Titânio? Câmera? Maior salto do iPhone 15 não foi nada disso, mas muda tudo
De Tilt, em Cupertino (EUA)* e de São Paulo
15/09/2023 04h00Atualizada em 28/09/2023 16h54
Celular de titânio, novos formatos de zoom, botão de ação customizado. Ao anunciar suas novas linhas iPhone 15 e 15 Pro nesta terça-feira (12), foram esses recursos que a Apple destacou. Contudo, eles não chegam nem perto da relevância que representa a maior mudança introduzida nos celulares da maçã nos últimos anos.
Esse "prêmio" vai parar o recurso que matou um padrão exclusivo de recarga e transferência de dados que a empresa usa há tempos em seus smartphones. A partir deste ano: adeus, porta Lightning para novos iPhones. Olá, USB-C, atualmente a mais universal das conexões.
Com um único cabo será possível recarregar o iPhone (os novos) e outros produtos. E não só da Apple. De outras marcas também.
O que é o USB-C?
- USB é uma sigla que significa Universal Serial Bus, ou barramento serial universal. Ela não se refere ao cabo em si, mas a uma tecnologia de transmissão de dados.
- A letra C representa um dos tipos dessa conexão -- também existem USB tipo B e USB tipo A (aquele mais retangular).
- Estão presentes há anos em diferentes eletrônicos, como celulares, notebooks, caixas de som, fones de ouvido e TVs.
- O USB-C é o padrão mais moderno e permite transferências de grandes volumes de dados e com maior velocidade.
- Tem ainda a facilidade de encaixe, já que é igual dos dois lados. É só conectar ao dispositivo sem se preocupar.
- Cabos mais novos possuem as duas pontas com USB-C (o que é melhor e mais rápido); no caso a Apple, uma delas era Lightning (como na foto abaixo). Outros possuem o lado que vai no carregador com USB-A.
Por que a Apple mudou tudo só agora?
Mesmo usando o padrão Lightning por anos e antes dele o conector 30 pinos, a Apple destacou em seu evento que a entrada USB-C tem velocidades de transferências "incrivelmente rápidas".
Nos iPhones 15 Pro e 15 Pro Max, equipados com o chip A17, as transferências via USB-C (com o cabo mais potente) serão três vezes mais rápidas para dar conta de grandes arquivos, como vídeos em 4K.
A realidade é que a empresa não fez isso por vontade própria. Muito da mudança agora em 2023 tem a ver com a pressão exercida pela União Europeia sobre a indústria de eletrônicos para fabricantes utilizarem um padrão único de sistema de recarga e dados. E o escolhido foi o USB-C.
Uma nova lei do bloco, aprovada em junho de 2022, estabelecia o final de 2024 como prazo para a mudança ocorrer entre eletrônicos (somente notebooks terão um prazo maior). Depois disso, nada de vender aparelhos fora da regra.
Hoje tornamos o carregador universal uma realidade na Europa para consumidores que estavam frustrados com múltiplos carregadores se acumulando a cada novo dispositivo. Os consumidores europeus ficaram frustrados por muito tempo ao acumular vários carregadores a cada novo dispositivo. Agora eles serão capazes de usar um único carregador para todos os seus eletrônicos portáteis
Alex Agius Saliba, deputado do Parlamento Europeu e relator da proposta
Vantagens para o consumidor
- Velocidades mais rápidas;
- Menos gasto ao usar um único cabo para o celular, tablet, GPS, câmeras digitais e consoles de videogames;
- Mais sustentável, pois tende a diminuir a produção desses acessórios, o que elimina os resíduos gerados na fabricação.
A Apple publicamente se mostrou resistente a aderir à mudança no iPhone. Ao tentar frear a aprovação da lei na União Europeia, os argumentos da maçã envolveram:
Dois anos para a adaptação seria tempo insuficiente.
A exigência da porta USB-C no momento poderia frear o avanço de inovações da companhia em seus produtos.
Os argumentos certamente não funcionaram. A Apple resolveu se antecipar e adotar a mudança não só apenas no bloco europeu, mas para os seus celulares vendidos ao redor do mundo.
Analisando por esse ângulo, a impressão que fica é que a Apple perdeu a guerra. Uma olhada mais atenta ao histórico da empresa e outros movimentos feitos por ela traz uma visão diferente: ela talvez tenha perdido apenas uma das batalhas.
Recordar é viver
Conector de 30 pinos: já foi o padrão usado no iPod de 3ª geração e posteriormente no iPhone. De um lado do cabo, o conector era assim e do outro tinha uma porta USB.
Lightning: chegou pela primeira vez em setembro de 2012 com o lançamento do iPhone 5. Na época, permitia maior velocidade do que o de 30 pinos, além de ser menor.
A empresa insistiu tanto no formato que, com o iPhone 7 (de 2016), ela matou a entrada P2, aquela redondinha, e usou o seu próprio padrão para conectar fones de ouvido.
USB-C: começou a ser usado pela Apple no MacBook de 12 polegadas lançado em 2015. A questão de obrigar os consumidores a usarem adaptadores permaneceu diante da fase de transição.
MagSafe: sistema de carregamento com ajuda de ímas. Com a versão mais moderna, adotada a partir de 2020 com o iPhone 12, é só posicionar atrás do celular e ele começa a carregar sem fios.
A Apple está perdendo ou ganhando essa guerra?
De partida, aderir ao USB-C livrará a Apple de dores de cabeça em um mercado importante como o da União Europeia e ainda dará à companhia a oportunidade de fazer o que faz melhor: lucrar com a venda de adaptadores para os fãs fiéis de todo o mundo usarem em seus novos iPhones os cabos dos aparelhos antigos — e vice-versa.
Com o tempo, à medida que esses acessórios temporários se tornarem inúteis, é de se esperar que a quimera de ter um só cabo para carregar todos os aparelhos vire realidade, certo? Em partes. Antes do lançamento, o boato era que a Apple trabalhava em travas lógicas para só os cabos USB-C dela funcionarem em seus aparelhos. Isso obviamente seria um grande drible à regra europeia, e a ideia não deve vingar.
É por isso que a adesão da Apple ao USB-C é boa notícia para indústria de eletrônicos, pois tende a forçar outros fabricantes a adotarem esse padrão, graças à força gravitacional da companhia — no passado, até esteiras de academia tinham entradas de 30 pinos para plugar iPhones; ainda hoje, anos após celulares Android abraçarem o USB-C, os aviões só têm portas USB-A para carregar aparelhos. O mesmo ocorre nos plugs de tomada e sistemas para carregamento de bateria em carros, ônibus, aeroportos...
Alguns saudosos até podem achar que estamos diante da reedição do fim da guerra entre Betamax e VHS, os dois formatos de fita caseira que brigaram nos anos 1970 e 1980. Isso, porém, é analisar a disputa com olhos no passado, quando, na verdade, a Apple parece estar travando uma batalha com o pé no futuro.
Em algum momento, é mais do que certo que nossos telefones carregarão sem precisarmos plugar um cabo neles. E a Apple vai na dianteira. Há anos, ela desenvolve o carregador magnético MagSafe. Além disso, o sistema operacional do iPhone já transfere dados sem a necessidade de fios, bastando aproximar um aparelho do outro — é o caso do AirDrop e do Namedrop. Para os demais dados, bastará que a empresa invente alguma moda.
Não é difícil imaginar um iPhone sem entrada alguma, seja para recarregar a bateria ou enviar arquivos. Aliás, é até possível que vejamos um celular da Apple com zero abertura no futuro — alguns modelos de iPhone nem possuem a bandeja para simCard, já que usam o eSim, um chip de celular virtual.
Por tudo isso, é melhor não condenar o Lightning ou a Apple à prateleira da história onde estão Betamax, Blu-ray e outras tecnologias que foram superadas por rivais mais populares. Talvez o que está nascendo é algo próximo do streaming para a realidade dos smartphones - pergunte a VHS e DVD o que acham dele.
E, cedendo momentaneamente a uma invasão estrangeira em seus flancos, a Apple caminha silenciosamente, mas a passos largos para fechar de vez seu produto mais valioso em torno de um ecossistema para o qual só ela tem a chave.
*A jornalista viajou a convite da Apple
**Com informações de reportagem de Rodrigo Lara, publicada em Tilt em 2020