IA não será substituta, pois ideias vêm das pessoas, diz chefona do YouTube

Três anos após surfar a onda dos vídeos curtos, que faz do rival TikTok um mestre em sequestrar atenções, o YouTube vai usar sua própria plataforma de conteúdos rápidos, o Shorts, para abraçar outra moda: a inteligência artificial.

Ainda em 2023 nos Estados Unidos e a partir de 2024 no Brasil, criadores poderão criar cenários para vídeos a partir de comandos de texto - por exemplo: vulcões de pipoca, praias de jujuba etc. Chamado de Tela Fantástica, o recurso será só o primeiro item do pacotão de IA do YouTube, que incluirá de aplicativo para editar vídeos curtos —lembra o Capcut, app para vídeos do TikTok— a robô que dá sugestões de novas produções. Se a última enxurrada de anúncios de IA do Google deixou desenvolvedores preocupados, essa promete mexer com criadores. Em conversa exclusiva com Tilt, a diretora para Shorts, Sarad Ali, jura que eles não têm com que se preocupar.

A [IA] é uma forma de dar vida à criatividade humana. [IA] não pode ser uma substituta, as ideias vêm das pessoas (...) o que importa são as ideias e a narrativa. A tecnologia apenas torna tudo mais fácil, rápido e elimina a parte tediosa. Sarah Ali, diretora do YouTube Shorts

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Quanto tempo até vocês liberarem ferramentas que permitam aos criadores elaborar vídeos inteiramente com IA?
Sarah Ali -
Na raiz de todo o conteúdo incrível do YouTube está o criador, o humano, que têm as ideias e sabe o que fazer. Você poderia até imaginar um criador pegando uma tela verde, colocando um vídeo rodando em loop e isso vira o Short inteiro. e de repente terá gente falando sobre isso, certo? Então, mesmo hoje você já poderia criar todo o seu vídeo [com IA]. Mas pensamos que estamos criando os ingredientes para entrar no seu vídeo e cabe ao criador decidir como usá-los.

Veremos cada vez mais ferramentas para ajudar nossos criadores e pessoas que estejam criando pela primeira vez a serem mais criativas e a juntarem tudo junto. A principal conclusão para mim é que o que importa são as ideias e a narrativa, e a tecnologia apenas torna tudo mais fácil, rápido e elimina a parte tediosa.

Quando eu cresci, se você queria somar um monte de números, tinha que anotá-los, fazer a conta na sua cabeça, escrever, riscar aqui e ali e transportar os números. Agora, eu não faço isso. Não é como se meu cérebro não se importasse com adicionar. Coloco em uma planilha e ela me diz o resultado total, algo mais fácil para eu me concentrar em outras coisas, ser mais produtiva e fazer o que faço de melhor.

Tilt - Qual será o papel da IA generativa daqui pra frente? Terá o mesmo peso que a câmera ou as plataformas de edição?
Sarah Ali -
Essa tecnologia abre muitas possibilidades, assim como o telefone fez. Com o celular na mão, eu não poderia ter imaginado --talvez você pudesse-- os tipos de possibilidades que iria desbloquear. É engraçado que, quando eu era criança, o telefone não tinha câmera, e eu sempre gosto de brincar que lembro de mostrar um celular de brinquedo ao meu filho e ele perguntar de cara, 'onde está a câmera?'. Veja quanto criatividade foi desbloqueada pela câmera, que era só uma das partes do celular. Tem ainda todo o resto.

É a mesma coisa com a IA generativa, em que estamos só no começo. Com certeza, vai ser outro ingrediente criativos para dar vida às ideias com mais rapidez. A ajuda na edição tem IA, assim como por trás daquela ferramenta de match de música e no recurso de redução de ruído de áudio que mostramos.

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Já trabalhamos com IA há muito tempo e de maneiras diferentes. Agora, trazemos essas ferramentas criativas. Veremos mais e mais e delas, pois vamos construir com a comunidade criativa. Porque é daí que realmente virão as ideias incríveis para os vídeos. [A IA] é transformacional.

Tilt - Ela é tão transformacional quanto foi o smartphone para criadores no começo do YouTube?
Sarah Ali -
Enquanto estávamos conversando, pensei que, quando eu era criança, para contar sua história, você não poderia simplesmente decidir aparecer na TV. Tinha que dar a sorte de alguém escolher você ou conhecer alguém, e ainda assim o dinheiro era limitado. A internet e o YouTube abrem tudo isso e de repente não há barreiras de entradas para alcançar todo o mundo.

Ao mudamos para celulares, a partir do que você poderia criar e onde também poderia ver em qualquer lugar, pessoas que nunca tiveram computadores puderam ver. E depois isso foi parar na tela da TV. Nossos criadores nunca precisaram pensar em como o conteúdo deles viraria um programa de TV. É incrível ver como chegamos até aqui. Então [AI] é simplesmente o próximo passo nesta jornada.

Tilt - Quais serão os próximos passos nessas jornadas?
Sarah Ali -
Na verdade, o próximo passo é colocar isso nas mãos dos criadores e ver o que eles criam. Isso vai nos inspirar para criar as próximos coisas que os ajudarão. Essa é a abordagem criativa. O outro ângulo é livrá-los das tarefas tediosas e servis. Quando você conversa com os criadores, eles querem gastar seu tempo sendo criativos e fazendo o que amam, seja criando vídeos ou se conectando-se com seus fãs. Uma saída é imaginar todas as coisas nesse processo de edição que podemos facilitar por meio de IA generativa. Apenas imagine e no futuro a IA poderá ajudar com isso.

Tilt - No futuro, veremos mais vídeos feitos por IA do que por humanos?
Sarah Ali -
Eu acho que o humano está no centro, porque ele é a centelha da criatividade. Essa é a singularidade: as pessoas querem ouvir as histórias de outras pessoas. Hoje, se estou assistindo um vídeo, não fico me perguntando se foi feito por um telefone celular ou não. Algo assim foi feito pelo criador por trás do vídeo.

E [com a IA] vai ser da mesma forma. [IA] é uma forma de dar vida à criatividade humana. [IA] não pode ser uma substituta, as ideias vêm das pessoas.

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Tilt - Muitos profissionais temem o surgimento da IA generativa. E agora o YouTube, uma das maiores plataformas de streaming, está liberando todos esses recursos. Como vocês estão gerenciando esse medo que pode estar surgindo entre os criadores?
Sarah Ali -
É por isso que queremos construir essas coisas junto com os criadores e dar acesso a eles. Eu acho que [esse receio] é muito natural quando algo novo surge, e as tecnologias surgem para pensarmos nas oportunidades, mas há partes que são desconhecidas. Quando olharmos em retrospectiva, diremos que este foi um novo começo para novas oportunidades.

Tilt - Que papel você acredita que os Shorts irão ter no futuro do YouTube?
Sarah Ali -
Queremos que você seja o melhor e o mais criativo em contar qualquer tipo de história, seja em formato curto ou longo. Para os criadores, é ir onde está o seu público. Para os que estão começando, diminui as barreiras e dá o direito de poder contar sua história.

É mais fácil contar uma história em 15 segundos pela primeira vez do que em mais tempo. Mas acho que essas 70 bilhões de visualizações mostram a variedade, pois são tantos tipos diferentes de criadores contando tantos tipos diferentes de histórias que acho que a resposta é diferente com base em onde eles estão em sua jornada criativa.

Os Shorts ajudam as pessoas a contar novos tipos de histórias e permite mais pessoas encontrarem acesso para criar. A IA generativa construída sobre os Shorts é, para mim, mais um continuum de algo que remonta às nossas raízes, que é a ideia de transmitir você mesmo.

Tilt - Como você vê o YouTube nessa batalha dos vídeos curtos com Instagram e TikTok?
Sarah Ali -
Minha equipe realmente não gosta de pensar dessa forma, então provavelmente você pode adivinhar minha resposta. O que fazemos é pensar, 'hey, há cerca de 2 bilhões de usuários acessando o YouTube todos os meses; como podemos atender as necessidades deles? Como descobrimos como nossos criadores se conectam a esse público?'. A partir daí, pensamos em quais são as novas ferramentas criativas que podemos oferecer para ajudá-los a serem mais criativos, como a Tela Fantástica. Mas você não faz esse tipo de inovação olhando para fora. Tem realmente que gostar e entender de tecnologia para compreender quais são as necessidades do usuário para casá-las com as oportunidades. É assim que pensamos sobre todos os produtos.

Tilt - Os Shorts do YouTube é um produto feito para celular por estar na vertical. Você acredita que os Shorts alcancem tanto sucesso que, no futuro, podem mudar a televisão no futuro e, em vez de serem horizontais, sejam verticais?
Sarah Ali -
Esse é um assunto muito pessoal para mim, porque, quando entrei no YouTube, comecei no time dos aplicativos para TV. E as pessoas ficavam dizendo que estávamos querendo sair da TV e ir para o celular, e o conteúdo do YouTube era curto, aqueles vídeos de gatos, como alguém iria assistir [na TV]? E eu acreditava que, como esse conteúdo era ótimo, deveria estar em qualquer tela, assim como deveríamos ir onde as pessoas estão.

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Quando iniciamos os Shorts, segui em frente para liderar nossa comunidade e os nossos esforços de criação cresceram. Quando criamos e lançamos os aplicativos de sala de estar, eu conversei com o líder dessa área porque as pessoas perguntavam se teríamos Shorts para TV algum dia. E nossa eram 'sim'. As grandes histórias merecem ser contadas em todas as telas. A qualidade está nos olhos do espectador. E as pessoas estão assistindo.

Tilt - Ainda assim, muitos criadores reclamam do dinheiro curto gerado com o Shorts. Esse formato ainda não atrai anunciantes?
Sarah Ali -
No ano passado, adorei termos anunciamos a divisão da receita com os criadores. Assim, à medida que crescemos, nossos criadores crescem. Antes, tínhamos um fundo, que não era bom, porque, à medida que há mais e mais criadores, há menos dinheiro para circular. E o que adoro em passarmos à publicidade, para um modelo de participação nos lucros, é que, à medida que Shorts crescem e anunciantes crescem junto, há mais oportunidades para os criadores também. Quando se trata disso, ainda estamos nos passos iniciais, mas há muito potencial.

*o jornalista viajou a convite do YouTube

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