Rivais da indústria se unem para metaverso virar realidade no Brasil
A empresa por trás de Facebook, Instagram e WhatsApp até mudou de nome para Meta na esperança de que ele fosse o futuro de seus negócios, mas hoje finge que não é com ela quando o assunto surge. Deixado de lado após a euforia esvaziada diante do desdém dos consumidores, o metaverso foi abraçado por um segmento inesperado e distante das redes sociais: a indústria.
O movimento mundial ganhou no Brasil um capítulo ainda mais inusitado quando um grupo de 30 empresas, muitas delas rivais, se juntou no fim de agosto para fazer a tecnologia virar realidade no país. Sob o nome de Metaindustria, elas guiarão outras 100 companhias em uma jornada digital que compreenderá de soluções de robótica ao uso do 5G na fábrica, passando pelo uso de inteligência artificial.
Fruto de uma parceria entre ABDI (Agência Brasileiro de Desenvolvimento Industrial) e a SPI, o projeto funcionará até 2025 e pretende catapultar o Brasil para a indústria 4.0, que exige ampla conectividade e intenso uso de dados para tomar decisões, das mais operacionais (consertar uma máquina) às estratégicas (ampliar uma planta fabril ou construir outra fábrica). O investimento da agência será de R$ 5 milhões, com contrapartida de 10% da SPI.
A ABDI é ligada ao MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços).
A indústria 4.0 passa por esse caminho. Nós não vamos chegar à desejada digitalização se não formos capazes de difundir tecnologia acessível. Não faremos isso pelo Estado, mas sim pela iniciativa privada. E o que temos de fazer é fomentar a pesquisa e a inovação e depois garantir a todos que querem
Márcio Rosa, secretário-executivo do MDIC
Quando abrigava lojas de comércio eletrônico, shows de música e ambientes para encontros virtuais, o metaverso juntava um punhado de gente. Agora, sob a guarida da indústria, ele é uma das apostas para renovar o parque industrial brasileiro.
A tecnologia às vezes é desenhada por um público, mas apropriada por outro. A gente pensou que o metaverso seria para a indústria de games ou o comércio eletrônico, mas ele se mostrou uma possibilidade para as empresas usarem nos seus processos. As companhias fizeram um cálculo: vale mais a pena treinar o trabalhador no metaverso com uma carga maior e mais efetividade do que nos processos presenciais
Bruno Jorge, gerente de Difusão e Tecnologias da ABDI
Amigas, mas rivais
Quando o assunto é fornecer equipamentos para automação industrial, a norte-americana Rockwell Automation, a alemã Siemens e a francesa Dassault Systèmes são concorrentes. O mesmo ocorre entre a finlandesa Nokia e a norte-americana Qualcomm para conectividade.
Ainda assim, elas toparam unir forças neste projeto. "Já na segunda reunião, alguém disse que, da porta pra dentro, o objetivo era deixar as diferenças de lado e focar no que nos unia", conta Valdenio Araújo, analista da ABDI.
Essas empresas prestarão uma espécie de consultoria para as companhias que se inscreverem no projeto. A missão será desenhar projetos com base nos objetivos de negócios de curto, médio e longo prazo das participantes. Cada uma dessas iniciativas girará em torno de um dos sete verticais:
- Rede 5G: a banda larga de quinta geração pode conectar máquinas para melhorar a segurança das fábricas e agilizar a operação. As colaboradoras serão N&DC, Nokia e Nokia Bell Labs.
- Fábrica 5.0: plantas industriais e de escritórios recriadas inteiramente no mundo virtual permitem que produtos e processos sejam testados digitalmente antes de serem implementados fisicamente. Esse tipo de procedimento costuma fazer empresas pouparem dinheiro, como ocorreu com a montadora francesa Renault. Prestes a implantar uma fábrica na Argentina, ela descobriu ao fazer uma simulação digital que, caso tivesse de mover uma máquina, teria de reconstruir o teto. O prejuízo seria de 600 mil euros (R$ 3,2 milhões), conta Luis Roberto Egreja, diretor da Sociedade Internacional de Automação e executivo da Dassault. Solução: mexeram nas plantas e ampliaram o pé direito em 10 centímetros. As colaboradoras serão Dassault, Virtual Plant, ESS, Nvidia, SGS, Cristina Cuppone Designer.
- Trabalho em grupo 5.0: tecnologia de reconhecimento de imagem e de conectividade podem ser usadas para intensificar o trabalho conjunto e diminuir acidentes de trabalho. Algumas das soluções são câmeras que detectam se empregados estão usando equipamentos de segurança e capacetes que rastreiam a localização de funcionários e avisam se eles sofrerem algum acidente. As colaboradoras serão Qualcomm Brasil, SiDi, Contric, Dimensional, Labsoft.
- Processos 5.0: fábricas autônomas exigem um redesenho de fluxo de trabalho que podem ser simulados digitalmente antes de executados. As colaboradoras serão Siemens, Nvidia, Promon Engenharia, Phoenix Contact, SGS.
- Produção 5.0: a integração entre robótica e inteligência artificial substitui humanos em atividades insalubres, monótonas e repetitivas, de movo que a operação industrial seja menos perigosa. As colaboradoras serão Dassault, Virtual Plant, ESS, Nvidia, SGS, Cristina Cuppone Designer.
- Logística 5.0: uso da tecnologia para monitorar em tempo real as condições que asseguram a qualidade dos produtos durante o transporte. As colaboradoras serão Qualcomm Brasil e Dassault.
- Gerenciamento 5.0: comunhão de sensores de internet das coisas, 5G e wi-fi para usar dados obtidos em tempo real de máquinas, fábricas e funcionários para tomar decisões cruciais. As colaboradoras serão Rockwell, EDGE, Suport, Eletronor.
Quem não é titã precisa cooperar para vencer
As aplicações elaboradas pelos grupos serão realizadas em dois centros de engenharia, um em São Leopoldo (RS) e outro em São Caetano do Sul (SP), que será inaugurado em novembro deste ano. Outros quatro laboratórios temáticos ainda serão incorporados ao projeto.
A prova de conceito do que for criado durará três meses. Após esse período, serão dois os caminhos, afirmam analistas da ABDI: ou a empresa participante decide investir na tecnologia para implementá-la internamente ou a ABDI aporta recursos financeiros no projeto. Para esse segundo passo acontecer, porém, a agência precisa avaliar que há potencial de replicação para o restante da indústria.
A gente acredita no potencial multiplicador da tecnologia. Por isso, vamos coletar dados das empresas que passarem pelo programa. Em outro projeto nosso, uma aplicação de inteligência artificial consumiu R$ 300 mil em investimento, mas teve ganho de R$ 5 milhões anuais. Nem todas as tecnologias são assim. Mas a gente vai multiplicar [as ações] para as indústrias, porque acredita que o valor vai ser muito maior que o investido
Bruno Jorge, da ABDI
No fundo, continua o gerente, o propósito da Metaindustria é provar que um ecossistema, e não apenas uma única empresa, é capaz de resolver os gargalos da indústria. Para exemplificar seu ponto, ele algumas das conclusões do livro "Os nove titás da IA", em que a futurista Amy Webb discorre sobre como Amazon, Google, Facebook, Tencent, Baidu, Alibaba, Microsoft, IBM e Apple se tornaram empresas capazes de sozinhas mudar os rumos do mundo.
"O resto do mundo tem que cooperar", comenta ele. "E no Brasil, esse desafio é ainda mais difícil, seja pelos aspectos de cooperação intelectual, culturais ou de concorrência."
É por isso que o projeto provoca grandes empresas a encampar poucas verticais em vez de abraçar todas elas, explica Jorge.
O gerente da ABDI explica ainda que, além de ajudar empresas a atravessar a jornada da transformação digital, o Metaindustria pode resultar em políticas públicas do MDIC de fomento a iniciativas conjuntas de inovação.
Eu tenho aqui parceiros que possuem todas as soluções, caso de Siemens ou Rockwell, mas que estão contribuindo só com um pedaço. Eles entendem que estar junto mesmo com um pedaço é melhor do que estar sozinho com tudo. A indústria tem vários fornecedores, então essa forma de trabalhar conjuntamente é nosso propósito
Bruno Jorge, da ABDI
*o jornalista viajou a convite da ABDI