Brasil ainda não perdeu o bonde da IA, diz Academia Brasileira de Ciências
O Brasil verá a competitividade de suas empresas diminuir no exterior e terá a segurança e soberania nacionais afetadas se continuar a ser apenas um usuário de soluções de IA (inteligência artificial) concebidas por estrangeiros, alerta a ABC (Academia Brasileira de Ciências).
A conclusão faz parte do relatório "Recomendações para o avanço da inteligência artificial no Brasil", elaborado por 16 pesquisadores da organização, todos vindos de diferentes regiões do país e áreas de estudo. Apresentado nesta quinta-feira (9), o documento elenca os riscos de ficar para trás na corrida da IA, os problemas de fomentar a tecnologia sem regulação e as muitas oportunidades a serem geradas.
O avanço da IA é inevitável, mas temos que criar as condições para nos preparar. Por isso queremos despertar a discussão pública. Se não tiver uma ação determinada, o Brasil corre o risco de deixar aumentar esse gap tecnológico para os países mais desenvolvidos"
Virgílio Almeida, diretor da ABC e coordenador do grupo de trabalho, em entrevista exclusiva a Tilt
O relatório é lançado poucos dias após EUA, China, União Europeia e Brasil assinarem a "Declaração de Bletchey" - acordo de trabalho conjunto para desenvolver medidas de segurança para IA.
"O Brasil assume ano que vem a presidência do G20 e essas questões [regulações de IA] vão surgir. O Brasil tem que se preparar para responder", defende Almeida.
Para ele, que já foi secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia entre 2011 e 2015, é essencial que o Brasil avance não só no desenvolvimento de tecnologias, mas para estar também em condição de negociar termos de futuros acordos globais.
Bonde da IA
Um dos pontos de atenção destacados pela associação é o baixo número de pesquisadores e profissionais altamente especializados formados no Brasil.
Além do baixo crescimento do número de profissionais com a formação necessária, cresce a quantidade desses profissionais que optam por trabalhar no exterior (...) A grande maioria das patentes depositadas no Brasil relacionadas à IA decorre de tecnologias desenvolvidas nos EUA, apesar do razoável número de publicações em IA por pesquisadores brasileiros"
relatório da ABC
Enquanto isso, ferramentas como o ChatGPT, desenvolvido pela a norte-americana OpenIA, alcança 100 milhões de usuários ativos por semana.
Em meio a esse cenário desanimador, é fácil acreditar que o Brasil já perdeu o bonde da IA. No entanto, Almeida é otimista. Ele acredita que o país tem condições de entrar na corrida, caso ataque três pilares fundamentais para avançar na inteligência artificial:
- recursos humanos,
- infraestrutura computacional e
- dados.
O Brasil é especialmente rico no último.
"Temos disponibilidade de imensas massas de dados em amplos setores do conhecimento, como saúde, com o SUS; meio ambiente, com o Inpe e o Ibama; e educação, com o Inep e Enem", comenta Almeida.
Ele diz ainda que o Brasil tem diversidade racial, social e geográfica que ajuda a enriquecer tais dados. "É um grande patrimônio brasileiro".
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Para a ABC, o impacto da IA tem o mesmo impacto que o surgimento da internet, mas em um ritmo muito mais acelerado. Cada país, no entanto, tem maior potencial para ir melhor em determinado setor. Para os cientistas que elaboraram o relatório, os campos em que o Brasil pode se dar melhor são os seguintes:
- saúde;
- energia;
- financeiro;
- biodiversidade;
- educação;
- agricultura;
- pesquisa científica;
- competitividade das empresas;
- eficiência e governança no setor público.
Atingir esse potencial em todas essas indústrias passa pela necessária formação de cientistas, em especial na ciência básica. Isso exige investimento público.
Vindos de cientistas de destaque nos EUA, em especial da matemática e da engenharia, os fundamentos da IA nasceram nos anos 1950, antes mesmo de os computadores fazerem isso. É a importância da ciência básica. Mas, nos últimos anos, a pesquisa passou a ser feita nas grandes empresas, por demandar grandes recursos computacionais. Isso ressalta também a necessidade de infraestrutura computacional"
Virgílio Almeida
Embora falte investimento em ciência, há esperança de mais apoio e recursos, avalia o pesquisador. "É um processo que leva certo tempo para ajustar, mas há a perspectiva no horizonte", diz.
Avançar rápido, mas com cuidado
A ABC não descarta que a inteligência artificial também será o vetor de grandes injustiças, caso nada seja feito.
"Apesar de potenciais benefícios e oportunidades, há evidências concretas de que as tecnologias de IA podem trazer danos para indivíduos, grupos, sociedade e para o planeta", diz o documento.
Mais do que previsões de ficção científica de seres humanos substituídos por máquinas, os pesquisadores da ABC listam riscos bem reais provocados pelo avanço do uso de IA, como:
- violações de privacidade,
- criação de ambientes anticompetitivos,
- manipulação de comportamentos,
- ocorrência de desastres ambientais,
- exploração e perpetuação de preconceitos.
"Percebemos em vários estudos, inclusive no Brasil, que os algoritmos podem discriminar populações vulneráveis, negros, mulheres e outros grupos. Por isso é preciso regras para proteger toda a população", diz Almeida.
No Brasil, o Senado Federal vem debatendo a regulação da IA por uma comissão temporária interna. Ela aprecia dois textos, o PL nº 21/20, já aprovado na Câmara, e o PL nº 2338/23, decorrente do trabalho de juristas dedicados ao assunto.
O colegiado deve preparar até o fim do ano uma proposta que combine os projetos existentes e as contribuições feitas em audiências públicas.
Já o governo federal prepara um posicionamento sobre a inteligência artificial para apresentar na reunião do G20, que ocorre em setembro de 2024, no Rio de Janeiro.
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