Ninguém fez mais que nós para cortar emissão de CO2, diz criador do Waze
Talvez você não conheça Uri Levine pelo nome, mas já foi impactado por algum dos negócios que criado pelo empresário israelense. Ele foi um dos fundadores do Waze, aplicativo criado para driblar o trânsito, vendido ao Google por mais de US$ 1,1 bilhão (R$ 5,4 bilhões) em 2013, e um dos primeiros a investir no Moovit, app para traçar rotas só com transporte público, vendido à Intel por cerca de US$ 1 bilhão em 2020.
Agora, ele converteu sua experiência no livro "Apaixone-se pelo Problema, Não pela Solução", lançado no Brasil pela editora Citadel. Embora a obra foque em sua vertente empreendedora, Levine não foge da discussão sobre questões de mobilidade urbana. Entusiasta do transporte público, ele defende limitar a circulação de carros e diz que, por meio de suas criações, fez mais para reduzir a emissão de gás carbônico do que muito ministro de transporte por aí. Leia a entrevista com o empresário a seguir.
Tilt - O nome do seu livro é "Apaixone-se pelo Problema, Não pela Solução". Depois de Waze e Moovit, qual é o próximo problema de mobilidade em que você está pensando?
Uri Levine - Eu estou atualmente trabalhando em outro problema de mobilidade, que é estacionar. Uma das minhas startups, Pumba, está tentando lidar com isso, e espero que em breve ela esteja disponível no Brasil. Ainda há muito o que fazer.
Tilt - Estacionar é um problema porque aumenta o tempo que você passa no carro?
Uri Levine - Sim. Se você está procurando uma vaga, isso tem impacto no trânsito em geral. O tempo que você desperdiça nessa busca é muito significativo.
Tilt - O Waze foi criado para o motorista evitar engarrafamentos. Mas, hoje em dia, todo mundo usa. Por isso, há críticas de que o trânsito não acabou, só se deslocou. Você acha que são justas?
Uri Levine - Obviamente há mais engarrafamentos hoje do que quando criamos o Waze. Mas, se as pessoas não estivessem usando o Waze, haveria ainda mais. O que o Waze faz é distribuir o tráfego por outras vias e otimizar o sistema todo.
Tilt - Mas o que precisa ser feito para evitar engarrafamentos? As autoridades não estão usando a tecnologia de forma adequada?
Uri Levine - As autoridades não precisam usar tecnologia, elas precisam usar seu poder de decisão. A natureza do monstro dos engarrafamentos é que o número de passageiros por veículo é muito pequeno. Ocupamos mais espaço do que deveríamos. As autoridades têm o papel de influenciar as pessoas a usar transporte público, oferecendo um sistema muito bom e muito eficiente. É a única coisa que vai mudar drasticamente os engarrafamentos.
Tilt - Mas, em países como o Brasil, que tem problemas com a pobreza, carro não é só uma questão de transporte. É visto como status social. Deveríamos então ver os carros de outra forma?
Uri Levine - Quando escolhem sua opção de mobilidade, as pessoas levam em conta a conveniência, a velocidade e o custo. Se eu só consigo ir da minha casa ao meu trabalho de uma forma, isso é irrelevante. Mas, se há um sistema que me permite ter uma escolha que seja mais conveniente do que usar meu carro, e que seja rápida e mais barata, então eu vou escolher isso.
Tilt - Então o problema está na falta de oferta?
Uri Levine - Vamos pegar São Paulo como exemplo e decretar que metade das vias será usada apenas pelo transporte público e a outra metade pelos carros. O resultado é que a metade usada pelo transporte público estará vazia, com um sistema de transporte muito rápido, que permitirá a você ir a qualquer lugar. Isso é difícil de implementar? É uma decisão difícil, mas é fácil de implementar.
Tilt - Mas o custo político para quem tomar essa decisão pode ser muito alto.
Uri Levine - Eu entendo. Mas, ao mesmo tempo, devo dizer, é preciso tomar decisões difíceis. Não é possível fazer isso em pequena escala, o sistema precisa estar disponível em todo lugar, só assim irá funcionar. Se eu fosse o prefeito de São Paulo, eu pensaria que isso pode mudar a trajetória da cidade para sempre. Isso vai me custar a reeleição? Depende de se eu vou atingir meu objetivo.
Tilt - Alguns países, como a China, estão investindo mais em ferrovias. Seria esse um jeito de vencer os engarrafamentos de vez?
Uri Levine - O que há de especial numa ferrovia? O fato de não haver outros veículos nela. Se construirmos um sistema de transporte público que ocupa de forma exclusiva metade das ruas, nem precisamos investir em infraestrutura. Ela já existe. Se quer comparar essa ideia com algo, pense num elevador, que só sobe e desce o tempo todo. Se tivermos veículos fazendo isso, esse é provavelmente o melhor jeito de transportar pessoas.
Tilt - Hoje, o Google é dono do Waze e também do seu maior concorrente, o Google Maps. Quão perigoso é uma única empresa saber tanto sobre os caminhos que usamos diariamente?
Uri Levine - A maioria das pessoas não se importa com a privacidade. Colocamos tudo sobre nossa vida no Instagram e no Facebook e não nos importamos. O Waze, obviamente, sabe onde você está. Esse é um mundo em que a privacidade não existe mais.
Tilt - Mas o sr. faz parte da indústria da tecnologia. Não é um problema recorrermos à tecnologia para tudo?
Uri Levine - Sim, problemas pequenos não devem ser solucionados pela tecnologia. Mas, para os grandes problemas, em geral, a tecnologia será muito útil, e na maioria dos usos, há um valor sendo criado.
Tilt - Atualmente, fala-se muito em reduzir as emissões de carbono. Alguns críticos dizem que os apps em que o sr. trabalhou vão no sentido contrário, oferecendo alternativas a quem anda de carro. Como o sr. vê isso?
Uri Levine - Eu diria que tanto o Waze quanto o Moovit contribuíram mais para baixar as emissões de carbono do que qualquer pessoa no planeta. No fim das contas, se eu reduzo a quantia de tempo que você passa num engarrafamento, e eu faço isso para milhões de pessoas todos os dias, então o impacto na redução de emissão de carbono é muito mais dramático que [o realizado por] qualquer ministro do transporte de qualquer país.
Tilt - Atualmente, há uma onda de desapontamento de parte do público com executivos das empresas de tecnologia, em especial os bilionários. Esperava-se que seus negócios disruptivos resolvessem questões cotidianas, mas muitos creem que eles criaram outros problemas que não existiam. Qual a opinião do sr. sobre isso?
Uri Levine - Suponhamos que tivéssemos uma máquina do tempo e fôssemos para 2008. Isso significa que você perderia seu iPhone, o WhatsApp, a Netflix, a Uber e basicamente tudo que usamos todo dia. É como se voltássemos à idade das trevas. Nós precisamos da inovação tecnológica para mudar o mundo. E, não necessariamente todas, mas a ampla maioria dessas mudanças faz do mundo um lugar melhor. Para ter inovação, precisamos de inovadores. Precisamos dessas pessoas que estão dispostas a sacrificar tudo para se aventurar em jornadas muito desafiadoras.
Newsletter
Um boletim com as novidades e lançamentos da semana e um papo sobre novas tecnologias. Toda sexta.
Quero receberTilt - O sr. mencionou o conceito de "criar valor" ao resolver problemas cotidianos. Ao tentar solucioná-los pensando apenas em ganhar dinheiro, não se distorce o propósito de buscar a solução?
Uri Levine - Você está certo. Se seu ponto de vista é que você vai ganhar dinheiro, você tem menos chances de obter sucesso. Se seu ponto de vista é "eu vou criar valor, e o resultado disso é que eu serei bem sucedido", suas chances são bem maiores. A razão é simples: se você criar valor, você terá muitos clientes, e isso o levará ao sucesso. Mas construir valor é uma longa jornada. Leva tempo, esforço e a muitos fracassos.
Deixe seu comentário