Por que a Estônia, país mais digital do mundo, está atrás de brasileiros?
Apontada como a sociedade mais digital do mundo, a Estônia está em busca de brasileiros.
O governo da antiga integrante da União Soviética não quer, porém, que trabalhadores migrem para servir de mão de obra barata. Quer que eles abram lá suas empresas de tecnologia ou trabalhem em alguma das centenas de startups criadas em seu território.
Mas por que este pequeno país, com apenas 1,3 milhão de habitantes e área menor que a do Espírito Santo, quer atrair brasileiros? A resposta passa pelo futuro da Estônia.
Sociedade digital
Assim que se tornou independente da antiga União Soviética, em 1991, a Estônia investiu na digitalização, não só para recuperar o atraso tecnológico mas também para cavar seu espaço em um mundo cada vez mais competitivo.
Graças a esse esforço, 99% dos serviços públicos do país são fornecidos hoje pela internet. Isso inclui abertura de empresas, emissão de certidão de recém-nascidos, pagamento de taxas e até votação durante eleições.
O cérebro por trás disso é o X-Road. Esse grande banco de dados compartilhado por governo e empresas guarda informações de todos os cidadãos, e eles podem ter identidades digitais que fornecem facilidades inimagináveis para brasileiros. Por exemplo, ao avaliar um paciente, um médico tem acesso a todos os tratamentos, doenças e remédios tomados pelo doente no passado. Quando precisar alterar alguma coisa, como o endereço residencial, as pessoas precisam fazer isso uma vez só, pois tudo está ligado.
Devido a essa digitalização ampla, o país fomentou um eficiente ecossistema de empreendedorismo de tecnologia. Tanto é que se tornou o europeu com a maior quantidade de unicórnios (as startups de tecnologia avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) per capita. Expoentes desse movimento são Wise, Skype e Pipedrive.
Nos últimos cinco anos, o setor cresceu 30% ao ano, seja qual indicador se analise (receita, criação de empregos e capital investido). O plano da Estônia é continuar impulsionando o segmento, de modo que, em 2030, 30% do PIB resulte da exportação de tecnologia.
Só tem um problema: vai faltar gente capacitada para trabalhar nessas empresas.
Se continuarmos a crescer nesse ritmo, vamos precisar de 50 mil pessoas, mas só teremos 15 mil. Por sermos um país pequeno, vamos precisar de bastante gente. Como temos essa grande lacuna, buscamos novos talentos fora Annika Järs, gerente do programa Startup Visa
Ela é a responsável pela iniciativa do governo estoniano para conceder vistos a profissionais que trabalham em startups. Um dos objetivos é atrair os fundadores dessas empresas. Nos últimos anos, o foco esteve nas companhias vindas de Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia.
Como atrativos a essas empresas, Järs cita o ambiente de colaboração, em que veteranos e novatos podem trocar conhecimento constantemente, e as oportunidades de investimento. São cerca de 150 organizações de capital de risco, desde investidores-anjo até grandes fundos de investimento.
'A Estônia é uma mãe'
E onde entra o Brasil nessa história? Bom, os brasileiros são, ao lado de nigerianos e filipinos, uma das populações que mais pedem vistos à Estônia.
"Brasileiros são um dos principais públicos da Estônia, porque, como são 10 mil pessoas trabalhando no ecossistema de startup, essas 700 pessoas são bastante coisa", diz Järs.
Gabriela Rubino foi uma delas. Ela morava na Austrália até ir ao país europeu para trabalhar na Wise há cinco anos. Começou auxiliando clientes e três anos atrás passou a atuar com desenvolvimento de pessoas. Hoje, está de volta ao Brasil.
Não precisa ter background de fintech para trabalhar em uma fintech. Eu nem sou boa de conta. Cada um faz sua parte no mundo da tecnologia. Gabriela Rubino, especialista em desenvolvimento de pessoas e organizacional da Wise
O caso de Nemailla Bonturi é diferente. Depois de concluir o doutorado em engenharia química na Unicamp e sem perspectivas de continuar a carreira acadêmica no Brasil, ela migrou para ser pesquisadora da Universidade de Tartu, a mais antiga da Estônia. Depois mudou para a Universidade de Tecnologia de Tallinn, na capital do país. Lá, fundou com colegas de laboratório a Äio, nomeada em homenagem ao deus dos sonhos estoniano.
Ela conta que a ideia surgiu após as tais colaborações comentadas por Järs. Dois ex-funcionários da Wise foram conhecer a pesquisa desenvolvida por ela. Gostaram e acompanharam os trabalhos por seis meses. Depois de plantarem a sementinha, um investidor gostou da ideia e resolveu investir nela.
Criada em janeiro do ano passado, a startup usa complexos processos de fermentação para criar óleos e gorduras comestíveis a partir de resíduos de atividades agroindustriais. A ideia é aproveitar substâncias locais comuns: serragem (Estônia); permeado de lactose (Finlândia) e lixo orgânico doméstico (Noruega). A ideia é substituir óleos de coco e palma ou gorduras de origem animal, cuja produção tem grande impacto ambiental. Depois de receber 1 milhão de euros (R$ 5,3 milhões), a empresa está para se expandir: receberá em breve uma chefe de pesquisa brasileira e vai ampliar sua planta, de 300 para 50 mil litros.
A Estônia é uma mãe para startup. São focados em ter muitos unicórnios e realmente vão te ajudar a se tornar um Nemailla Bonturi, fundadora da Äio