Choveu e a luz piscou? Como a tecnologia impede que a energia caia de vez
Gabriel Francisco Ribeiro
De Tilt, em São Paulo
23/02/2024 04h00
O verão é sempre igual: as chuvas torrenciais caem no quintal. Só não queremos que caia a energia porque, não tem jeito, ela é vital.
Paródias à parte, com as tempestades vem também a chatice de ter o fornecimento de energia elétrica interrompido na sua casa. Mas por que a luz apenas pisca em vez de cair?
Relacionadas
Por trás desses poucos segundos que nos assustam e nos fazem temer pelo pior, existe uma série de processos e tecnologias envolvidas, que foram reforçados nos últimos anos ao longo da fiação.
Por exemplo, religadores automáticos e equipamentos que fazem uma reconfiguração da rede, caso uma falha seja notada.
Isso tudo faz parte da digitalização dos sistemas de energia que vão para nossas casas.
A digitalização da rede
A ideia de digitalizar a rede é tornar alguns processos automáticos, sem que haja a necessidade de um deslocamento de equipe para o local.
O sistema que fornece energia fica mais "inteligente" e menos dependente de humanos, que não precisam mais ser uma "babá" de qualquer pequeno problema na rede.
Em meio a isso, está um dos principais responsáveis pela "piscada" de luz na sua casa: os religadores automáticos.
Esse instrumento faz com que interrupções na energia elétrica durem apenas alguns segundos, em vez de horas como ocorria antes.
Ele atua quando, principalmente durante uma chuva, algo acaba criando um curto-circuito na fiação exposta das ruas.
"Antigamente, quando chovia e ventava, acontecia de uma fase encostar na outra, gerando um curto-circuito. O curto-circuito é quando uma corrente aumenta, o que faz a tensão elétrica cair e apagar a lâmpada", explica o professor Edval Delbone, coordenador do curso de Engenharia Elétrica do Instituto Mauá de Tecnologia.
Era o que acontecia, por exemplo, quando um galho caía no fio. Antes, isso gerava um curto-circuito e uma equipe precisava ir até o local para corrigir a falha, algo que poderia levar horas. Hoje os religadores automatizaram o processo.
"No passado, a rede desligava e abria o fusível. A equipe via que não tinha rompido nenhum fio e religava a rede. Hoje isso é feito automaticamente, fica alguns segundos desligado e tenta religar uma, duas vezes. Se no terceiro ciclo de religamento o curto continuar, fica desligado", aponta Saulo Ramos, ex-diretor de operações da Enel em São Paulo.
O religador parte da premissa que algumas falhas são transitórias, como um galho que se solta da árvore.
"A tendência é continuar caindo e ir para o chão. O religador percebe o curto antes da estação e desliga o circuito por alguns segundos e volta a tentar ligar depois de um tempo. A expectativa é que quando religue o galho tenha terminado a queda e não exista mais o curto-circuito", explica Sérgio Sevileanu, especialista em redes da Siemens, empresa tem parceria da Cemig na digitalização dos sistemas em Minas Gerais.
De acordo com os especialistas, essas piscadas de luz geralmente não causam danos a equipamentos —seria como remover o aparelho da tomada.
"O pior risco é a descarga elétrica, que gera a tensão e, aí sim, danifica os eletrodomésticos", diz o especialista da Siemens.
Autoreconfiguração também ajuda
Outra tecnologia que tem evitado que quedas de energia durem por mais tempo é uma "autoreconfiguração da rede", que ocorre em casos mais graves, como uma queda de uma árvore sobre um poste ou fios.
Essa nova tecnologia é mais robusta do que os religadores e depende de mais fatores —além disso, a "piscada" sentida nesses casos pode ser um pouco mais longa.
O curto-circuito gerado não é resolvido simplesmente pelo religador e, nesses casos, uma região ficará sem energia. Mas a intenção é que o número afetado seja diminuído com a autoreconfiguração.
"Se uma árvore cai sobre a rede e um trecho é danificado, esses equipamentos identificam onde está o defeito, isolam a falha e reenergizam todos os outros clientes por meio de uma reconfiguração dos postes que levam energia", diz Ramos.
Rede subterrânea seria o ideal
Todos esses problemas, claro, poderiam ser evitados se a rede fosse subterrânea, como já ocorre em vários países mais desenvolvidos e algumas áreas aqui no Brasil —em São Paulo, parte do centro, a avenida Paulista e partes de regiões nobres como a Vila Olímpia e Itaim.
Para o especialista da Siemens, este é o "futuro ideal", que aumenta "infinitamente" a qualidade do fornecimento
"Além de evitar acidentes, como galho e carro que bate em poste, também fica mais protegido das descargas atmosféricas. As concessionárias não fazem porque é mais caro, precisa de obra civil mais complexa, é um investimento muito expressivo. Enel e Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] não consideram como investimento. Para ser realidade, o estado e o município precisam entrar com uma parcela, as empresas com uma parcela, e a Aneel precisa liberar uma tarifa diferenciada para essa região", defende Ramos.