Jonathan e mãe de Iain. Mas isso jamais aconteceu.

Eu sabia que havia algo errado. A contagem é sempre muito precisa. Não ouvimos nem o alto barulho do ônibus se aproximando. Comunicações do controle da missão falavam de alarmes graves, como problemas com a pressão dos pneus. E isso não era nada bom
Jonathan Clark em entrevista a Tilt

Ao redor deles, pessoas começaram a ficar pálidas, ao som de telefones tocando. Imediatamente, os dois foram enfiados em um carro que os retirou da pista. Tudo sem ouvir o que tinha acontecido, ainda que ele não fosse só um marido preocupado no local de trabalho da esposa. Na época, Clark era o cirurgião de vôo responsável pela saúde dos astronautas da Nasa.

Como eu era funcionário, fui para minha sala, liguei a TV e vi imagens da explosão sobre Dallas. Foi assim que descobri. Foi devastador. Eu já tinha visto muitos acidentes e muitas mortes na minha carreira, mas nada me preparou para aquilo Jonathan Clark

Ao entrar na atmosfera terrestre, o Columbia se despedaçou e matou todos a bordo. Destroços "choveram" como meteoros pelos céus dos estados do Texas e da Louisiana.

Alguns minutos depois, o então chefe do Centro Espacial, o ex-astronauta Bob Cabana, chamou as famílias dos astronautas presentes e deu a notícia. Todos choravam, gritavam, berravam. Além de Iain, outras 10 crianças perderam seus pais no acidente.

Lembrar desse som me arrepia até hoje. Eu preferia ter morrido naquele dia, Laurel era o amor da minha vida. Morrer é a parte fácil. Viver é o mais difícil
Jonathan Clark

O que aconteceu?

Clark não sabia, mas o Columbia estava condenado desde que saiu da Terra, em 16 de janeiro de 2003. Durante o lançamento, o impacto de um pedaço de espuma abriu um buraco no escudo térmico da asa esquerda. Pequena para ser percebida, apesar de ter 41 cm de diâmetro, ou para causar problemas no espaço, a avaria foi catastrófica durante a veloz reentrada na atmosfera terrestre. O calor e o atrito fizeram plasma superaquecido entrar pela estrutura da nave, que foi se desintegrando.

Era como cortar isopor com maçarico. Primeiro, a asa danificada foi embora. Depois a outra e por fim a cabine. Tudo aconteceu em questão de segundos. Uma vez que o Ônibus Espacial começava a descida, abortar para retornar à órbita não era uma opção. Columbia estava em Mach 18 (18 vezes a velocidade do som) e a uma altitude de mais de 60 km. Ainda assim, Clark acredita que os astronautas poderiam ter se salvado, caso a Nasa tivesse investigado o possível problema.

"Laurel era ótima paraquedista, toda a tripulação tinha treinamento para isso. Se soubessem da gravidade da avaria e conseguissem diminuir a velocidade ou a altitude, teriam uma chance de pular. Também poderíamos ter tentado um resgate espacial antes", imagina.

Veteranos da Marinha norte-americana, Clark e Laurel, que também era médica, se conheceram enquanto serviam. Lá, foram treinados para analisar problemas e agir racionalmente, ainda que podendo morrer. Ele foi à Guerra do Golfo, e ela era para um esquadrão submarino na Escócia.

Imagem: Nasa

Clark e Iain depois da morte de Laurel

Mesmo sendo especialista em sobreviver a cenários extremos, Clark não estava preparado para a maior missão de sua vida: virar um pai dedicado, enquanto processava o luto ao lado de Iain e investigava a morte de Laurel. Os primeiros meses não foram fáceis. Os dois dormiam todas as noites juntos, com o cachorro.

Antes da morte dela, eu provavelmente não era um pai super envolvido e disponível. Laurel foi quem insistiu para termos um filho, e ela amava ser mãe. Então eu tive de aprender a cuidar de tudo, levar para escola, comprar roupas, fazer as tarefas domésticas. Foi o trabalho mais difícil que eu já tive
Jonathan Clark

Nos momentos de aperto, ainda era possível ouvir a família junta. Clark guarda com carinho as gravações das videochamadas que fizeram durante os 16 dias que Laurel passou no espaço. As conversas em que a astronauta contava o que via e fazia lá em cima costumavam começar assim:

- Terra para mamãe (Iain)

- Espaço para Iain (Laurel)

Hoje com 28 anos, Iain de alguma forma entrou para a Nasa junto da mãe. Ela foi selecionada para o programa de astronautas quando estava grávida, contrariando as expectativas. "Ela foi com uma barriga enorme para a entrevista final", brinca Clark.

Mergulhador e paraquedista, intrépido como os pais, Iain também nutre o sonho de ir ao espaço. E ele teve uma filha, que batizou de Laurel.

Jonathan Clark e Iain Imagem: Arquivo pessoal

O casal na Nasa

Clark se culpou durante muito tempo. Achava que tinha contribuído para a morte da Laurel, por ter influenciado na escolha dela de entrar na Nasa e por não ter sido mais incisivo sobre as falhas que via no projeto. "Eu matei minha esposa, era o que pensava em alguns momentos", lamenta.

Foi ele quem primeiro quis ir ao espaço, mas não passou na seleção. Ainda assim, foi o motivo para ela decidir virar astronauta, quando se voluntariou para treinamentos de emergências com o Ônibus Espacial. A esposa foi junto em um deles, apenas para acompanhar.

No último dia, precisávamos de mais uma 'vítima' para um exercício. Ela vestiu a roupa de astronauta, entrou na maquete do ônibus e ali decidiu que era o que queria fazer da vida.
Jonhatan Clark

Nos anos seguintes ao acidente, o peso dessa influência não saía de sua mente. Outro episódio também era reprisado. Meses antes de Laurel embarcar no Columbia, ele elaborou uma análise dos riscos do Ônibus Espacial, e os dois conversaram sobre os perigos da viagem. "Realmente não combinava com o padrão Nasa de segurança", lembra.

Ela disse: 'Se é tão perigoso, por que a Nasa não me conta?' A família ficou preocupada, mas achou que eu estava sendo negativo, e claro que eu queria apoiar minha mulher a realizar seus sonhos e ir atrás das estrelas. Mas coisas ruins realmente acontecem, e você precisa saber os riscos do que está fazendo.
Jonhatan Clark

Agora, após 20 anos, Clark consegue olhar para o pior momento de sua vida com serenidade e inspiração. Além da esposa, ele perdeu outras pessoas queridas, incluindo um de seus melhores amigos, o astronauta David Brown, que conhecia desde a juventude na Marinha.

Você tem de transformar a tragédia em algo positivo. Caso contrário, sua vida será um inferno. Muito se aprendeu, a Nasa mudou, naves agora são bem mais seguras, vidas foram salvas. Não adianta ficar com raiva para sempre.
Jonathan Clark

Jonathan Clark em São José dos Campos (SP), durante o SSP 2023 Imagem: Marcella Duarte

A Nasa depois da morte de Laurel

A partir do acidente, o viúvo passou a trabalhar por viagens espaciais mais seguras. Sua primeira tarefa foi a investigação da morte da esposa e seus colegas, ainda que o envolvimento de parentes não tivesse precedentes na Nasa. Mas ele era um dos mais capacitados para isso. No processo, esmiuçou todos os detalhes do acidente, desde os 85 mil pedaços do Columbia até as autópsias dos restos mortais dos astronautas.

Apesar da conexão emocional, foi um processo catártico para mim. Nosso relatório dizia basicamente que a Nasa não tinha feito um bom trabalho.
Jonathan Clark

Depois de 130 voos tripulados e muitos sucessos, como a manutenção do Telescópio Espacial Hubble e a construção da Estação Espacial Internacional, o programa do Ônibus Espacial foi cancelado em 2011. No total, resultou em 14 mortes, em dois grandes acidentes — o primeiro foi a explosão do Challenger, durante o lançamento, em janeiro de 1986.

Algumas das recomendações do relatório da equipe de Clark foram absorvidas pelas gerações seguintes de naves, inclusive as que futuramente vão levar pessoas a Lua e Marte.

Claro que algumas pessoas tiveram um papel na perda do Columbia, pois sabiam que poderia haver um problema e não deram a devida importância, mas ninguém queria que algo assim acontecesse. Você precisa encontrar a causa e não a culpa. Agora as viagens são muito mais seguras por causa das lições aprendidas com o Ônibus Espacial.
Jonathan Clark

Hoje, ele é pesquisador e professor de neurologia e medicina espacial em faculdades do Texas, além de consultor de empresas aeroespaciais. E de alguma forma mantém Laurel viva, contando sua história pra o mundo. Clark veio ao Brasil em julho, para participar do Space Studies Program, que este ano aconteceu por aqui, em São José dos Campos (SP).

Ele resume em duas perguntas a maneira como encara as adversidades: Podemos mudar algo para que isso não aconteça na próxima vez? Qual a oportunidade de crescimento aqui? "Esta é a maneira como resolvi lidar, na esperança de que algo bom possa vir de algo ruim. Isso vale para qualquer problema com o qual nos deparamos na vida."

Voar no espaço é sempre perigoso. Você está indo muito rápido, muito alto, com muita energia. Quando você faz isso, sabe que há riscos. 20 anos depois, ainda dói, mas de uma maneira boa. Laurel foi uma heroína. Ela morreu servindo seu país, fazendo o que amava, com pessoas que amava.
Jonathan Clark

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