Por que tem gente que gosta tanto do cheiro da gasolina?
Julia Moióli
Colaboração para Tilt, em São Paulo
20/08/2023 04h00
Você é do tipo de pessoa que fecha todas as janelas do carro quando chega no posto para abastecer ou, pelo contrário, abre os vidros e pensa: "que cheirinho bom de gasolina"?
Se faz parte do segundo grupo e tem vergonha de assumir a estranheza, relaxe. Existe explicação científica para o seu gosto. Há duas teorias possíveis para justificar o apreço pelo aroma do combustível: ele aciona memórias e/ou seus compostos químicos funcionam como entorpecentes. Como? Confira a seguir.
Da bomba de gasolina ao cérebro
Como todos os odores, o cheiro de gasolina está em moléculas voláteis que flutuam no ar.
Quando inspiramos, elas entram pelo nariz junto com o ar e se depositam no epitélio olfatório, que contém neurônios sensoriais olfativos.
Esses neurônios se conectam ao cérebro, mais especificamente aos bulbos olfativos.
De lá, as informações olfativas são encaminhadas para o córtex olfativo primário, ligado ao sistema límbico, onde ficam as estruturas cerebrais responsáveis pela emoção - amígdala e hipocampo - e, então, ao córtex orbitofrontal, que também recebe sinais ligados ao paladar.
Na sequência, partem para o neocórtex, onde ocorre o processamento cognitivo.
O poder da nostalgia
A primeira explicação para quem gosta do cheiro da gasolina teria a ver com a possibilidade de o aroma acionar lembranças nostálgicas de uma pessoa, como um passeio especial ou uma viagem de carro no verão.
A teoria tem ligação com o "fenômeno Proust", em referência ao escritor francês Marcel Proust, que descreveu uma memória intensa de sua infância desencadeada pelo cheiro dos biscoitos madalenas molhados em chá.
Uma das maiores experiências já realizada sobre odores no mundo, feita em 1987 pela revista norte-americana National Geographic, comprovou o "fenômeno Proust" na prática. Dos cerca de 1,5 milhão de leitores que participaram e cheiraram cartões com "raspadinha" de seis odores diferentes, 55% na faixa dos 20 anos afirmaram ter pelo menos uma memória vívida sugerida por um dos cheiros.
Apesar de a conexão com as lembranças também valer para outros sentidos, como audição (uma música) e paladar (uma comida), o olfato seria ainda mais poderoso. Isso porque antes de levar os estímulos para as partes do cérebro responsáveis pelas emoções e pela memória, os neurônios olfativos fazem um caminho diferente, passando por áreas mais especificamente ligadas ao olfato.
O poder de entorpecer
Já a segunda hipótese utilizada pelos cientistas para explicar por que algumas pessoas gostam do cheiro da gasolina está relacionada ao poder entorpecente do benzeno (composto presente no combustível) no sistema mesolímbico.
Ao levar à liberação de dopamina, ele causa uma espécie de euforia temporária - mesmo representando apenas 1% da gasolina. Isso porque evapora rapidamente, fazendo com que seu cheiro forte se espalhe no ambiente.
De acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer), o benzeno é altamente tóxico e cancerígeno e, apesar de não haver limite seguro de exposição, pessoas que trabalham diretamente em contato com o composto correm mais risco.
Ele pode causar sonolência, tontura, dor de cabeça, náuseas, taquicardia, dificuldade respiratória e, em excesso, até perda da consciência e morte, além de efeitos crônicos, como anemia, diminuição das células de defesa do organismo e sangramento excessivo (no nariz, por exemplo) e problemas de pele.
Independentemente do motivo, vale saber que esse gosto pelo cheiro de gasolina é compartilhado por muita gente. Tanto que a fabricante de automóveis Ford lançou em 2021 um perfume com o aroma do combustível, especialmente para quem dirige carros elétricos e sente sua falta — de acordo com a marca, esse número chegaria a 70% dos compradores de elétricos.
Gostos em comum
Apesar de certas diferenças, cientistas suecos e britânicos descobriram que, em geral, o ser humano tem as mesmas preferências quando o assunto é cheiro, e isso está relacionado à evolução. Foi identificando cheiros "suspeitos", como o de comida podre, que a espécie sobreviveu.
Os pesquisadores chegaram a essa conclusão após realizarem um experimento com mais de 200 pessoas de diferentes países e culturas.
Uma outra curiosidade: o estudo descobriu ainda que o aroma preferido das pessoas é o de baunilha. Já o menos agradável é o do ácido isovalérico, presente no queijo, no suco de maçã e no chulé.
Outras fontes consultadas: Chemical Senses, Current Opinion in Psychology, Dana Foundation, Karolinska Institutet e The Harvard Gazette
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