Sexo e genética: seu carro sabe mais sobre sua vida do que você pensa
Os carros modernos são praticamente um computador ambulante, com câmeras, microfones, telas e diversos sensores. O problema é que eles não respeitam a privacidade dos motoristas: coletam dados e vendem informações para terceiros, sem dar controle sobre o que é captado.
As conclusões são de um relatório da Mozilla Foundation (entidade que desenvolveu o navegador Firefox), que analisou as políticas de privacidade de 25 marcas vendidas nos Estados Unidos.
Todas as empresas ganharam o selo "Privacidade não incluída", indicando a falta de respeito com as informações do motorista.
Segundo o relatório, por exemplo:
- a Nissan diz que pode obter dados de sua "atividade sexual", e a Kia diz que pode coletar informações sobre sua "vida sexual".
- Cadillac, GMC, Buick, Chevrolet, Kia e Nissan dizem coletar "características genéticas" ou "informações genéticas" --não fica claro como, uma vez que essas informações são obtidas por meio de exames clínicos.
Em comunicado enviado a Tilt, a Kia America diz que "não coleta nem nunca coletou informações da vida sexual ou orientação sexual de consumidores por meio do Kia Connect Services". A companhia diz que na sua política eles podem coletar informações de login e geolocalização. As outras empresas citadas (GM, dona das marcas Cadillac, GMC, Buick e Chevrolet; e Nissan) foram contatadas, mas não retornaram.
Ao todo, a Mozilla Foundation listou 133 dados que as empresas coletam, como localização, dados de sono, saúde, religião, íris, status migratório, fotos, informações de som, gravações de ocupantes do carro, entre outras.
Chama a atenção que há também coleta relacionada aos locais por onde a pessoa circula com o carro, como semáforos, trânsito, espaços para estacionar, imagens 3D ao redor do veículo, acidentes próximos ao veículo e condição de vias.
Marcas de carro entraram calmamente no negócio de dados, tornando os veículos máquinas poderosas de obtenção de informações. Máquinas que, devido aos muitos sensores, têm um poder incomparável de ver, ouvir e coletar informações sobre o que você faz e onde você vai com o seu carro.
Relatório da Mozilla Foundation
Como eles coletam
A maioria dos carros da atualidade conta com um computador que se conecta à internet, informa o levantamento. Este sistema recebe informações de microfones, câmeras, sensores sensíveis ao toque e várias ações realizadas no veículo, como dar seta, destravar portas ou até mesmo mover o volante.
Os carros mais atuais contam com aplicativos, que podem ser ligados remotamente e usam os sensores do próprio telefone para captar informações. Até parado o carro espiona a pessoa, segundo o relatório.
Enquanto seu carro aguarda uma resposta para seu comando, seus sensores estão, digamos, monitorando [o motorista]. Isso acontece, pois os data brokers [empresas que coletam informações e as revendem] da indústria automotiva conseguem vários sinais para identificar, por exemplo, o cansaço do motorista --que monitora o posicionamento dos olhos e da cabeça-- e batimentos cardíacos.
Relatório da Mozilla Foundation
Por meio desses sinais é possível decifrar ou inferir comportamentos dos condutores. A informação de atividade sexual e de genética, sugere o estudo, provavelmente é inferida, com base na junção de outros fatores não detalhados nas políticas de privacidade.
Para onde vão essas informações?
As empresas de carro dizem vender as informações para provedores de serviço, companhias de pesquisa e propaganda, revendas de veículo e data brokers (corretores de dados).
Ao disponibilizar para terceiros esses dados, eles podem ser usados para os mais diversos fins:
- Entender hábitos de uso do veículo. O que pode ser interessante para fabricantes de peças, para entender utilização de condutores de determinada região, ou corretoras de seguro.
- Direcionamento de propagandas online. Da mesma forma que ocorrem com farmácias que coletam CPF, é possível que empresas comprem dados coletados pelos carros e direcionem anúncios para motoristas. Exemplo: se um motorista vai sempre a uma rede de fast food, poderá receber propaganda de um concorrente com uma promoção.
Os dados também podem ser compartilhados com plataformas de mídias sociais, sistemas de veículos (como Apple Car Play e Android Auto) e governos —segundo a pesquisa.
O estudo aponta ainda que 17 das 25 empresas pesquisadas (68%) têm histórico de falha na proteção de dados. Eles citam vazamentos de dados de milhares de pessoas por grandes marcas.
O que fazer?
Dificilmente alguém compra carro pensando na política de privacidade. Em vez disso, fatores como potência, design e autonomia costumam ser decisivos.
A Mozilla Foundation espera chamar a atenção dos consumidores e das empresas de carro para a questão da privacidade e também para serem mais claras quanto ao uso de dados e o consentimento do motorista, previsto por leis como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), no Brasil, e a GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados), na comunidade europeia.
A entidade criou uma petição para "forçar as fabricantes a respeitarem" o direito à privacidade das pessoas.